Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 162.684/2010

(Autos 43.0719.0000235/10-5)

Suscitante: 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Saúde Pública)

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Meio Ambiente)

 

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Saúde Pública - suscitante) e 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Meio Ambiente - suscitado).

2)     Investigação a respeito de não observância de condições relativas à prevenção e segurança no Meio Ambiente do Trabalho de servidores estatutários, com desdobramentos na esfera da Saúde Pública em unidades de atendimento de saúde.

3)     Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

4)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da suscitada na investigação.

 

 

 

 

Vistos.

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Saúde Pública) e como suscitada a ocupante do cargo de DD. 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Meio Ambiente).

O suscitante, DD. 14º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Saúde Pública), noticia que o Ministério Público do Trabalho encaminhou representação à suscitada, que exerce o cargo de 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Meio Ambiente), relatando fatos relacionados ao Meio Ambiente do Trabalho de servidores municipais estatutários em diversos setores, entre os quais em unidades de atendimento à Saúde Pública.

Narra, entretanto, que a suscitada, ao receber a representação, determinou a extração de cópias e sua remessa ao suscitante, desmembrando a investigação quanto à questão de Saúde Pública, bem como mantendo sob sua responsabilidade exclusivamente o problema relativo ao Meio Ambiente do Trabalho. Sustenta assim que o critério da prevenção recomenda a atuação da suscitada no caso, a fim de que, de modo uniforme e unificado, seja examinado o problema noticiado nos autos.

A suscitada, DD 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos, ao receber os autos inicialmente lançou manifestação do seguinte teor:

“(...)

Remeta-se cópia do expediente, em especial do apenso (IC 000148.2003.15.002/0) à Promotoria de Justiça de Saúde Pública para as providências que entender cabíveis quanto à organização física do ambiente hospitalar (consultórios, almoxarifado, etc.), permanecendo nestes autos a investigação apenas, e tão somente, da questão atinente ao ambiente do trabalho (ergonomia, EPP, insalubridades, etc.) dos servidores estatutários.

(...)”

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

O Inquérito Civil foi inicialmente instaurado junto ao Ministério Público do Trabalho, registrado como IC 000148.2003.15.002/0-42.

Quando do encaminhamento pelo MPT ao Ministério Público de São Paulo, foi lançada manifestação, cf. fls. 478/479, da qual é oportuno transcrever a seguinte passagem:

“(...)

O presente inquérito civil foi instaurado por representação formulada em 01/08/2003, relatando que o inquirido mantinha SESMT subdimensionado e com integrantes sem treinamento; não possuía PCMSO, PPRA e laudos de insalubridade, de periculosidade e ergonômico; não informava os trabalhadores sobre os riscos do trabalho; e mantinha serras circulares desprotegidas (fls.).

(...)

Também foram juntadas aos autos, por conexão, denúncias de irregularidades relativas ao meio ambiente de trabalho existentes especificamente na Unidade de Especialidades e no Hospital das Clínicas Sul (fls.).

(...)”

Os autos foram então remetidos ao Ministério Público Estadual, a fim de que tivesse continuidade a investigação e  fossem adotadas providências com relação aos dois aspectos acima referidos, ou seja: (a) o problema relativo à necessidade de respeito às normas relativas à Segurança no Meio Ambiente do Trabalho em que laboram servidores estatutários; (b) bem como, relativamente à “Unidade de Especialidades” e ao “Hospital das Clínicas”, tanto o problema de Meio Ambiente do Trabalho, como ainda eventuais repercussões desse problema na esfera da Saúde Pública.

Nesse contexto, não há como negar que o objeto da investigação inicial já se apresentava, desde logo, com a possibilidade de repercussões tanto no que diz respeito à Segurança no Meio Ambiente do Trabalho no qual atuam servidores estatutários, bem como, igualmente, quanto a eventuais desdobramentos na área da Saúde Pública, na medida em que também eram objeto de perquirição unidades de atendimento público de saúde (Unidade de Especialidades e Hospital das Clínicas).

Parece correta a observação formulada pelo suscitante, portanto, no sentido de que os dois aspectos do objeto da investigação – Meio Ambiente do Trabalho em que operam servidores estatutários e Saúde Pública – estão entrelaçados entre si, recomendando investigação e adoção de providências conjuntas, inclusive para evitar contradições em perspectiva essencialmente prática.

Esse é o dado relevante para a solução do conflito.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Não é esse (especialização) o critério a aplicar no caso em exame, pois para a tutela dos interesses supraindividuais, de igual abrangência, os órgãos em conflito são igualmente especializados.

Assim, pondere-se que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como analogia e reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende, concomitantemente, ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, à eficácia e à unidade da atuação ministerial, evitando, inclusive, conflitos práticos nas soluções adotadas.

Deste modo, havendo no caso concreto interesses relacionados a mais de uma área de atuação em questões supraindividuais que têm abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com a investigação deve nela prosseguir.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, DD. 3º Promotor de Justiça de São José dos Campos (Meio Ambiente), a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 29 de dezembro de 2010.

 

ÁLVARO AUGUSTO FONSECA DE ARRUDA

Procurador-Geral de Justiça

Em exercício

 

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