Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 134.118/2011

Inquérito Civil nº 14.0199.0000157/2010-7

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Atibaia (Infância e Juventude)

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Atibaia (Cidadania)

 

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. 4º Promotor de Justiça de Atibaia (Infância e Juventude - suscitante) e 3º Promotor de Justiça de Atibaia (Cidadania - suscitada).

2)      Investigação civil instaurada para apurar irregularidades em “Clínica de Tratamento de Dependentes Químicos que necessita de adequações sanitárias”.

3)      Investigação afeta nitidamente à área da Saúde Pública e, portanto, à Promotoria encarregada, em Atibaia, da defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão, independentemente de serem atendidos não apenas adultos na Clínica investigada.

4)      Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento do suscitado na investigação.

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Atibaia (Infância e Juventude), e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de Atibaia (Cidadania).

O Inquérito Civil foi instaurado pelo suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de Atibaia (Cidadania), tendo como objeto, nos termos da Portaria inaugural, apurar irregularidades em “Clínica de Tratamento de Dependentes Químicos que necessita de adequações sanitárias”, noticiando que tais irregularidades envolviam, entre outros problemas: maus tratos; alimentação inadequada; utilização indevida de tranquilizantes; quarto de contenção com grades.

No decorrer da investigação restou apurado que o mencionado estabelecimento de tratamento de saúde atendia não apenas adultos, mas também adolescentes. Isso motivou a remessa do feito ao suscitante, aduzindo o suscitado (cf. fls. 189/192, esp. fls. 192) literalmente que:

“(...)

Nesta senda, a atribuição ministerial, em analogia ao disposto no artigo 209, da Lei 8.069/90, é absoluta não se permitindo, ao meu ver, que critérios de prevenção possa derrogar o critério fixado em favor do menor.

Ademais, esta promotoria não possui atribuições para oficiar junto ao Juízo da Infância e da Juventude de Atibaia e, se constatado qualquer violação aos direitos assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, competiria ao 4º Promotor de Justiça atuar.

(...)”

Por sua vez, o 4º Promotor de Justiça de Atibaia (Infância e Juventude), ora suscitante, ao dar ensejo ao conflito pontuou, em síntese, que: (a) o fato de que o estabelecimento de saúde atende não só adultos, mas também adolescentes, não faz com que a atribuição para a investigação seja automaticamente da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude; (b) todos os estabelecimentos de saúde atendem adultos, adolescentes e crianças, e nem por isso a competência judicial para a apreciação de situações inerentes ao atendimento, ou mesmo as atribuições ministeriais, estão afetas à área da Infância e da Juventude (fls. 194/200).

É o relato do essencial.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).

No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

O objeto da investigação, como anotado anteriormente, é a apuração de irregularidades em “Clínica de Tratamento de Dependentes Químicos que necessita de adequações sanitárias”, noticiando que tais irregularidades envolviam, entre outros problemas: maus tratos; alimentação inadequada; utilização indevida de tranquilizantes; quarto de contenção com grades.

A finalidade do Inquérito Civil, portanto, é nitidamente a apuração de condições em que o tratamento de saúde é dispensado no estabelecimento acima referido, sendo irrelevante, para tal fim, que ali sejam internados exclusivamente adultos, se são eles do sexo masculino ou feminino, ou mesmo, por último e não menos importante, se também ocorre o atendimento de crianças ou de adolescentes.

De outro lado, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos para a repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

É bem verdade que, tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, quando se está diante de interesses coletivos afetos a áreas distintas não se pode afirmar que uma delas seja mais abrangente do que outra, pois a progressiva gradação dessa abrangência se dá, a rigor, do plano individual para o plano coletivo.

Dessa forma, nos conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da prevenção.

Reforça tal raciocínio a aplicação analógica, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos ministeriais, da regra prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, destinada à solução de conflitos de competência em sede de ações coletivas.

Em outras palavras, quando não há maior destaque, diante de peculiaridades do caso concreto, de um interesse metaindividual sobre outro, a prevenção funciona como parâmetro que melhor atende ao interesse geral, bem como à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

O desenvolvimento do raciocínio acima é externado, nesse passo, a título de argumentação, pois se mostra, no caso ora examinado, desnecessário.

A razão é simples: com a devida vênia quanto ao entendimento do suscitado, não se pode dizer que a investigação da deficiência estrutural do atendimento à saúde seja uma questão afeta exclusivamente à área da Infância e da Juventude e, portanto, às atribuições do suscitante.

Caberá ao suscitado, portanto, prosseguir na investigação.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de Atibaia (Cidadania), a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 03 de outubro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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