Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 127.399/2011

Autos nº 562.01.2011.008727-1 (1ª Vara da Fazenda Pública de Santos)

Suscitante: 18º Promotor de Justiça de Santos

Suscitado: 10º Promotor de Justiça de Santos

 

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. 18º Promotor de Justiça de Santos (suscitante) e 10º Promotor de Justiça de Santos (suscitado).

2)      Ação movida por pessoa portadora de doença mental interditada judicialmente e que conta cinquenta e dois anos de idade, representada por seu curador, para condenação do Município a autorizar a manutenção de seu recolhimento em uma casa destinada a idosos.

3)      Atuação do MP como custos legis. Identificação do órgão ministerial com atribuições para o caso concreto. Definição que parte da causa de intervenção do MP na hipótese concretamente considerada, decorrente do objeto da ação.

4)      Princípios da unidade e independência funcional. Aplicação. Ausência de vinculação por parte de um órgão ministerial ao posicionamento adotado por outro órgão em feito distinto ou em momento processual diverso do mesmo feito.

5)      Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento do suscitante no feito em epígrafe.

 

 

 

Vistos,

 

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 18º Promotor de Justiça de Santos, e como suscitado o DD. 10º Promotor de Justiça de Santos.

Os autos nº 562.01.2011.008727-1 (1ª Vara da Fazenda Pública de Santos) cuidam de ação civil proposta pela autora, que segundo a inicial tem 52 (cinquenta e dois) anos de idade, por meio de seu curador, em face da Municipalidade de Santos, deduzindo a pretensão no sentido de que a Municipalidade seja compelida a manter a postulante “em estabelecimento asilar em que se encontra sem que com isso as sócias do Pensionato Residencial São Judas Tadeu – ME, sofram qualquer tipo de penalidade através da Secretaria de Saúde e Vigilância Sanitária da cidade ou do Ministério Público”.

A inicial noticiou, em síntese, que embora a autora não seja idosa, possui doença mental grave e foi, por essa razão, interditada judicialmente. Em função disso estava internada no “Pensionato Residencial São Judas Tadeu – ME”.

Contudo, por força da existência de notícia no sentido de novas diretrizes adotadas pela área da saúde do Município de Santos, em conformidade com orientações do Ministério Público (Promotoria de Justiça do Idoso), a entidade de acolhimento antes referida determinou o encerramento da internação da requerente, o que motivou a propositura da ação em epígrafe, a fim de que seja possível manter a requerente acolhida em tal entidade.

Foi aberta vista ao DD. 18º Promotor de Justiça de Santos (suscitante), que postulou a remessa dos autos à Promotoria do Idoso (fls. 36).

O DD. 10º Promotor de Justiça de Santos (suscitado), que tem atribuições para a defesa do idoso, por sua vez, declinou de oficiar nos autos, salientando que: (a) os fatos expostos na inicial repercutem não apenas na esfera da Promotoria do Idoso, mas também daquela com atribuições para a defesa de deficientes; (b) já externou seu posicionamento a respeito do tema em sede própria (Inquérito Civil instaurado e ora arquivado); (c) não possui atribuição para oficiar no feito em epígrafe (fls. 38).

O DD. 18º Promotor de Justiça de Santos (suscitante), ao receber novamente os autos com vista, suscitou o conflito, aduzindo que: (a) a propositura da presente demanda decorreu de orientação da Promotoria do Idoso à Municipalidade, no sentido de que não permanecessem internadas em estabelecimentos destinados a idosos, pessoas que não se qualificassem como tal; (b) a atuação do suscitado é necessária para que não haja qualquer desrespeito à sua independência funcional, pois a atuação de um membro do MP não pode vincular outro órgão ministerial; (c) cabe ao suscitado oficiar no feito (fls. 51/53).

É o relato do essencial.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).

No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para atuar em certo processo deve levar em consideração os dados do caso concreto, ou seja, o seu objeto litigioso.

O feito em exame, no qual se instalou o conflito negativo de atribuições, consiste em ação movida pela autora, representada por seu curador, em face da Municipalidade, pretendendo que esta seja condenada a não impedir (ou seja, autorizar) a permanência da demandante na casa de acolhimento na qual ela se encontra, em que pese não seja legalmente considerada idosa por ter, quando da propositura da ação, 52 (cinquenta e dois) anos de idade.

Note-se que em conformidade com o Ato nº 82/07 - PGJ, 05 de julho de 2007, o suscitado, DD. 10º Promotor de Justiça de Santos, tem atribuições para oficiar na área de “Idoso”, enquanto o DD. 18º Promotor de Justiça de Santos, ora suscitante, tem atribuições para se manifestar em alguns finais de feitos das Varas da Fazenda Pública de Santos.

Cumpre identificar, portanto, qual é a causa de intervenção do Ministério Público no presente feito na qualidade de fiscal da lei.

A resposta é objetiva: o MP intervém neste feito como custos legis pelo fato de que a autora é incapaz, visto que como noticiam os autos, por possuir doença mental acabou sendo interditada judicialmente (fls. 2 e 16).

Destaque-se, além disso, que a ação foi movida em face da Municipalidade, motivo pelo qual o feito foi distribuído à 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos.

O quadro conclusivo que se apresenta, portanto, pode ser assim resumido: o MP atua como custos legis neste feito por se tratar de ação movida por incapaz.

Note-se que se o Município determinou a cessação do acolhimento da autora cumprindo orientação do Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça do Idoso, ou se assim agiu por força de deliberação própria, isso é irrelevante para fins de identificação do órgão ministerial que deverá oficiar como fiscal da lei no feito, com a devida vênia relativamente ao entendimento diverso sustentado pelo suscitante.

Além disso, o raciocínio em sentido diverso do aqui adotado olvidaria a adequada compreensão do princípio da unidade e do princípio da independência funcional, que inspiram a atuação do Ministério Público.

Se orientação houve para determinada conduta por parte da Municipalidade, essa foi uma orientação da Instituição através do órgão dotado de atribuições para fazê-lo; tal orientação, entretanto, não vincula outros órgãos ministeriais na intervenção em outros feitos no exercício de suas próprias atribuições.

Reforça tal conclusão a percepção de que não obstante a unidade institucional, também não há vinculação, no mérito, nem mesmo entre órgãos distintos que oficiam, no mesmo feito, em momentos diversos (como se verifica, por exemplo, em primeira e em segunda instância, nesta última em grau de recurso).

Caberá ao suscitante, portanto, prosseguir intervindo no feito.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 18º Promotor de Justiça de Santos, a atribuição prosseguir intervindo no presente feito, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 19 de setembro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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