Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
116.753/09
Inquérito
Civil nº 23/05
Suscitante: 3º
Promotor de Justiça de Caraguatatuba
Suscitado: Promotor
de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente
(GAEMA) – Litoral Norte
Ementa:
1)Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante) e Promotor de Justiça em exercício no GAEMA – Litoral Norte -(suscitado).
2)Apuração de irregularidade de parcelamento do solo em área urbana, com eventuais reflexos relacionados ao meio ambiente.
3)Ato Normativo nº 552/08-PGJ, Ato Normativo nº 596/2009-PGJ, que instituiu o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA). Interpretação sistemática dos dispositivos que delimitam as atribuições do GAEMA (art. 3º, § 3º, art. 5º, e art. 14).
4)Atribuição para atuação em matéria ambiental que tenha cunho prioritário e repercussão regional. Atribuição apenas excepcional em matéria urbanística, vinculada à matéria ambiental prioritária e regional. Atribuição para conclusão de feitos pendentes quando da criação do Grupo de Atuação Especial compreendida teleologicamente e limitadamente.
5)Conflito conhecido e dirimido, determinando-se caber ao DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba prosseguir na investigação.
Vistos,
1)Relatório.
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba,
e como suscitado o DD. Promotor de Justiça
em exercício no GAEMA – Litoral Norte.
O inquérito civil foi instaurado para apurar irregularidade de parcelamento do solo no Bairro Massaguaçu, na av. Benedita Serafim, na cidade de Caraguatatuba, com notícia de realização de construções em área de preservação permanente (APP).
O feito vinha tramitando na então Promotoria com atuação regionalizada na área do meio ambiente.
Com a edição do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, de 04/09/08, (com as modificações introduzidas pelo Ato Normativo nº 596/2009-PGJ, de 30/06/09), que instituiu o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), o DD. Promotor de Justiça em exercício no referido órgão de execução (suscitado), determinou a remessa dos autos ao DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante).
Averbou, para justificar a remessa, que: (a) a finalidade do inquérito civil é apurar a existência de loteamento clandestino, matéria urbanística, portanto; (b) o GAEMA, não tem atribuições para atuar em matéria urbanística, salvo excepcionalmente, nos termos do art. 3º, § 3º do Ato Normativo mencionado; (c) nem mesmo na vigência da regulamentação anterior, precedente ao Ato Normativo que instituiu o GAEMA, seria o caso de atribuição da então Promotoria com atuação Regionalizada, conforme precedentes indicados desta Procuradoria-Geral de Justiça, relativos à solução de outros conflitos de atribuição; (d) é inaplicável, na hipótese, o art. 14 do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, que se refere apenas aos procedimentos de matéria ambiental, e não urbanística (fls. 136/138).
O DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante), ao receber os autos determinou a realização de diligências.
Posteriormente suscitou o conflito, afirmando que: (a) o art. 14 do Ato Normativo nº 552/08-PGJ prevê que os procedimentos em andamento no GAEMA deverão ser concluídos por este; (b) tal dispositivo é aplicável não apenas às investigações em matéria ambiental; (c) no feito há mais de um fundamento de intervenção – urbanismo e meio ambiente – sendo de igual abrangência, resolvendo-se a questão pela prevenção (fls. 193/198).
É o relato do essencial.
2)Fundamentação.
Está
configurado, no caso, o conflito de atribuições.
Isso
decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público,
quando “(a) dois ou mais deles
manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia,
Ministério Público, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para
conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente,
culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os
dados do caso concreto investigado.
No
caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da
investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.
O
objeto da investigação é, conforme consta da autuação e da portaria de
instauração do inquérito civil, apurar eventual irregularidade de
parcelamento do solo em área urbana. Essa é a questão central em torno da
qual se dá a investigação, sendo certo que a existência de eventuais danos
ambientais, ao que tudo indica, é secundária.
Embora
esta Procuradoria-Geral de Justiça tenha, em outros conflitos de atribuição em
que há mais de um interesse metaindividual presente, decido pelo critério da prevenção,
nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93 (Lei
Orgânica Estadual do Ministério Público), no caso em análise a questão merece atenção
peculiar, na medida em que a controvérsia envolve a atuação do GAEMA.
A
razão disso é a premissa que justificou a própria criação do referido Grupo de
Atuação Especial, ou seja, conferir tratamento prioritário para casos em que,
na área do meio ambiente, seja perceptível a diversa dimensão, intensidade, e
importância da questão sob investigação.
Nesse
sentido é a conclusão que se pode extrair da interpretação sistemática de
dispositivos do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, visto que por força do ato
regulamentar, caberá ao GAEMA: (a) oficiar em representações, inquéritos civis,
procedimentos preparatórios de inquéritos civis para a defesa e proteção de
bens ambientais eleitos como prioritários (art. 5º, a); (b) promover medidas judiciais necessárias à defesa e proteção
dos bens ambientais eleitos como prioritários (art. 5º, c).
Dessa
forma, a disposição do Ato Normativo nº 552/08-PGJ que permite a atuação do
GAEMA, excepcionalmente, em procedimentos afetos à defesa da ordem urbanística (art.
3º, § 3º), bem como outra que determina que os procedimentos das antigas
Promotorias com atuação regionalizada na área do meio ambiente sejam confluídos
pelo Grupo de Atuação Especial (art. 14), “ainda que não abrangidos nas metas e
prioridades a serem estabelecidas”, devem ser compreendidas em perspectiva
teleológica.
Em
outros termos, da leitura sistemática dos dispositivos referidos, pode-se
concluir que: (a) o GAEMA deverá atuar em casos prioritários e revestidos de
repercussão regional na área do meio ambiente; (b) deverá prosseguir nos
feitos já em andamento antes de sua criação, desde que sejam da área do meio
ambiente; (c) poderá atuar em casos relacionados à defesa da ordem
urbanística, desde que inseridos no espectro mais abrangente de situação
prioritária, envolvendo proteção ao meio ambiente.
Aliás,
mesmo antes da criação do GAEMA, esta Procuradoria-Geral de Justiça vinha
decidindo que apenas casos de repercussão regional deveriam ficar a cargo da Promotoria
com atuação regionalizada, e não todos aqueles relacionados à proteção
ambiental.
Nesse
sentido, confiram-se as seguintes ementas:
“Ementa: 1)Conflito negativo de atribuições. Promotoria de Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo – Litoral Norte (suscitada), e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba (suscitante). 2)Danos ao meio ambiente. Parcelamento clandestino. Alcance de área de preservação permanente. Danos locais. Ausência de repercussão regional. 3)Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que o Promotor da Comarca prossiga no feito, em seus ulteriores termos (Protocolado nº68.721/2008; Inquérito Civil nº100/06 – Ubatuba; Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba; Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte)
“Ementa: 1) Conflito negativo de atribuições. Promotoria de Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo – Litoral Norte (suscitada), e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba (suscitante). 2) Danos ao meio ambiente. Parcelamento clandestino. Alcance de área de preservação permanente. Danos locais. Ausência de repercussão regional. 3) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que o Promotor da Comarca prossiga no feito, em seus ulteriores termos.” (Protocolado nº. 69.472/08; Inquérito Civil nº. 76/06 – Ubatuba; Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba; Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte).
Ainda nesse sentido a decisão proferida em conflito de atribuição referente ao Protocolado nº. 129.875/08.
3)Decisão.
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 07 de outubro de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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