Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado n. 125.277/17

Suscitante: 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de São Paulo

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de Salvador

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Consumidor. Dano Nacional.  Notícia de eventual publicidade enganosa veiculada em todo o território nacional pela rede mundial de computadores. Irrelevância de a sede da empresa localizar-se em determinado município. Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.

 

 

Vistos.

1.   Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de São Paulo e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de Salvador.

O procedimento foi inaugurado no Ministério Público do Estado da Bahia, por conta de representação noticiando eventual irregularidade em publicidade divulgada na rede mundial de computadores, sobretudo por força de promoção prometendo ao consumidor o recebimento de brinde.

A 2ª Promotoria de Justiça do Consumidor da Comarca de Salvador declinou de sua atribuição para presidir a investigação sob a alegação, pura e simples, de que a sede da representada seria no município de São Paulo. Encaminhado o procedimento à 6ª Promotoria de Justiça do Consumidor, da Comarca de São Paulo, o membro do Ministério Público oficiante suscitou conflito negativo de atribuições, destacando, em resumo, que:

a)    Consta a informação, no site da Receita Federal, que a sede da empresa está localizada no Município de Pelotas/RS;

b)    Não foi feita nenhuma pesquisa ou investigação preliminar para averiguar a extensão do dano;

c)      A empresa possui unidades industriais e filiais de distribuição em mais de uma região do país;

d)    A definição da atribuição deve se dar pelo critério da prevenção.

É o relato do essencial.

2.   Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Essa ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, desse modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

A análise da situação concreta permite inferir que se trata de possível dano de âmbito nacional, não se podendo concluir que pelo fato de a empresa estar sediada em determinado município aí é que deveria seguir a investigação.

É que não se pode descartar, a priori, dano ou lesão de característica nacional em reclamação cujo objeto tem a nota da incindibilidade, atingindo a eventual abusividade consumidores indeterminados e que decerto não se restringem àqueles residentes em Atibaia ou sequer apenas os residentes no Estado de São Paulo.

Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido” (RT 909/483).

E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR” (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).

Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:

“(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)” (RDDP 91/123).

A regra balizadora é a extensão espacial do prejuízo.

Registre-se que na hipótese ora ventilada a empresa investigada divulga a suposta publicidade por todo o território nacional.

Averbe-se, ainda, que o entendimento que tem prevalecido no Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal é no sentido da afirmação da competência da Corte, com fundamento no art. 102, I, “f”, da Constituição para dirimir conflitos entre diferentes ramos do Ministério Público.

Confira-se:

"Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o MPF e o MP estadual. Conflito negativo de atribuições – MPF versus MP estadual – Roubo e descaminho. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do MP estadual para o Federal." (Pet 3.528, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2005, Plenário, DJ de 3-3-2006.) No mesmo sentido: ACO 1.109, ACO 1.206, ACO 1.241, ACO 1.250, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 5-10-2011, Plenário, DJE de 7-3-2012; ACO 1.281, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13-10-2010, Plenário, DJE de 14-12-2010; Pet 4.574, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11-3-2010, Plenário, DJE de 9-4-2010; ACO 853, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-3-2007, Plenário, DJ de 27-4-2007; Em sentido contrário: ACO 756, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 4-8-2005, Plenário, DJ de 31-3-2006; Pet 1.503, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 3-10-2002, Plenário, DJ de 14-11-2002.

3)  Decisão

Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Comarca de São Paulo, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 8 de novembro de 2017.

 

José Correia de Arruda Neto

Procurador-Geral de Justiça

Em exercício

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