Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 146.034/2010

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Limeira (Cidadania)

Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Limeira (Infância e Juventude)

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 4º Promotor de Justiça de Limeira (Cidadania) e 8º Promotor de Justiça de Limeira (Infância e Juventude).

2)     Representação para apuração de irregularidades nas eleições do Conselho Municipal de Educação. Órgão municipal cujas atribuições são relevantes para o planejamento e desenvolvimento do ensino de crianças e adolescentes, bem como para educação de jovens e adultos. Relevância da matéria tanto na área de atuação da Promotoria da Infância e da Juventude, como na área de atuação da Promotoria de Justiça da Cidadania.

3)     Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

4)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do suscitado, 8º Promotor de Justiça de Limeira (Infância e Juventude), na investigação.

Vistos.

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 4º Promotor de Justiça de Limeira (Cidadania) e como suscitado a DD. 8º Promotor de Justiça de Limeira (Infância e Juventude).

Noticia o suscitante que o suscitado recebeu representação encaminhada ao Ministério Público pela Câmara Municipal de Iracemápolis, noticiando o indeferimento de pedido de vista e extração de cópias do Livro de Atas do Conselho Municipal de Educação, que são documentos públicos. A representação relatava ainda irregularidades na eleição do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Municipal de Educação.

Ocorre que – conforme afirma o suscitante – o suscitado (8º Promotor de Justiça de Limeira – Infância e Juventude) determinou a remessa dos autos ao suscitante (4º Promotor de Justiça de Limeira – Cidadania), afirmando em sua manifestação que não se tratava de caso afeto às suas atribuições “por não haver notícia de violação a direitos de menores”.

Salienta finalmente o suscitante que, além de a matéria não estar relacionada às suas atribuições, voltadas à defesa do patrimônio público, as possíveis irregularidades nas eleições do Conselho Municipal de Educação, noticiadas na representação, afetarão, ainda que indiretamente, a área da Infância e da Juventude, que tem função de formular políticas públicas de educação no Município.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

Na hipótese em análise, o objeto da investigação refere-se à apuração de irregularidades nas eleições do Conselho Municipal de Educação de Iracemápolis, como se infere da representação de fls. 6/7.

Da leitura da Lei Municipal 1.836/2010, de Iracemápolis, é possível observar que o Conselho Municipal de Educação daquele Município, tem inúmeras atribuições que dizem respeito à educação de crianças e adolescentes, ao ensino para jovens e adultos, bem como às atividades especializadas destinadas a alunos com necessidades especiais.

Dispõe o art. 3º da Lei Municipal 1.836/2010 de Iracemápolis sobre as competências do Conselho Municipal de Educação, sendo oportuno destacar as seguintes disposições:

“(...)

Art. 3º. Compete ao Conselho Municipal de Educação:

I – promover a discussão das políticas educacionais municipais, acompanhando sua implementação e avaliação;

(...)

XVIII – estabelecer critérios para que a Educação Infantil e o Ensino Fundamental atendam à variedade de métodos de ensino e formas de atividades escolares, tendo em vista as peculiaridades da região e de grupos sociais, visando o estímulo de experiências pedagógicas, com o fim de aperfeiçoar os processos educativos;

XIX – definir critérios e procedimentos para a oferta de educação escolar regular a jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades;

XX – acompanhar o recenseamento da população em idade escolar para o Ensino Fundamental e dos jovens e adultos que a ele não tiveram acesso, propondo alternativas para atendimento escolar dessa população;

(...)” (g.n.)

Do acima exposto se verifica, portanto, que: (a) o Conselho Municipal de Educação do Município em questão possui atribuições legais relativas a temas de interesse de crianças e adolescentes, bem como de jovens e adultos, na esfera das políticas públicas de educação; (b) a questão da regularidade do procedimento de escolha dos integrantes, bem como do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Municipal tem repercussão no que diz respeito ao provimento dos respectivos cargos públicos, cuja investidura é temporária.

Não há como negar, portanto, que a regularidade da escolha dos integrantes do Conselho apresenta repercussões tanto quanto ao provimento dos cargos públicos desse órgão municipal, como ainda, indiretamente, para o desenvolvimento das políticas públicas de educação de crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Esses temas dizem respeito, concomitantemente, tanto às atribuições dos Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, como ainda dos Promotores de Justiça da Cidadania.

Nesse sentido, é oportuno observar que o Ato nº 41/2009 – PGJ, de 22 de abril de 2009 fixou as atribuições da Promotoria de Justiça de Limeira, sendo certo que o suscitante (4º Promotor de Justiça), entre outras atividades, tem a atribuição assim destacada:

“(...)

c) Cidadania, incluindo a repressão aos atos de improbidade e a defesa do patrimônio público, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos;

(...)”

De outro lado, referido ato normativo impõe ao suscitado (8º Promotor de Justiça), entre outras, a seguinte atribuição:

“(...)

d) Infância e Juventude, compreendendo crianças e adolescentes em situação de risco, interesses difusos, coletivos e individuais, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

(...)”

Assim, pode-se extrair disso que: (a) o 8º Promotor de Justiça de Limeira (suscitado) tem atribuições para o exame de situações que digam respeito direta e indiretamente à infância e juventude, o que envolve as questões afetas aos Conselhos Municipais que interfiram nessa seara, como ocorre com o Conselho Municipal de Educação; (b) o 4º Promotor de Justiça de Limeira (suscitante) tem atribuições relacionadas não apenas à defesa do patrimônio público, mas às questões de espectro mais amplo referentes à cidadania, o que envolve, certamente, o problema da educação de jovens e adultos, e por consequência o provimento de cargos e o exercício de funções do Conselho Municipal de Educação.

Conclui-se que ambos, suscitante e suscitado, têm, concomitantemente, atribuições para o caso em exame.

Esse é o dado relevante para a solução do conflito.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de interesses afetos a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, havendo no caso concreto interesses relacionados a mais de uma área de atuação em questões supra-individuais, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com a investigação deve nela prosseguir.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 8º Promotor de Justiça de Limeira (Infância e Juventude), a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 13 de dezembro de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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