Conflito de Atribuições

- Cível –

 

Protocolado nº 128.810/2017

Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Araraquara

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. 9º Promotor de Justiça de Araraquara (suscitante) e 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital (suscitado).

2) Representação formulada por dezenas de consumidores. Notícia de dano regional (CDC, art. 93, II).

3)         Dano que potencialmente alcança uma gama considerável de consorciados, embora determináveis, porquanto vinculados pela mesma relação contratual, os quais se distribuem por diversas cidades, a caracterizar a regionalização da vulneração dos direitos dos consumidores.

4) Nesse contexto, em que nítido transcender os danos apontados ao âmbito local, inafastável a incidência da regra prevista no artigo 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, a legitimar a atuação do juízo da Capital, e, consequentemente, do Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.

5)         Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital prosseguir nos autos.

 

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 9º Promotor de Justiça de Araraquara e como suscitado 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.

Trata-se de representação encaminhada à Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, formulada por mais de 30 consumidores, em face de atos praticados pelo liquidante e administrador da instituição Agraben Administradora de Consórcios Ltda., instituição em Liquidação Extrajudicial.

Segundo os próprios autores da representação, esta foi elaborada “objetivando proteger os consumidores” (fl. 07).

Os autores da representação, que são consorciados, afirmam que:

“em 11 de agosto de 2017, mais de um ano e meio após a Decretação da Liquidação Extrajudicial, os consumidores foram noticiados, incialmente através do site da própria Administradora, sobre o resultado da licitação ocorrida, na qual se aponta a empresa Primo Rossi como vencedora do certame, assumindo então, os grupos consorciais.

Ocorre que, como é sabido, participaram da licitação duas empresas, sendo elas: Primo Rossi Administradora de Consórcios Ltda. e Realiza Administradora de Consórcios Ltda.

Ocorre que, as propostas apresentadas, segundo já veiculado em grupo de conversas sociais, a proposta Realiza Administradora de Consórcios apresentou uma proposta muito mais benéfica aos consumidores do que a efetivamente da Primo Rossi Administradora”.  

 Distribuída a representação, o DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital declinou de sua atribuição (fl. 68), sob o fundamento de que “os fatos narrados podem dar ensejo, em tese, à adoção de providências na esfera de atuação do Promotor de Justiça que atue no âmbito da recuperação judicial”.

Encaminhados os autos ao DD. 9º Promotor de Justiça de Araraquara, foi suscitado o presente conflito (fls. 75/77).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido e dirimido à luz dos dados do caso concreto investigado.

Para o suscitante, “afigura-se açodada a determinação lançada a fls. 68, além de lastreada numa sucessão de equívocos:

a) não há um processo de recuperação judicial da empresa AGRABEN, administradora de consórcio. Empresas do tipo submetem-se a processos de liquidação extrajudicial, conforme prevê o art. 39, da lei 11.795/08. No caso, a liquidação foi decretada de ofício pelo Banco Central (...). A providência administrativa adotada pelo BACEN provoca a paralisação total das atividades da empresa, a sua eliminação do cenário comercial e a suspensão dos processos judiciais (execuções) em curso (embora não atinja ações de conhecimento);

b) o processo de habilitação de administradoras de consórcio interessadas na administração dos grupos geridos pela liquidada não é “licitação”, daí porque os fatos retratados na representação não podem caracterizar ‘fraude à licitação’ (...);

c) segundo informações obtidas por esta Promotoria junto ao liquidante, a AGRABEN conta com mais de 5000 (cinco mil) consorciados, espalhados por todo o Estado de São Paulo. Alguns consorciados são da cidade de Araraquara; alguns deles assinam a representação. Todavia, em pesquisa aos Sistema e-Saj, constatou-se que a AGRABEN figura em pelo menos 1000 (mil) ações distribuídas perante o Judiciário Paulista (...);

d) os feitos referidos na decisão de fls. 68, colhidos aleatoriamente, dizem respeito a ações de conhecimento ajuizadas perante o Juizado Especial e Varas Cíveis de Araraquara, por pessoas maiores e capazes. São apenas alguns dos milhares de processos em curso contra a AGRABEN. É evidente que o MP não intervém como custos legis nesses processos, haja vista que não se apresenta qualquer hipótese do art. 178, do CPC;

e) se a questão pode ser examinada sob a ótica de dano ao consumidor, parece incontestável que não se trata de dano ocorrido no âmbito local, mas regional (em todo o Estado), o que atrai a competência do foro da Capital do Estado, para hipótese de eventual ação (cf. art. 93, II, CDC) e, por conseguinte, a atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital”.

Na hipótese em análise, de fato, consideradas as duas promotorias envolvidos no conflito de atribuições, deve funcionar a Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital.

A questão central versada na representação circunscreve-se à seara de proteção ao consumidor/consorciado.

Aliás, os autores da representação são expressos em pleitear tutela no âmbito da mencionada Promotoria de Justiça.

Por isso, entre o interesse de proteção de eventuais outros credores e a proteção consumerista, sobreleva privilegiar o último, considerado o teor da representação.

E como bem exposto pelo suscitante, configura-se, no caso em análise, o dano regional, o que determina a fixação da atribuição do suscitado.

É fato que as ofensas a direitos transindividuais de grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas a uma mesma relação jurídica básica, exige a investigação de forma regional. Remarque-se a posição do Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão do Min. HERMAN BENJAMIN:

“SERVIÇO DE TELEFONIA. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 2º DA LEI 7.347/1985. POTENCIAL LESÃO A DIREITO SUPRA-INDIVIDUAL DE CONSUMIDORES DE ÂMBITO REGIONAL. APLICAÇÃO DO ART. 93 DO CDC.

Trata a hipótese de Ação Civil Pública ajuizada com a finalidade de discutir a prestação de serviço de telefonia para a defesa de consumidores de todo o Estado do Rio Grande do Sul.

O art. 2º da Lei 7.347/1985 estabelece que a competência para o julgamento das ações coletivas para tutela de interesses supra-individuais seja definida pelo critério do lugar do dano ou do risco.

O CDC traz vários critérios de definição do foro competente, segundo a extensão do prejuízo. Será competente o foro do lugar onde ocorreu – ou possa ocorrer – o dano, se este for apenas de âmbito local (art. 93, I). Na hipótese de o prejuízo tomar dimensões maiores - dano regional ou dano nacional-, serão competentes, respectivamente, os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (art. 93, II).

5. Ainda que localizado no capítulo do CDC relativo à tutela dos interesses individuais homogêneos, o art. 93, como regra de determinação de competência, aplica-se de modo amplo a todas as ações coletivas para defesa de direitos difusos, coletivos, ou individuais homogêneos, tanto no campo das relações de consumo, como no vasto e multifacetário universo dos direitos e interesses de natureza supraindividual.

6. Como, in casu, a potencial lesão ao direito dos consumidores ocorre em âmbito regional, à presente demanda deve ser aplicado o inciso II do art. 93 do CDC, mantido o aresto recorrido que determinou a competência da Vara da Capital – Porto Alegre – para o julgamento da demanda. Precedente do STJ”

 (REsp 448.470/RS, Rel. Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 15/12/2009).

Na mesma linha, veja-se outro julgado, também do STJ:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL COLETIVA. CÓDIGO DO CONSUMIDOR, ART. 93, II. A ação civil coletiva deve ser processada e julgada no foro da capital do Estado ou no do Distrito Federal, se o dano tiver âmbito nacional ou regional; votos vencidos no sentido de que, sendo o dano de âmbito nacional, competente seria o foro do Distrito Federal. Conflito conhecido para declarar competente o Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo”.

(CC 17.532/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2000, DJ 05/02/2001 p. 69).

Por isso, em que pesem as respeitáveis ponderações, a atribuição para atuar no presente feito é mesmo da Promotoria de Justiça do Consumidor.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 6 de dezembro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

ms