Conflito de Atribuições – Cível
Autos nº137.119/08
(PPIC nº44/08-Cidadania)
Suscitante: 1º Promotor de Justiça de
Caraguatatuba - Cidadania
Suscitado: Promotoria de Justiça
Criminal – Controle externo da atividade de Polícia Judiciária
Ementa: 1)Conflito negativo
de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba – atribuições na área
da Cidadania (suscitante) e Promotora de Justiça Criminal – função de
controle externo da atividade de polícia judiciária. 2)Representação
endereçada à suscitada, no exercício da função de controle externo da
atividade de polícia judiciária. Adoção de providências, da suscitada, junto
ao Juízo Corregedor Permanente da Polícia Judiciária. Encaminhamento de
cópias ao suscitante para a adoção de providências com relação à eventual
configuração de ato de improbidade administrativa. 3)Investigação
criminal não elide a possibilidade de investigação civil. Atividade de
controle externo da atividade policial atribuída, na regulamentação interna,
aos Promotores de Justiça com atuação na esfera criminal (Ato Normativo
nº409-PGJ/CPJ, de 4.10.2005). 4)Conflito
conhecido e dirimido, determinando-se caber ao suscitante prosseguir na
investigação civil. |
Vistos,
1)Relatório.
Tratam estes autos de conflito
negativo de atribuições, em que figura como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba
(Cidadania), e como suscitada a DD. Promotora
de Justiça Criminal (no exercício da função inerente ao controle externo da
atividade de Polícia Judiciária).
Como
se infere dos autos, a suscitada, no exercício da atividade inerente à
Promotoria de Justiça Criminal, especificamente controle externo da Polícia
Judiciária, recebeu representação na qual foram noticiadas irregularidades
envolvendo servidores públicos lotados na Circunscrição Regional de Trânsito
(CIRETRAN) e na Municipalidade de Caraguatatuba. Vislumbrou, na hipótese,
possível prática de atos de improbidade administrativa, adotando providências
para apuração dos fatos pelo Juízo de Direito Corregedor dos Presídios e da
Polícia Judiciária (representação cuja cópia se encontra às fls.19/20),
enviando, ainda, cópias de documentos ao suscitante, que atua como Promotor da
Cidadania da Comarca (fls.3/4).
Após
coleta inicial de informações, entendeu o suscitante que seria pertinente a
instauração do conflito negativo de atribuições, aduzindo, em síntese, que: (a)
a representação narra a prática de crimes por integrantes da Polícia Civil; (b)
a Promotoria da Cidadania tem atuação subsidiária, não afastando a atuação de
outros órgãos ministeriais especializados; (c) a suscitada, em virtude de suas
atribuições quanto ao controle externo da atividade policial, está preventa
para investigar o caso; (d) não é aceitável que toda e qualquer representação
afeta a áreas específicas de atribuição de Promotorias especializadas (meio
ambiente, consumidor, etc.) seja encaminhada, mediante cópia, para a Promotoria
da Cidadania, para apuração de atos de improbidade sequer demonstrados de forma
indiciária (fls.22/26).
É
o relato do essencial.
2)Fundamentação.
É possível afirmar que o conflito
negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.
Como
anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições
quando “dois ou mais órgãos de execução
do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005,
p.196).
Como
se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial
competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que
o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido:
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed.,
São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São
Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel
Amorim Assumpção Neves, Competência no
processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.
Esta
idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de
competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por
Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil,
t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus,
1922, p.621 e ss; e
Ora,
se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de
determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa,
não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de
elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se,
deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada
investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a
propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso
concreto investigado.
No
caso em análise, a seqüência lógica dos fatos relacionados à investigação é a
seguinte: (a) a suscitada, com atribuição quanto ao controle externo da
atividade policial, adotou providências (representou ao Juízo Corregedor
Permanente) e encaminhou cópias ao suscitante, para apuração de eventuais atos
de improbidade administrativa envolvendo servidores públicos, entre estes
possivelmente policiais civis; (b) o suscitante afirma que a investigação
deverá ser conduzida pela suscitada, na medida em que a apuração de atos de
improbidade praticados por policiais deve ficar a cargo do Promotor de Justiça
que tenha atribuições na esfera do controle externo da atividade de Polícia
Judiciária.
Entretanto,
com a devida vênia, equivocou-se o suscitante.
A
atividade de controle externo da atividade policial, como se sabe, conta com
assento constitucional (art.129 VII da CR/88), estando ainda prevista como
função institucional do Ministério Público na Lei Orgânica Estadual Paulista
(art.103 XIII da Lei Complementar Estadual nº734/93).
No
plano regulamentar, o Ato Normativo nº409-PGJ/CPJ, de 4 de outubro de 2005,
tratou de estabelecer normas para o exercício do controle externo da atividade
de polícia judiciária pelo Ministério Público, afetando o exercício desta
função aos Promotores de Justiça que tenham atribuições na esfera criminal
(art.3º e respectivo parágrafo único).
Disso
é possível inferir que a apuração de eventuais irregularidades cometidas por
agentes públicos, por parte do membro do Ministério Público que tenha
atribuições de controle externo da atividade de polícia judiciária, nos termos
do referido ato normativo, é realizada no âmbito de investigação criminal.
Isso
não impede – e nem poderia a questão ser regulamentada de forma distinta – que
em decorrência do mesmo fato, seja instaurada investigação na esfera cível, na
medida em que, considerado o princípio da independência das instâncias, de uma
mesma situação podem advir repercussões na esfera criminal, civil
(responsabilidade pessoal, improbidade administrativa) e até mesmo
administrativa e disciplinar.
Tanto
é assim que o art.15 caput do Ato
Normativo nº409-PGJ/CPJ, de 4 de outubro de 2005, prevê que “tomando conhecimento da ocorrência de ato de
improbidade, o promotor de Justiça Criminal e os promotores de Justiça que
integram os grupos de atuação especial na área criminal enviarão cópias dos
autos das investigações criminais promovidas, diretamente ou não, bem como dos
autos dos processos criminais ao promotor de Justiça da Cidadania, que, na
esfera de suas atribuições, promoverá a instauração de inquérito civil e a
propositura de ação civil pública ou de improbidade administrativa, para os
fins da Lei Federal nº8429, de 2 de junho de
Em
síntese, a atribuição do Promotor Criminal, ao investigar ilegalidades
praticadas por servidores policiais, no exercício da atividade de controle
externo da polícia judiciária, não inibe a possibilidade de investigação, pelos
mesmos atos, de eventual ocorrência de atos de improbidade administrativa.
Daí
ser possível concluir que, sendo provocado o Promotor da Cidadania, através do
encaminhamento de cópias de documentos relacionados à apuração criminal,
abre-se ensejo ao exercício regular de sua atribuição, na medida em que, ao
menos em tese, atos ilícitos praticados por servidores públicos, mormente por
servidores policiais, poderão configurar ilícitos civis previstos na Lei
Federal nº8429/92.
Outro
problema será saber se, no caso concreto, pela análise dos dados fornecidos nos
documentos enviados ao Promotor de Justiça da Cidadania, estará ou não
configurada, com relativa densidade, a situação indiciária mínima que
justifique a instauração da investigação civil, ou se a representação que lhe
foi encaminhada deverá ser prontamente indeferida.
A
resposta a essa indagação ultrapassa os limites da cognição do Procurador-Geral
de Justiça em sede de conflito de atribuições.
Como
se sabe, em respeito à independência funcional dos membros do parquet em conflito, o Procurador-Geral
de Justiça pode e deve dizer a qual órgão de execução cabe
atuar. Não pode, entretanto, dizer como deverá
atuar.
3)Decisão.
Diante do exposto, conheço do
presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art.115
da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba (suscitante)
prosseguir na investigação civil, em seus ulteriores termos.
Publique-se
a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 12 de novembro de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça