Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 116.757/09

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

Suscitado: GAEMA - GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE

 

 

 

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições envolvendo o 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, como suscitante, e o GAEMA, Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente, como suscitado.

2) Procedimento que versa, segundo concordaram suscitante e suscitado, preponderantemente, sobre questão urbanística.

3) Alegação do suscitante de que o art. 14 do Ato Normativo 552/08, que define as atribuições do GAEMA, determina a atribuição do referido Grupo de Atuação Especial.

4) O GAEMA - GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, cujas atribuições estão expressas no art. 5º do Ato Normativo nº 552/08 - PGJ, 4 de setembro de 2008, não tem atribuições expressas para a tutela da ordem urbanística, pois compete-lhe a tutela do Meio Ambiente, tanto que é composto por Promotores de Justiça com atribuições na defesa do meio ambiente.

5) Portanto, o art. 14 não pode ser invocado para dirimir o presente conflito, pois se refere aos procedimentos de atribuição do GAEMA, na área de Meio Ambiente, que estavam em andamento na Promotoria Regional, que não sejam considerados prioritários. Neles não se incluindo os procedimentos antigos, referentes a questões urbanísticas.

6) Conflito dirimido para definir a atribuição do Promotor de Justiça natural.

 

 

Vistos.

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições em que figura como suscitante o 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, que tem suas atribuições definidas pelo Ato n. 125/2007 – PGJ, de 20 de setembro de 2007, nelas incluída a atuação na área de Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, e como suscitado o GAEMA - GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, cujas atribuições estão expressas no art. 5º do Ato Normativo nº 552/08 - PGJ, 4 de setembro de 2008. Segundo o citado dispositivo legal, ao GAEMA competirá, dentre outras, as seguintes atribuições:

a) oficiar nas representações, inquéritos civis, procedimentos preparatórios de inquéritos civis para a defesa e proteção dos bens ambientais nos temas eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural;

b) tomar compromissos de ajustamento de conduta nos procedimentos de sua alçada;

c) promover as medidas judiciais cabentes e necessárias à defesa e proteção dos bens ambientais nos temas eleitos como prioritários;

d) promover a efetiva mobilização das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente integrantes do núcleo regionalizado para a consecução da atuação integrada em relação a todos os temas regionais.

O conflito teve origem nos autos do Inquérito Civil n. 44/07, que tem por objeto a apuração de “impermeabilização do solo e posterior edificação sem autorização dos órgãos competentes (área localizada na rua Francisca A. Conceição, Jaraguazinho) – Desobediência a anterior embargo administrativo”.

O procedimento foi instaurado pela Promotoria de Justiça Regional do Meio Ambiente e da Habitação e Urbanismo do Litoral Norte, sendo, posteriormente, encaminhado pelo GAEMA ao suscitante sob o argumento de que o Ato Normativo n. 552/08, ao definir a atribuição do GAEMA, limitou-as à matéria ambiental. Por isso, ao concluir que o objeto da representação é matéria urbanística, referente a loteamento clandestino, o GAEMA determinou a remessa dos autos ao Promotor Natural.

Ao receber os autos, o 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, que tem atribuições na área de Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, resolveu suscitar o conflito negativo de atribuições, sob o argumento de que o art. 14 do Ato Normativo 552/08 dispôs que o procedimento deve ser concluído pelo GAEMA:

Art. 14. Os procedimentos em andamento nas “promotorias regionais do meio ambiente” na data de publicação do presente ato serão concluídos pelo GAEMA, ainda que não abrangidos nas metas e prioridades a serem estabelecidas.

Há divergência entre suscitante e suscitado se o dispositivo legal acima citado é aplicável a todos os procedimentos em curso ou, então, se é aplicável somente aos procedimentos afetos à área do Meio Ambiente.

Acrescenta o suscitante, ainda, que se trata de “conflito envolvendo Promotorias especializadas na tutela de interesses suprainviduais, em que é patente a presença de fundamento para a atuação de ambas. Portanto, o conflito deverá ser resolvido pelo critério da prevenção, já que o feito também investiga dano ambiental” (fls. 133).

Por fim, sustenta que “a doutrina tem-se manifestado no sentido de que a matéria urbanística está inserida no direito ambiental”.

Por esses e outros fundamentos, o 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba suscitou o presente conflito de atribuições, exaltando que deve ser fixada a atribuição do GAEMA.

É o relato do essencial.

 

 

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Essa idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação versa sobre típica questão urbanística, como, aliás, estão concordes os órgãos de execução do Ministério Público.

Ocorre que, como se depreende dos abalizados ensinamentos do ilustre membro do Ministério Público de São Paulo, Dr. José Carlos de Freitas, “as limitações administrativas editadas para disciplinar o controle do uso, do parcelamento e da ocupação dos espaços habitáveis (abertos ou fechados) – objeto, pois, do Direito Urbanístico – visam à tutela dessas funções urbanísticas, mediante normas que se destinam a proporcionar, conjunta ou isoladamente, as condições de segurança, salubridade, funcionalidade e estética da urbe.

Os preceitos relativos à segurança urbana buscam a garantia das condições mínimas de incolumidade nas edificações individuais ou coletivas, como as que se prestam à ocupação com ânimo permanente (residencial) ou transitório, para atividades como o trabalho, a prestação de serviços ou o lazer em prédios comerciais, industriais, repartições públicas, centros de compras, clubes, teatros etc.”

Enfim, a questão principal apurada no presente procedimento está afeta às atribuições da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.

De outro lado, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

No caso presente, porém, concordam suscitante e suscitado que o objeto central da investigação é a questão urbanística, ainda que também devam ser investigados possíveis danos ambientais.

Aliás, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art.114 §2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art.114 §3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 §3º).

À luz dos critérios eleitos pelo legislador estadual, pode-se concluir que a atribuição para a condução do presente feito é daquele órgão de execução incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente, no caso, incumbido da tutela da ordem urbanística.

Posto isso, a atribuição para prosseguir nas investigações é do 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, que tem suas atribuições definidas pelo Ato n. 125/2007 – PGJ, de 20 de setembro de 2007, nelas incluída a atuação na área de Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo.

O GAEMA - GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, cujas atribuições estão expressas no art. 5º do Ato Normativo nº 552/08 - PGJ, 4 de setembro de 2008, não tem atribuições expressas para a tutela da ordem urbanística, pois compete-lhe a tutela do Meio Ambiente, tanto que é composto por Promotores de Justiça com atribuições na defesa do meio ambiente.

Posto isso, correta a conclusão do suscitado no sentido de que o art. 14 não pode ser invocado para dirimir o presente conflito, pois se refere aos procedimentos de atribuição do GAEMA, na área de Meio Ambiente, que estavam em andamento na Promotoria Regional do Meio Ambiente, que não sejam considerados prioritários.

De recordar que, dentre as atribuições do GAEMA, nos termos do art. 5º, “a”, do Ato Normativo n. 552/08 - PGJ, 4 de setembro de 2008, incumbe-lhe “oficiar nas representações, inquéritos civis, procedimentos preparatórios de inquéritos civis para a defesa e proteção dos bens ambientais nos temas eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural”.

Não é de sua atribuição, portanto, oficiar em procedimentos não eleitos como prioritários, exceto na hipótese do art. 14 do mesmo Ato, ou seja, nos procedimentos que versarem sobre temas não prioritários, mas que estavam em andamento nas “promotorias regionais do meio ambiente” na data de publicação do Ato. Referidos procedimento devem ser concluídos pelo GAEMA.

 

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 3º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 30 de setembro de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

/md