Conflito de Atribuições
Protocolado nº155.912/08
Suscitante: 7º Promotor de Justiça de
Franca
Suscitados: 6º, 8º, 9º e 11º
Promotores de Justiça Criminais de Franca.
Ementa: 1)Conflito positivo de atribuições. 7º Promotor de Justiça de Franca – Meio Ambiente (suscitante), e 6º, 8º, 9º e 11º Promotores de Justiça Criminais de Franca (suscitados). 2)Termos circunstanciados de ocorrência e processos criminais relativos a crimes ambientais. Argumentação no sentido de que (a) a composição de danos deve ser realizada no procedimento criminal, na medida em que é condição para a transação penal e para a suspensão condicional do processo (art.76 e 89 da Lei nº9099/95, e art.27 e 28 I da Lei nº9605/98), e que (b) deve ser reconhecida ao Promotor de Justiça do Meio Ambiente a atribuição para oficiar nos procedimentos criminais relativos a infrações penais ambientais. 3)Solução, propugnada pelo suscitante, que não encontra amparo na divisão de atribuições dos cargos envolvidos no conflito. Unificação de funções cíveis e criminais, em Promotoria de Justiça especializada (como é o caso da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente) que poderá ser avaliada, eventualmente e de forma hipotética, em nova divisão de serviços (de lege ferenda), mas que não é adotada na referida comarca atualmente (de lege lata). 4)Prejudicialidade externa heterogênea, figurando o inquérito civil como procedimento prejudicado, e os feitos criminais como prejudiciais. Convivência de feitos em instâncias diversas (cível e criminal), que é inerente ao sistema processual. 5)Conflito conhecido e dirimido,
determinando caber aos suscitados (Promotores de Justiça Criminais) oficiar
nos feitos criminais indicados. |
Vistos,
1)Relatório.
Trata-se de conflito positivo de
atribuições, no qual é suscitante o DD. 7º Promotor de Justiça de Franca, que atua como Promotor de Justiça
do Meio Ambiente, sendo suscitados os DD. 6º,
8º, 9º e 11º Promotores de Justiça de Franca, que possuem atribuições na
esfera criminal.
Argumenta
o suscitante que em determinados processos relativos a crimes ambientais de
pequeno potencial ofensivo, sendo cabível a transação penal, comunicou aos
suscitados que seria aguardada a notícia relativa à composição de danos, para
só então deliberar a respeito dos mesmos fatos, investigados em inquéritos
civis.
Isso
teria ocorrido nos seguintes inquéritos civis da Promotoria do Meio Ambiente de
Franca: 705/08, 691/08, 687/08, 686/08,
651/08, 610/08, 680/08 e 612/08. Todos esses procedimentos investigatórios
têm como objeto a apuração de questões relativas a infrações ambientais,
correspondentes aos fatos investigados nos seguintes Termos Circunstanciados de
ocorrências criminais: 1136/08 (2ª
Vara Criminal – 8º Promotor de Justiça), 1091/08
(1ª Vara Criminal, 11º Promotor de Justiça), 1065/08 (1ª Vara Criminal, 11º Promotor de Justiça), 1068/08 (3ª Vara Criminal, 9º Promotor
de Justiça), 1032/08 (3ª Vara
Criminal, 9º Promotor de Justiça), 908/08
(3ª Vara Criminal, 9º Promotor de Justiça), 88098 – PMA (3ª Vara Criminal, 6º Promotor de Justiça), 88074-PMA (3ª Vara Criminal, 6º
Promotor de Justiça).
Ao
receberem comunicação do suscitante, por ofício, no sentido de que os
inquéritos civis ficariam suspensos aguardando a composição de danos na
audiência preliminar de cada feito criminal, os suscitados responderam, também
mediante ofícios, informando que a sede própria para fins de composição de
danos ambientais é o inquérito civil (cf. fls.138, 154, 176, 197, 242, 259, 279)
A
partir disso, foi suscitado o conflito positivo de atribuições, afirmando o
suscitante que: (a) a composição dos danos ambientais é condição para a
transação penal e suspensão condicional do processo; (b) a atribuição para a
composição dos danos ambientais, dessa forma, é da Promotoria de Justiça
Criminal; (c) é necessário conferir ao Promotor de Justiça do Meio Ambiente
atribuição criminal, na hipótese de crimes ambientais de pequeno potencial
ofensivo; (c) essa solução é a que prestigia a economia de meios, a eficiência
da atuação ministerial, bem como o melhor resultado prático, do ponto de vista
da tutela do Meio Ambiente.
É
oportuno transcrever excerto da manifestação do suscitante que retrata bem o
seu respeitável pensamento, no sentido de que “o presente conflito de atribuições, porém, não pretende o alcance de
decisão que abrigue apenas o dizer que as atribuições para as composições de
danos ambientais em crimes de pequeno potencial ofensivo são da Promotoria de
Justiça Criminal, mas também para que se defina que essas atribuições
ambientais, embora criminais, devem ser exercidas no expediente criminal e em
sua inteireza (do início ao fim do termo circunstanciado ou processo), pelo
Promotor de Justiça do Meio Ambiente da comarca” (fls.10).
É
o relato do essencial.
2)Fundamentação.
É possível afirmar que o conflito positivo
de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.
Como
anota a doutrina especializada, configura-se o conflito positivo ou negativo de
atribuições quando dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público sustentam,
concomitantemente, possuir (conflito positivo) ou não (conflito negativo) atribuições,
para oficiar am determinado feito (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196
e ss).
Como
anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, em lição que, mutatis mutandis, é aplicável ao caso em
exame, “o conflito de competência é a
circunstância de fato que se caracteriza quando mais de um juízo se dão por
competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para o
julgamento da mesma ação, manifestada essa divergência nos mesmos autos. Deve
ser dirimido para que apenas um seja declarado competente e possa julgar a
causa” (Código de Processo Civil
Comentado e legislação extravagante, 10ªed., São Paulo, RT, 2007, p.374, nota
n.1 ao art.115 do CPC).
Nos
ofícios encaminhados pelo suscitante aos suscitados, relativamente aos feitos
criminais antes indicados, apenas foi consignado que seria aguardada, pela
Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, a informação a respeito da composição
dos danos. Isso, por si só, não permitiria a afirmação de que restou caracterizado
o conflito positivo de atribuições, por não indicar a intenção do suscitante de
oficiar nos procedimentos criminais discriminados nestes autos, relativos a
crimes ambientais.
Entretanto,
das razões externadas quando do encaminhamento dos presentes autos à
Procuradoria-Geral de Justiça, ficou evidenciado que a situação configura-se
como conflito positivo, na medida em que duas posições antagônicas se
evidenciam: (a) primeiro, o entendimento do suscitante, de que danos ambientais
devem ser compostos em procedimento criminal (termo circunstanciado ou processo
criminal), bem como de que seria atribuição do Promotor do Meio Ambiente atuar nos
referidos feitos; (b) segundo, a posição dos suscitados, de que não é
atribuição do Promotor de Justiça do Meio Ambiente oficiar em processos
criminais relativos a infrações penais praticadas contra o Meio Ambiente.
Pois
bem.
Como
se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial
competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que
o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido:
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco,
Teoria geral do processo, 23ªed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.
Tal
idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de
competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf
Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil,
t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus,
1922, p.621 e ss; e
Ora,
se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de
determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa,
não há razão para que o raciocínio análogo não seja feito para a identificação
do órgão ministerial com atribuições para certo caso.
É
essencialmente comum, visto que é inerente à própria vida das pessoas, às
relações sociais, e conseqüentemente ao direito, que determinados fatos, dada
sua relevância, recebam tratamento concomitantemente tanto por parte do
legislador penal como do civil.
Quando
tipificados como fatos jurídicos, tais acontecimentos passam a provocar
desdobramentos – efeitos no mundo do direito – em todas as esferas nas quais
foram arrolados em caráter hipotético (tipicidade abstrata) pelo legislador.
Inúmeros
são os exemplos dessa realidade, e entre eles encontra-se a situação versada
nestes autos.
Um
mesmo fato – dano ao meio ambiente -, em razão de opção de política legislativa,
é tratado contemporaneamente como ilícito civil e penal, nos termos da
legislação específica.
É
imperativo transportar essa realidade para a esfera dos procedimentos civis e
penais decorrentes.
No
inquérito civil, procedimento investigatório a cargo do Ministério Público, o
que se pretende é identificar a efetiva ocorrência do fato lesivo ao Meio Ambiente,
sua autoria, e, conseqüentemente, obter-se a responsabilização consensual,
através do compromisso de ajustamento de conduta, ou mesmo mediante solução
adjudicada, decorrente de ajuizamento de ação civil pública.
Na
esfera criminal, por sua vez, o que se busca é a responsabilização penal, ainda
que através dos mecanismos de mitigação das conseqüências do ilícito, com a
possibilidade da transação penal, ou mesmo da suspensão condicional do
processo, previstas nos art.76 e 89 da Lei nº 9099/95.
É
bem verdade que a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9605/98), estabelece que a
transação penal e a suspensão condicional do processo sejam vinculadas à
composição do dano ambiental.
Essa
é a razão pela qual o art.27 da Lei nº 9605/98 prevê que nos crimes ambientais
de menor potencial ofensivo a proposta de aplicação imediata de pena restritiva
de direitos ou multa (art.76 da Lei nº 9099/95), “somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição
do dano ambiental, de que trata o art.74 da mesma lei, salvo em caso de
comprovada impossibilidade”.
Da
mesma forma, o art.28 I da Lei nº 9605/98, ao tratar da possibilidade de
suspensão condicional do processo para crimes ambientais, estabelece que a
extinção da punibilidade decorrente do cumprimento do período de prova
dependerá de “laudo de constatação de
reparação do dano ambiental”, ressalvada a hipótese de impossibilidade,
prevista no art.89 §1º I da Lei nº 9099/95.
Não
há dúvida, nesse quadro, de que o legislador penal procurou agregar ao processo
criminal efeitos que vão além da simples punição do agente em função do
cometimento do ilícito. Isso reflete tendência do pensamento jurídico
contemporâneo, de conferir ao processo criminal perspectiva prática que não se
encerre na punição do culpado (exercício do ius
puniendi), mas se traduza em benefício direto às pessoas lesadas pela
prática do ilícito.
Desse
modo, assim como a sentença penal condenatória tem eficácia de título executivo
judicial para fins de reparação do dano na esfera cível (art.91 I do Código
Penal; art.63 do Código de Processo Penal; art.475-N II do Código de Processo
Civil), optou o legislador por entender como oportuno estabelecer como condição
para a fruição dos benefícios já indicados (transação penal e suspensão
condicional do processo), nos crimes ambientais, a composição para reparação do
dano.
Contudo,
essa solução legislativa, que procura expandir a eficácia social do processo
criminal nos casos de infrações penais ambientais, não altera a natureza do
feito e seu objeto, bem como não afasta ou impede o raio de incidência da
legislação civil.
Tem
razão o suscitante ao afirmar que a composição de danos ambientais na esfera
criminal, quando se verifica, gera economia de meios, e maior racionalidade na
atuação ministerial e no funcionamento do Judiciário, na medida em que poderá
tornar desnecessárias providências que teriam o mesmo escopo por parte da
Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, inclusive mediante eventual ação
judicial.
Entretanto,
não seria correto tomar a nuvem por Juno: o objeto do procedimento (termo
circunstanciado) ou mesmo do processo criminal está diretamente associado à
ocorrência de uma infração penal, e às conseqüências previstas para tal
situação na referida esfera. Por sua vez, o objeto da investigação civil
(inquérito civil) ou mesmo da ação civil pública, é específico, voltando-se à
composição de danos, responsabilização civil, e obtenção de determinação no
sentido de vedar nova prática do mesmo ilícito (tutela específica inibitória).
Daí
também a possibilidade de o mesmo fato render ensejo, contemporaneamente, ao
ajuizamento de ação penal e de ação civil, sem que haja qualquer obstáculo,
ressalvada a hipótese do reconhecimento, na esfera criminal, da inexistência do
fato, situação especial em que a coisa julgada penal impede o exercício da ação
civil (art.66 do Código de Processo Penal; art.935 do Código Civil).
Assim,
embora seja possível reconhecer a existência da prejudicialidade externa e
heterogênea dos procedimentos criminais nos quais são apuradas infrações
criminais ambientais, com relação à investigação civil ou mesmo ação civil
pública já ajuizada (art.265 IV a do
CPC; cf. autorizada doutrina de Antônio Scarance Fernandes, Prejudicialidade, São Paulo, RT, 1988,
p.30 e ss; bem como José Carlos Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, Tese, Rio de Janeiro, 1967,
Borsoi, passim, especialmente p. 55 e
ss), tal relação entre os feitos (o prejudicial e o prejudicado) não tem como
conseqüência, necessariamente, a criação de obstáculo ao seguimento do feito
prejudicado (civil), havendo outros fatores a considerar em cada caso concreto.
Sendo
perfeitamente natural a coexistência de um feito criminal (inquérito policial,
termo circunstanciado, ou processo) e de um feito civil (inquérito civil ou
ação civil pública) decorrentes do mesmo fato (ilícito ambiental), resta
definir a questão da atribuição para oficiar em cada um deles.
O
zeloso suscitante, na condição de DD. 7º
Promotor de Justiça de Franca, não tem atribuição para oficiar em feitos de
natureza criminal.
São
relevantes suas respeitáveis ponderações quanto à eventual consolidação, no
cargo que se ocupa das funções de Promotor de Justiça do Meio Ambiente, de
atribuições tanto cíveis como criminais (procedimentos e processos relativos a crimes
ambientais), em função da economia de meios e maior eficiência no resultado da
atuação ministerial. Merecem reflexão de
lege ferenda.
Entretanto,
considerando a divisão de funções atualmente existente (de lege lata), sua argumentação não pode ser acolhida, por não
encontrar esteio no ato administrativo de divisão de serviços que está em vigor.
Na
sistemática atual, tomando como ponto de partida o objeto do feito criminal
(apuração de infração penal e definição de responsabilidade criminal), que nada
obstante decorrente dos mesmos fatos (ilícito ambiental) é distinto do feito
civil (que busca a apuração de responsabilidade civil por dano ambiental,
reparação e recomposição dos danos, imposição de obrigações específicas, etc),
não colhe êxito a tentativa de reconhecer atribuição do Promotor de Justiça do
Meio Ambiente para atuar em feitos de natureza criminal.
3)Decisão.
Diante de todo o exposto, conheço do
presente conflito de atribuições e dirimo-o, com fundamento com fundamento no
art.115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar
Estadual nº734/93), declarando caber aos suscitados, na condição de Promotores
de Justiça Criminais da comarca de Franca, oficiar nos feitos criminais
indicados nestes autos.
Publique-se
a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 30 de dezembro de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça