Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº12930/09

(pt. nº404/08; nº MP 43.0482.0000553/08.6)

Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente

Suscitado: Promotoria de Justiça de Habitação de Urbanismo

 

Ementa:

1)Procedimento investigatório. Conflito negativo de atribuições. Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital (suscitante) e Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (suscitada).

2)Investigação, fruto de representação, tendo como objeto a apuração de conseqüências de projeto governamental para construção de novas pistas de tráfego expresso na Via Marginal do Rio Tietê.

3)Hipótese em que se manifesta a presença, concomitante, de interesses difusos tanto ambientais como urbanísticos.

4)Promotorias de Justiça com atribuição de abrangência equivalente. Aplicação, em caráter subsidiário, do critério da prevenção (art.114 §3º da Lei Complementar Estadual nº734/93).

5)Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital nas investigações.

 

Vistos,

 

1)Relatório.

        

         Trata-se de conflito negativo de atribuições suscitado pelo DD. 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, figurando como suscitada a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, em decorrência de manifestação emitida pela DD. Promotora de Justiça que ocupava a função de Secretária Executiva (em exercício) do referido órgão de execução.

 

         Como se colhe dos autos, o Sindicado dos Arquitetos do Estado de São Paulo encaminhou inicialmente ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva mensagem eletrônica, contendo notícia a respeito de possíveis irregularidades relacionadas às providências governamentais, em andamento, para a construção de oito pistas expressas de tráfego na Via Marginal do Rio Tietê (fls.5/7).

 

         Tal comunicado foi remetido, também por via eletrônica, à Secretaria Executiva da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, sendo que a DD. Promotora de Justiça que, naquela oportunidade encontrava-se no exercício da referida função, determinou a remessa da representação à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

 

         Ao fundamentar a remessa, a DD. Secretária Executiva da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo anotou tratar-se de “representação contra a realização de obra pública de vulto sem a realização de Estudo de Impacto Ambiental e Audiência Pública. A matéria está inserida nas atribuições da PJ do Meio Ambiente” (fls.8), determinando, então, a redistribuição.

 

         Na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, distribuída a representação, foram colhidas informações iniciais junto à DERSA - Desenvolvimento Rodoviário S/A – (fls.28/35), sobrevindo manifestação do DD. 4º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, que suscitou o conflito negativo de atribuições.

 

         Em seu arrazoado, o DD. suscitante aduziu que: (a) o projeto governamental de construção de pistas de tráfego às margens do Rio Tietê não é indício suficiente de que o bem mais abrangente, a ser tutelado, seja o meio ambiente; (b) o Rio Tietê vem passando há décadas por dinâmica social que lhe ocasiona impactos ambientais relevantes, não apresentando, atualmente, “característica ou função ecológica” tal como especificado na legislação ambiental; (c) o projeto de construção de novas pistas às margens do rio trará impactos importantes do ponto de vista urbanístico; (d) seja pela maior abrangência, no caso, do interesse urbanístico, seja pelo critério da prevenção, deverá a investigação ser conduzida pela Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (fls.37/42).

 

         É o relato do essencial.

 

2)Fundamentação.

 

         O conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

 

         Como anota a doutrina, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

 

         Compreende-se a respeitável argumentação tanto do suscitante quanto da suscitada, pois, como corriqueiramente ocorre, em sede de interesses difusos, coletivos, e individuais homogêneos, é extremamente tênue a linha que permite a identificação da hipótese concreta de atuação de uma ou outra Promotoria especializada.

 

         Além disso, em muitos casos mais de um interesse jurídico se apresenta ao Ministério Público, envolvendo diferentes áreas de tutela coletiva, o que se afigura como indicativo da complexidade e dificuldade na solução de problemas inerentes à identificação do órgão ministerial incumbido de atuar.

 

         Seja como for, para a solução do conflito é imprescindível identificar qual o objeto da representação e, conseqüentemente, da investigação.

        

         Da leitura da singela representação que rendeu ensejo à instauração do expediente em epígrafe, é possível extrair, em síntese, que a preocupação da entidade representante volta-se tanto às questões relacionadas à preservação do meio ambiente, como ao aspecto urbanístico, dado o inegável impacto que a obra de vulto, noticiada nestes autos, trará ao deslocamento de veículos e pessoas na cidade de São Paulo e na região metropolitana.

 

         Aliás, no exame da hipótese não é necessário que nosso pensamento fique adstrito aos limites lançados na representação, mormente considerando que até mesmo de ofício é viável a instauração do procedimento investigatório.

 

         Assim, é plausível imaginar que a construção de novas faixas de rolamento nas pistas da Via Marginal Tietê trará, efetivamente, conseqüências no plano urbanístico e no ambiental.

 

         Isso justifica o entendimento, com a devida vênia com relação aos respeitáveis argumentos apresentados tanto pelo suscitante quanto pela suscitada, no sentido de que se encontra presente, aqui, aquela situação antes mencionada, em que um fato determinado apresenta repercussões que alcançam mais de uma área tradicional de atuação do Ministério Público em defesa de interesses transindividuais.

        

         A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo do interesse público mais abrangente (art.114 §2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art.114 §3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 §3º).

 

         Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

 

         Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, “considera-se a seguinte ordem crescente de abrangência: interesses individuais, interesses individuais homogêneos, interesses coletivos, interesses difusos e interesse público; considera-se ainda mais abrangente o interesse indisponível em relação ao disponível” (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.421/422).

 

         No caso em análise, os interesses envolvidos, seja na perspectiva do meio ambiente, como na urbanística, são difusos, sendo praticamente inviável estabelecer e afirmar que um deles se apresente de forma mais abrangente que o outro, ou mesmo de forma mais especializada.

 

         Tratando-se, pois, de interesses de abrangência equivalente, sendo presentes motivos que justificariam a atuação de qualquer um dos órgãos de execução envolvidos, a solução mais razoável é a aplicação da regra da prevenção (art.114 §3º da Lei Complementar Estadual nº734/93).

 

            Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo a competência para o processo e julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art.2º da Lei nº7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art.2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção é que definirá a correta resposta para tais indagações.

 

         Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p.483/484, nota n.6 ao art.2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

 

         Além disso, o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade da atividade ministerial, à eficiência, e à eficaz resposta às demandas que a sociedade direciona ao parquet.

 

 3)Decisão.

 

         Diante do exposto, e com amparo no art.115 da Lei Complementar Estadual nº734/93, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, determinando caber à Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo oficiar no feito, em prosseguimento, em seus ulteriores termos.

 

         Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

 

         Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 03 de fevereiro de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça