Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº. 129.875/08

 

Suscitante: Promotoria de Justiça de Ilhabela.

 

Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte.

 

Ementa: 1) Conflito negativo de atribuições. Promotoria de Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo – Litoral Norte (suscitada), e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Ilhabela (suscitante). 2) Danos ao meio ambiente. Alambrado instalado em área de preservação permanente. Danos locais. Ausência de repercussão regional. 3) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que a Promotoria de Justiça da Comarca prossiga no feito, em seus ulteriores termos.

 

1) Relatório.

 

                                                         Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, suscitado pelo DD. Promotora de Justiça de Ilhabela, tendo como suscitado o DD. Promotor de Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte.

 

                                                         Recebido na Promotoria de Justiça Regional do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo do Litoral Norte, ofício encaminhando cópia de Termo Circunstanciado (fls. 02/06), o qual noticia a constatação da instalação de cerca (tipo alambrado) em área de preservação permanente, com possíveis danos ambientais, tratou o Órgão oficiante de encaminhar o expediente à Promotoria de Justiça de Ilhabela, tendo em conta a inexistência de repercussão regional do dano, vindo esta última a suscitar o conflito (fls.10/12).

 

                                                         Sustenta a suscitante que deverá oficiar no caso a Promotoria com atuação Regionalizada na área do Meio Ambiente – Litoral Norte, pois: (a) há designação para auxiliar no exercício das funções do Promotor de Justiça de Ilhabela; (b) os danos causados a áreas de preservação permanente estão constatados; (c) a portaria de designação é para fins de auxílio, sem nenhuma ressalva, o que permite concluir que é da suscitada a atribuição para oficiar no procedimento apuratório.

 

                                                         É o breve relato do que consta destes autos.

 

2) Fundamentação.

 

                                                         O conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

 

                                                         Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar[1].

 

                                                         As atribuições dos cargos especializados de Promotor de Justiça contam com expressa discriminação legal.

 

                                                         As Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, nos termos da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº. 734/93, art. 295, incs. VI e X), voltam-se à defesa dos interesses difusos ou coletivos relacionados com o meio ambiente e outros valores artísticos, históricos, estéticos, turísticos e paisagísticos (Meio Ambiente).

 

                                                         De outro lado, a atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte decorre de designação desta Procuradoria-Geral de Justiça, publicada nos seguintes termos:

“nº. 6800/2008 – Fabio Rodrigues Franco Lima, 1º Promotor de Justiça de São Sebastião, para, sem prejuízo de suas atribuições normais, auxiliar no exercício das funções do 2º Promotor de Justiça de Ubatuba, do 3º Promotor de Justiça de São Sebastião, do 3º Promotor de Justiça Caraguatatuba e do Promotor de Justiça de Ilhabela, nas seguintes matérias: espaços territoriais especialmente protegidos e seus atributos (área de preservação permanente, reserva legal e unidades de conservação) e complexos vegetacionais objeto de especial proteção; recursos hídricos e poluição industrial hídrica; práticas rurais antiambientais; disposição final de esgoto doméstico, resíduos sólidos e industriais; proteção da fauna ameaçada de extinção e danos à fauna nativa de repercussão regional; mineração em leitos de cursos d´água e canais em áreas inundáveis e outras formas de mineração, desde que tenham repercussão regional; questões relativas à função socioambiental do grande imóvel rural e conflitos fundiários (CPC, art. 82, inc. III) ; b) habitação e urbanismo: parcelamentos do solo clandestinos (em zona urbana e rural); parcelamentos irregulares e ilegalmente licenciados, desde que tenham repercussão regional; regularização fundiária de assentamentos precários e informais, de 01 a 30 de setembro de 2008 (Pt. nº. 24.681/08).” (g.n.)

 

                                                         Essa designação foi repetida pelas Portarias nºs. 8.488/08, 8.489/08, 8.490/08 e 8.491/08, de 25 de outubro de 2008, relativas aos Membros do Ministério Público, a saber: Doutor Bruno Márcio de Azevedo, Elaine Taborda de Ávila e Alexandre Petry Helena, com idêntico conteúdo.

 

                                                         Efetivamente, os termos da designação para a atuação regionalizada são expressos, contendo atribuições tanto para a defesa do Meio Ambiente como para oficiar na área de Habitação de Urbanismo, desde que haja repercussão regional.

 

                                                         Pois bem.

 

                                                         Não há dúvida, no caso em exame, que tanto a suscitante como o suscitado possuem atribuições para oficiar extrajudicialmente e judicialmente em defesa do Meio Ambiente e em questões relacionadas à matéria de Habitação e Urbanismo. Há, em função disso, certa sobreposição de atribuições entre os órgãos ministeriais em conflito, sendo necessário buscar o fator de discriminação para a identificação do órgão que deverá prosseguir nas apurações.

 

                                                         O espírito da atuação regionalizada, de fato, é a existência de “repercussão regional” do problema relacionado ao objeto da investigação ou de ação proposta. Tanto que, na própria dicção do ato de designação, ao final de cada tópico ou matéria conferida à atuação da Promotoria Regional destacada para a atuação regionalizada, há a advertência, como cláusula de encerramento, de que sua atuação fica condicionada à existência de “repercussão regional”.

 

                                                         E seria difícil imaginar solução diversa, sob pena de se esvaziar por completo as funções das Promotorias do Meio Ambiente, bem como de Habitação e Urbanismo, das comarcas do Litoral Norte do Estado, com provável acúmulo na Promotoria de Justiça regionalizada.

 

                                                         De outro lado, a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº. 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo do interesse público mais abrangente (art.114 § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art.114 § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 § 3º). Diante dos três critérios indicados em lei, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

 

                                                         Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, “considera-se a seguinte ordem crescente de abrangência: interesses individuais, interesses individuais homogêneos, interesses coletivos, interesses difusos e interesse público; considera-se ainda mais abrangente o interesse indisponível em relação ao disponível”[2].

 

                                                         No caso, suscitante e suscitado possuem atribuições de abrangência equivalente: defesa do Meio Ambiente, e matéria relacionada à Habitação e Urbanismo. Fica afastado, assim, o primeiro critério para a solução do conflito.

 

                                                         De outro lado, a especialização, na hipótese, socorre à solução do conflito, mas em raciocínio invertido: a designação da Promotoria com atuação regionalizada é expressa e condicionada à existência de repercussão regional nos fatos apurados. Não sendo dessa dimensão ou grandeza o objeto da investigação, cabe à Promotoria da Comarca envolvida o cumprimento das funções ministeriais relativas ao caso concreto.

 

                                                         E se é verdadeiro que todo e qualquer dano ambiental, em maior ou menor proporção, afeta determinado ecossistema, e consequentemente certa parcela do território, não menos verdade é que o espírito que tem norteado a atuação regionalizada é no sentido de reconhecê-la nos casos em que a dimensão do dano assuma, efetivamente, proporções incomuns.

 

                                                         O preenchimento desse conceito indeterminado pode ser feito utilizando, como fonte de interpretação analógica, a regra de definição de competência, para o processo coletivo, contida no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), aplicável também a toda e qualquer demanda coletiva por força da remissão contida no art. 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85). Como se sabe, nos casos de danos regionais, define-se a competência do foro da capital do Estado ou do Distrito Federal, em detrimento do foro do local do dano.

 

                                                         A propósito do mencionado dispositivo, anota Ada Pellegrini Grinover que “o produto ou serviço pode acarretar prejuízos de dimensões mais amplas, atingindo pessoas espalhadas por uma inteira região ou por todo o território nacional”[3]. Esta interpretação, segundo a mesma autora, afasta a competência da capital do Estado ou do Distrito Federal, quando o dano envolva, por exemplo, apenas duas comarcas[4].

 

                                                         Tais idéias, de modo adaptado, podem ser aplicadas analogicamente à solução de conflitos como o presente. Note-se que: (a) não é a simples existência de dano ao meio ambiente que tipifica a hipótese de funcionamento do órgão ministerial com atuação regionalizada; (b) também não estará presente a atuação regionalizada se o dano vier a alcançar pequenos espaços territoriais de duas comarcas diferentes.

 

                                                         Complemente-se: é necessário que a relevância e dimensão do dano apurado no caso concreto, sejam efetivamente amplos, de sorte a produzir impacto incomum para o meio ambiente, para que se faça presente a hipótese de atuação do Promotor designado para oficiar de modo regionalizado.

 

                                                         À luz do sistema atual, e de conformidade com os critérios utilizados para a designação, estes são os parâmetros razoáveis de raciocínio para a solução de conflitos concretamente verificados.

 

                                                         Nada impedirá, entretanto, de lege ferenda, alteração dessa divisão de serviço. Mas, por ora, e ante os termos expressos da designação, conclui-se que deverá oficiar nos autos a Promotora de Justiça suscitante.

 

3) Decisão.

                                                         Diante do exposto, e com amparo no art. 115 da Lei Complementar Estadual nº. 734/93, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, determinando caber à Promotoria de Justiça de Ilhabela prosseguir no feito, em seus ulteriores termos.

 

                                                         Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

 

                                                         Providencie-se a remessa de cópias em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 03 de novembro de 2008.

 

PEDRO FRANCO DE CAMPOS

Procurador-Geral de Justiça, em exercício



[1] GARCIA, Emerson. Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196.

[2]  MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 421/422.

[3] GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 9ªed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2007, p.898.

[4] Op. cit., p. 898.