Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 151.752/2011

Representação nº 43.0723.0000294/2011-7

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Piracicaba (Infância e Juventude)

Suscitado: 8º Promotor de Justiça de Piracicaba (Patrimônio Público)

 

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça de Piracicaba (Infância e Juventude - suscitante) e 8º Promotor de Justiça de Piracicaba (Patrimônio Público - suscitado).

2)      Representação encaminhada ao Ministério Público, com pedido de apuração da forma de rateio de recursos do FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico) bem como da falta de plano de carreira na rede municipal de ensino.

3)      Investigação relacionada a aspectos com repercussão tanto na área de Direitos Constitucionais do Cidadão, como da Infância e da Juventude.

4)      Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento do suscitado na investigação.

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de Piracicaba (Infância e Juventude), e como suscitado o DD. 8º Promotor de Justiça de Piracicaba (Patrimônio Público).

A representação foi encaminhada ao Ministério Público, noticiando, como fatos a serem investigados, o emprego de recursos do FUNDEB, bem como a falta de plano de carreira na rede municipal de ensino, relativamente ao Município de Charqueada (fls. 3).

Ao receber os autos o DD. 8º Promotor de Justiça de Piracicaba (Patrimônio Público), ora suscitado, declinou de neles oficiar, afirmando que “a matéria está relacionada à área de educação e, por isso, a atribuição para oficiar nos autos é da Excelentíssima Senhora Promotora de Justiça da Infância e da Juventude” (fls. 5/6).

A suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Piracicaba (Infância e Juventude), afirmou, por seu turno, que estão em jogo interesses afetos à defesa do Patrimônio Público bem como à Infância e à Juventude, devendo ser aplicado o critério da prevenção na solução do conflito (fls. 9/12).

É o relato do essencial.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).

No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

O objeto da investigação, como anotado anteriormente, é a apuração, por força da representação encaminhada ao Ministério Público, relativamente ao emprego de recursos do FUNDEB, bem como a falta de plano de carreira na rede municipal de ensino, quanto ao Município de Charqueada.

É possível concluir que os fatos a serem esclarecidos repercutem tanto na esfera da defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão, mormente o Patrimônio Público (saber como vêm sendo empregados os recursos do FUNDEB no Município), bem como na esfera dos interesses relacionados à área da Infância e da Juventude.

Assim, não obstante ponderações formuladas pelo suscitado, no caso em exame mostra-se mais adequado reconhecer que a atribuição para realizar a investigação é do órgão ministerial que inicialmente tomou contato com o caso.

É fato extremamente comum – e isso é notório para quem está afeto aos problemas concretos envolvendo interesses metaindividuais - que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público.

Tal situação decorre da complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos para fins de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

É bem verdade que, tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, quando se está diante de interesses coletivos afetos a áreas distintas não se pode afirmar que uma delas seja mais abrangente do que outra, pois a progressiva gradação dessa abrangência se dá, a rigor, do plano individual para o plano coletivo.

Dessa forma, nos conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da prevenção.

Reforça tal raciocínio a aplicação analógica, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos ministeriais, da regra prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, destinada à solução de conflitos de competência em sede de ações coletivas.

Em outras palavras, quando não há maior destaque, diante de peculiaridades do caso concreto, de um interesse metaindividual sobre outro, a prevenção funciona como parâmetro que melhor atende ao interesse geral, bem como à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

Caberá ao suscitado, portanto, prosseguir na investigação.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 8º Promotor de Justiça de Piracicaba (Patrimônio Público), a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 08 de novembro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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