Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
160.669/2011
Suscitante: Secretário
da Promotoria de Justiça Cível da Capital
Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Família da Capital
Ementa:
1) Conflito negativo de atribuições. Secretário da Promotoria de Justiça Cível da Capital (suscitante), e 6º Promotor de Justiça de Família da Capital (suscitado).
2) Representação. Eventual providência relacionada à curatela de M. A.S.
3) Conflito negativo de atribuições não caracterizado. Remessa dos autos pela Secretária da Promotoria envolvida. Pressuposto do conflito de atribuições é a manifestação dos órgãos de execução, admitindo ou negando, concomitantemente, a ocorrência da hipótese de sua atuação. Conflito não conhecido.
4) Princípios da economia e eficiência. Hierarquia administrativa no Ministério Público. Ausência de intervenção de órgãos de execução, até o momento. Possibilidade de remessa dos autos, pelo Procurador-Geral de Justiça, ao órgão de execução em cuja esfera de atribuições se enquadre a hipótese sob investigação.
5) Atribuição residual das Promotorias de Justiça Cíveis da Capital (art. 296, § 2º da Lei Complementar nº 734/93).
6) Conflito não conhecido. Remessa dos autos à Promotoria de Justiça Cível da Capital.
Vistos.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça de Família da Capital, e como suscitante o DD. Secretário da Promotoria de Justiça Cível da Capital, nos autos do procedimento em epígrafe, cuja finalidade é eventual providência relacionada à extinção da curatela de M. A. S.
Ao receber a representação que lhe foi endereçada, a DD. Secretária da Promotoria de Justiça Cível da Capital determinou o seu encaminhamento à Promotoria de Justiça da Família da Capital, para eventuais providências (fls. 06).
Recebida a representação, a DD. 6º Promotora de Justiça de Família da Capital decidiu por restituir os autos à Promotoria de Justiça Cível, pois não localizou o processo judicial referente à curatela.
Em seguida, a DD. Secretária da Promotoria de Justiça Cível da Capital determinou a devolução à Assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça.
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
De
antemão, verifica-se que não está, no caso, configurado o conflito de
atribuições.
Como
se sabe, é extremamente tênue a linha divisória que distingue a legítima
apreciação, pelo Procurador-Geral de Justiça, de um conflito de atribuição
concretamente considerado, e eventual manifestação emitida em situação de
inexistência de caso concreto a analisar, que poderia configurar violação da
independência funcional do membro do Ministério Público, estipulada
expressamente como princípio constitucional no art. 127, §1º, da CR/88.
O
respeito à independência funcional, dentro do entendimento que tem prevalecido
e que acabou sendo acolhido pelo legislador, é que impede, por exemplo, que recomendações
do Procurador-Geral de Justiça aos demais órgãos de execução tenham caráter
vinculativo, quanto aos estritos limites relacionados ao específico desempenho
de suas funções de execução (cf. art. 19, I, “d”, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).
Deste
modo, pode-se concluir que a solução de problemas atinentes a atribuições
depende de sua concreta configuração, bem como da iniciativa dos órgãos
de execução envolvidos, no sentido de suscitar o conflito.
Essa
é a razão pela qual a doutrina anota que se configura o conflito negativo de
atribuições quando “dois ou mais órgãos
de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a
prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e
outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196. g.n.).
Em
outros termos, conflitos de atribuições configuram-se in concreto, jamais in
abstracto, quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução
do Ministério Público “(a) dois ou mais
deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
A
questão da necessidade de respeito à independência funcional encontra bom
exemplo nos casos em que há negativa do membro do Ministério Público para
oficiar em determinado feito, de natureza cível.
O
fundamento que tem sido adotado para solução de casos desta natureza é a
analogia com o art. 28 do Código de Processo Penal (Nesse sentido: Hugo Nigro
Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ª
ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, cit., p. 73).
Mas
nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público
tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer
injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas
manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E estes,
no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles, poderes que
caracterizam a administração pública: poder hierárquico, disciplinar,
regulamentar, etc.
Como
anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade
administrativa superior para “distribuir
e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus
agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu
quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e
corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração
Pública” (Direito Administrativo
Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda,
a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423;
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito
Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.
O
reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano
estritamente administrativo, é assente inclusive no direito comparado,
anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia
estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na
medida em que “questo vincolo, fondandosi
su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire
amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa
che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo
dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII,
Milano, Giuffrê, 1969, p. 626).
Do
mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a
existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos,
de um “potere di risoluzione di conflitti
tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività
degli stessi” (Diritto Amministrativo,
v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).
O
reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo
algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores e
Procuradores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de
suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a
administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns
aspectos dessa atuação.
Em
outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público
atuar, mas pode e deve dizer se deve
ou não atuar, e qual o membro ou
órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.
No
caso em exame, os autos foram remetidos inicialmente à Promotoria de Justiça
Cível da Capital, onde, recebendo manifestação da Secretária da Promotoria
de Justiça, foram encaminhados à Promotoria de Família da Capital. Nesta
última, por manifestação da DD. 6ª Promotora de Justiça, houve a restituição
dos autos.
Nova
manifestação da Secretária da Promotoria de Justiça determinou a
restituição dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça.
Sem
a manifestação dos órgãos de execução, não se configura o conflito de
atribuições.
É
bem verdade que alguns casos, envolvendo representações para que seja suscitado
conflito de atribuições entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público
Federal, tem ocorrido o acolhimento de manifestações da Secretaria da
Promotoria de Justiça da Cidadania. Mas em tais casos, tal procedimento tem
sido adotado porque, sendo o conflito, em última análise, divergência entre
Ministérios Públicos, e não entre seus órgãos de execução singularmente
considerados, cabe mesmo ao Procurador-Geral de Justiça suscitá-lo, para exame
na sede própria, qual seja o E. STF (art.102 I f da CR/88).
Diversa,
entretanto, é a situação aqui analisada.
A
atribuição para o objeto da investigação é do Ministério Público Estadual.
Assim, o conflito – interno – somente se configura com manifestações
convergentes (conflito positivo) ou divergentes (conflito negativo) para a
atuação entre órgãos de execução, não entre órgãos administrativos,
qualificação na qual se enquadram as Secretarias das Promotorias de Justiça.
Não
é viável, por tais razões, conhecer do conflito.
Entretanto,
considerados os princípios da eficiência e da economia, e tendo em vista a
hierarquia administrativa que também anima o Ministério Público, nada impede
que o encaminhamento destes autos seja direcionado ao órgão de execução cujas
atribuições abranjam o fato sob investigação.
Pois
bem. Nesse enfoque, é importante observar que o presente procedimento noticia
questão relacionada à curatela de M. A. S.
A
matéria não diz com as atribuições da Promotoria de Justiça de Família da
Capital, que, nos termos do ATO Nº 147/2008 – PGJ, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2008, atua em feitos
da Vara de Família e Sucessões, nas respectivas audiências e no atendimento ao
público.
O
tema encontra-se situado entre as atribuições residuais da Promotoria de
Justiça Cível, considerando que o § 2º do art. 296 da Lei Orgânica Estadual do
Ministério Público prevê que “aos cargos
de Promotor de Justiça Cível da Capital são atribuídas as funções judiciais e
extrajudiciais de Ministério Público na defesa de interesses difusos e
coletivos decorrentes da especial condição da pessoa portadora de deficiência,
na tutela de interesses de incapazes e nas situações jurídicas de natureza
civil, em qualquer caso, desde que não compreendidas na área de atuação de
cargos especializados (...)” (g.n.).
De
lembrar a observação “a” do ATO Nº 152/2009 – PGJ, DE 05 DE OUTUBRO DE
2009: “a) Os Promotores de Justiça do Setor de Fundações, além do exercício
normal de suas funções, são responsáveis pelas representações e protocolados da
Promotoria de Justiça Cível, devendo, inclusive, promover a medida judicial
cabível e necessária relativa a estes procedimentos, independentemente da
matéria estar ou não relacionada às suas atribuições”.
Assim,
em respeito à economia e eficiência da atuação ministerial, bem como em
decorrência da hierarquia administrativa, impõe-se à Procuradoria-Geral de
Justiça que determine o encaminhamento dos autos ao órgão de execução em cuja
esfera de atuação se encontre o caso em exame.
3) Decisão
Diante
do exposto, não conheço do conflito de atribuições.
Entretanto,
pelos motivos expostos, determino a remessa dos autos à Promotoria de Justiça
Cível da Capital.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 6 de dezembro de 2011.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/md