Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 116.744/09

Inquérito Civil nº 02/06

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

Suscitado: Promotor de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) – Litoral Norte

 

 

Ementa:

1)Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante) e Promotor de Justiça em exercício no GAEMA – Litoral Norte -(suscitado).

2)Apuração a respeito de “questões habitacionais”, com possíveis danos ao Meio Ambiente.

3)Ato Normativo nº 552/08-PGJ (com as modificações decorrentes do Ato Normativo nº 596/2009-PGJ), que instituiu o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA). Interpretação sistemática dos dispositivos que delimitam as atribuições do GAEMA (art. 3º, § 3º, art. 5º, e art. 14).

4)Atribuição para atuação em matéria ambiental que tenha cunho prioritário e repercussão regional. Atribuição apenas excepcional em matéria urbanística, vinculada à matéria ambiental prioritária e regional. Atribuição para conclusão de feitos pendentes quando da criação do Grupo de Atuação Especial compreendida teleologicamente e limitadamente.

5)Conflito conhecido e dirimido, determinando-se caber ao DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba prosseguir na investigação.

Vistos,

1)Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, e como suscitado o DD. Promotor de Justiça em exercício no GAEMA – Litoral Norte.

O inquérito civil foi instaurado para fins de apuração a respeito de “questões habitacionais”, com possíveis danos ao Meio Ambiente.

O feito vinha tramitando na então Promotoria com atuação regionalizada na área do meio ambiente.

Com a edição do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, de 04/09/08, (com as modificações introduzidas pelo Ato Normativo nº 596/2009-PGJ, de 30/06/09), que instituiu o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), o DD. Promotor de Justiça em exercício no referido órgão de execução (suscitado), determinou a remessa dos autos ao DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante).

Averbou, para justificar a remessa, que o feito não é de atribuição do GAEMA, por tratar de matéria urbanística (fls. 404).

Em casos similares que renderam ensejo a conflitos negativos de atribuição, a remessa pelo GAEMA ao suscitante foi ainda justificada pelos argumentos a seguir sintetizados: (a) a finalidade do inquérito civil é apurar provável parcelamento ilegal do solo em Caraguatatuba; (b) o GAEMA, não tem atribuições para atuar em matéria urbanística, salvo excepcionalmente, nos termos do art. 3º, § 3º do Ato Normativo mencionado; (c) nem mesmo na vigência da regulamentação anterior, precedente ao Ato Normativo que instituiu o GAEMA, seria o caso de atribuição da então Promotoria com atuação Regionalizada; (d) é inaplicável, na hipótese, o art. 14 do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, que se refere apenas aos procedimentos de matéria ambiental, e não urbanística (fls. 404).

O DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante), ao receber os autos suscitou o conflito, afirmando que: (a) o art. 14 do Ato Normativo nº 552/08-PGJ prevê que os procedimentos em andamento no GAEMA deverão ser concluídos por este; (b) tal dispositivo é aplicável não apenas às investigações em matéria ambiental; (c) no feito há mais de um fundamento de intervenção – urbanismo e meio ambiente – sendo de igual abrangência, resolvendo-se a questão pela prevenção (fls. 457/461).

É o relato do essencial.

2)Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.

O objeto da investigação é, conforme consta da autuação e da portaria de instauração do inquérito civil, apurar “questões habitacionais” na cidade de Caraguatatuba. Essa é a questão central em torno da qual se dá a investigação, sendo certo que a existência de eventuais danos ambientais, ao que tudo indica, é secundária.

Embora esta Procuradoria-Geral de Justiça tenha, em outros conflitos de atribuição em que há mais de um interesse metaindividual presente, decido pelo critério da prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público), no caso em análise a questão merece atenção peculiar, na medida em que a controvérsia envolve a atuação do GAEMA.

A razão disso é a premissa que justificou a própria criação do referido Grupo de Atuação Especial, ou seja, conferir tratamento prioritário para casos em que, na área do meio ambiente, seja perceptível a diversa dimensão, intensidade, e importância da questão sob investigação.

Nesse sentido é a conclusão que se pode extrair da interpretação sistemática de dispositivos do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, visto que por força do ato regulamentar, caberá ao GAEMA: (a) oficiar em representações, inquéritos civis, procedimentos preparatórios de inquéritos civis para a defesa e proteção de bens ambientais eleitos como prioritários (art. 5º, a); (b) promover medidas judiciais necessárias à defesa e proteção dos bens ambientais eleitos como prioritários (art. 5º, c).

Dessa forma, a disposição do Ato Normativo nº 552/08-PGJ que permite a atuação do GAEMA, excepcionalmente, em procedimentos afetos à defesa da ordem urbanística (art. 3º, § 3º), bem como outra que determina que os procedimentos das antigas Promotorias com atuação regionalizada na área do meio ambiente sejam concluídos pelo Grupo de Atuação Especial (art. 14), “ainda que não abrangidos nas metas e prioridades a serem estabelecidas”, devem ser compreendidas em perspectiva teleológica.

Em outros termos, da leitura sistemática dos dispositivos referidos, pode-se concluir que: (a) o GAEMA deverá atuar em casos prioritários e revestidos de repercussão regional na área do meio ambiente; (b) deverá prosseguir nos feitos já em andamento antes de sua criação, desde que sejam da área do meio ambiente; (c) poderá atuar em casos relacionados à defesa da ordem urbanística, desde que inseridos no espectro mais abrangente de situação prioritária, envolvendo proteção ao meio ambiente.

Aliás, mesmo antes da criação do GAEMA, esta Procuradoria-Geral de Justiça vinha decidindo que apenas casos de repercussão regional deveriam ficar a cargo da Promotoria com atuação regionalizada, e não todos aqueles relacionados à proteção ambiental.

Nesse sentido, confiram-se as seguintes ementas:

“Ementa: 1)Conflito negativo de atribuições. Promotoria de Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo – Litoral Norte (suscitada), e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba (suscitante). 2)Danos ao meio ambiente. Parcelamento clandestino. Alcance de área de preservação permanente. Danos locais. Ausência de repercussão regional. 3)Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que o Promotor da Comarca prossiga no feito, em seus ulteriores termos (Protocolado nº 68.721/2008; Inquérito Civil nº100/06 – Ubatuba; Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba; Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte)

“Ementa: 1) Conflito negativo de atribuições. Promotoria de Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo – Litoral Norte (suscitada), e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba (suscitante). 2) Danos ao meio ambiente. Parcelamento clandestino. Alcance de área de preservação permanente. Danos locais. Ausência de repercussão regional. 3) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que o Promotor da Comarca prossiga no feito, em seus ulteriores termos.” (Protocolado nº 69.472/08; Inquérito Civil nº. 76/06 – Ubatuba; Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba; Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte).

Ainda nesse sentido a decisão proferida em conflito de atribuição referente ao Protocolado nº 129.875/08.

3)Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 08 de outubro de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

rbl