Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 143.172/2017

(Ref. SIS MP 43.161.000836/2017-4)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

Suscitada: Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital (Saúde Pública)

 

Ementa:

1)    Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 12º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital; Suscitada: Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital (Saúde Pública).

2)    Inquérito civil instaurado para apurar suposto desvio de qualidade do medicamento atorvastatina cálcica, em razão do encontro de comprimidos de 10mg em embalagens de 20mg. Atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor, e não da Saúde Pública.

3)    Investigação iniciada após suspensão da distribuição, comercialização e uso, além do recolhimento de estoque do medicamento existente no mercado, determinados pela ANVISA. Inexistência de indícios de omissão do poder público que pudessem justificar a atribuição concomitante da Promotoria de Justiça da Saúde Pública.

4)    Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitante (1º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital) prosseguir na investigação.

1)    Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital e como suscitada a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital (Saúde Pública), relativamente ao feito em epígrafe (SIS MP 43.0161.0000836/2017-4).

Aportou no Ministério Público de São Paulo inquérito civil instaurado pela Promotoria de Justiça do Consumidor de João Pessoa/PB (fls. 06/12) contra a empresa Teuto Brasileiro S.A., em vista da Resolução n. 246 da ANS – Agência Nacional de Saúde, que suspendeu a distribuição, comercialização, o uso e o recolhimento do estoque existente no mercado do medicamento Atorvastatina Cálcica, em vista de desvio de qualidade, (encontrados produto de 10mg dentro de embalagens de 20mg).

A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos – Saúde Pública remeteu o procedimento à Promotoria de Justiça do Consumidor, por vislumbrar que se tratar de denúncia de “prática comercial ao consumidor” (fls. 17)

A Promotoria de Justiça Consumidor suscitou o presente conflito de atribuições com suporte nos artigos 442 e 443 do Ato Normativo n. 675/2010 (Manual de Atuação Funcional) e 3º, inciso II, alínea “b”, item 2, do Ato Normativo n. 593/09, que criou a Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos na área da saúde pública (fls. 21/26).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

A definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

O objeto do inquérito civil em análise é a investigação de empresa que atua no mercado de consumo, mediante oferta e comercialização de produto, em tese responsável por graves riscos para a saúde dos consumidores finais, eis que teriam sido encontrados comprimidos de atorvastatina cálcica de 10mg em embalagens de 20mg.

A questão central não está relacionada à investigação do serviço público, havendo na hipótese indiscutível relação de consumo, admitida pelo próprio suscitante.

A atuação do Ministério Público na seara da saúde pública tem como fundamento o direito à saúde, positivado como um dos primeiros direitos sociais de natureza fundamental (art. 6º, da CF/88) e também como o primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social (art. 194, caput, CF/88). Saúde que é ‘direito de todos e dever do Estado’ (art. 196, caput, CF/88), garantida mediante ações e serviços de pronto qualificados como ‘de relevância pública’ (parte inicial do art. 197, CF/88).

Assim, a atuação da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos visa assegurar ao cidadão o acesso aos serviços públicos de natureza essencial, contemplando as demais ações estatais destinadas à tutela da saúde da população.

Trata-se, inegavelmente, de função institucional relacionada ao comando constitucional do art. 129, II, segundo o qual cabe ao Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

Por sua vez, a Lei Complementar Estadual nº 734/93, que institui a Lei Orgânica do Ministério Público, em seu art. 295, dispõe: Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação.

Com relação ao Promotor de Justiça de Direitos Humanos resta estabelecido no inciso XIV do artigo 295: “garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos e das pessoas com deficiência”.

Há, portanto, perfeita sintonia entre a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo, no sentido de que cabe ao Promotor de Justiça de Direitos Humanos a garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos e das pessoas com deficiência.

É nesse contexto que se insere e deve ser compreendido o Ato Normativo nº 593/09, o qual, dentre outras determinações, dispõe sobre a criação da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos na área da saúde pública. Referido Ato Normativo estabelece, em seu art. 3º, inciso II, o seguinte:

Art. 3º - Compete também à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos:

(...)

II – na área da saúde:

a) zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual e nas demais normas pertinentes, que disciplinam a promoção, defesa e recuperação da saúde, individual ou coletiva, promovendo as medidas necessárias à sua garantia;

b) zelar pela prevenção e reparação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos usuários e consumidores dos serviços e ações de saúde, relativamente:

 1) à qualidade e eficiência dos serviços privados prestados pelos hospitais, clínicas, laboratórios e estabelecimentos congêneres, que coloquem em risco à saúde;

 2) aos produtos com finalidades terapêuticas ou medicinais, desde que haja suspeita de falsificação, corrupção, adulteração, alteração, ou qualquer outra irregularidade correlata, tomando as medidas necessárias à sua garantia;

c) zelar pelo cumprimento das diretrizes do Sistema Único de Saúde, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei nº 8.080/90, da Lei nº 8.142/90, do Código de Saúde do Estado de São Paulo e da legislação correlata relativa à matéria prevista nesse ato;

 d) zelar pelo cumprimento das diretrizes e regras do SNT – Sistema Nacional de Transplante e do SET – Sistema Estadual de Transplantes, especialmente no que diz respeito à obediência da lista dos candidatos a transplante e aos requisitos legais para que seja efetivada a doação post mortem ou a retirada de pessoa falecida, o transporte e o transplante de órgãos, tecidos ou parte do corpo humano;

e) zelar pela observância das regras sobre disposição em vida ou doação de órgão, tecidos ou partes do corpo humano vivo para transplante quando não há necessidade de autorização judicial, nos casos do procedimento cirúrgico ser destinado a cônjuge ou parente até o quarto grau, inclusive;

 f) estimular a criação e o efetivo funcionamento dos Conselhos de Saúde Municipais e Estadual, bem como a realização das Conferências de Saúde, buscando, em colaboração com aqueles órgãos e com outras entidades ou organizações empenhadas na política de saúde, resultados qualitativos e quantitativos para a garantia do direito individual e coletivo à saúde.

De outro lado, também é função institucional do Ministério Público, com amparo na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor, bem como no art. 103, VIII, da Lei Complementar Estadual nº 734/93, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção, a prevenção e a reparação dos danos causados ao consumidor.

Cabe ao Promotor de Justiça do Consumidor a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos relacionados com o consumidor (artigo 295, VII, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum, em determinada investigação, constatar-se a existência de mais de um interesse a ser tutelado, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Não há que se negar que a realidade oferece situações limítrofes, em que há dificuldade de se identificar, de modo claro, o órgão investido de atribuição para investigar determinados fatos, por estarem estes naquela zona de transição entre uma e outra área especializada, ou mesmo por afetarem, concomitantemente, mais de um segmento de especialização.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

Na hipótese ora analisada, e, considerado o objeto da investigação bem como o panorama normativo respectivo, não se extrai, ao menos nesta fase inicial de investigação, sinais de eventual omissão dos órgãos públicos estatais que pudessem ensejar a concomitante atribuição da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, até mesmo porque, conforme se constata a fls. 06/08, o inquérito civil foi instaurado justamente em razão do adequado funcionamento dos órgãos estatais, vale dizer, após a suspensão da comercialização do medicamento pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Remanesce na espécie, portanto, a atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital a atribuição para oficiar no presente feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 15 de janeiro de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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