Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 165.879/2011

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Itapetininga

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Itapetininga

 

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. Discordância de remessa de autos, para fins de compensação, com fundamento no Ato Normativo nº 302 – PGJ/CSMP/CGMP, de 31 de janeiro de 2003.

2)      Pretensão à emissão de decisão preventiva, referente a outros feitos, impedindo a remessa de autos em compensação à substituição automática. Impossibilidade. Direito de remessa de feitos em compensação assegurado pelo Ato Normativo nº 302, de 2003.

3)      Parâmetros para a avaliação da remessa de feitos em compensação. Complexidade e natureza (art. 2º do Ato nº 302, de 2003). Avaliação diante das circunstâncias de cada caso concreto. Relatividade dos critérios. Admissão, ainda que excepcional, da remessa de feitos de natureza diversa.

4)      Conflito conhecido e dirimido, determinando-se caber ao suscitante oficiar no feito.

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de Itapetininga, e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Itapetininga.

O DD. 3º Promotor de Justiça de Itapetininga manifesta, com fundamento no Ato Normativo nº 302 – PGJ/CSMP/CGMP, de 31 de janeiro de 2003, discordância em relação à remessa de feito para fins de compensação em razão de anterior substituição automática.

Noticia que o suscitado lhe remeteu o Inquérito Policial nº 1925/11, em razão de pretendida compensação relativa ao feito nº 990/10, de Vara Criminal da Comarca de Itapetininga.

Averba, em síntese, que:

(a) deu-se por suspeito em feito relacionado à denominada “Operação Usurpação”;

(b) também se deram por suspeitos outros Promotores de Justiça da Comarca, até que assumiu a condução do aludido feito o suscitado, 1º Promotor de Justiça de Itapetininga;

(c) o Inquérito remetido para fins de compensação, como afirma, é de igual complexidade, mas ainda em fase de investigação;

(d) não é admissível a pretendida compensação, visto que, como alega, “o 1º Promotor Criminal de Itapetininga jamais atuou sozinho em qualquer dos feitos derivados do que se chamou nesta comarca de ‘Operação Usurpação’”, tendo havido a colaboração do DD. 2º Promotor de Justiça da Comarca, bem como do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) – Núcleo Sorocaba;

(e) na época o 2º Promotor de Justiça recebeu auxílio mediante sucessivas designações para apoio quanto aos serviços relativos ao seu cargo, o que equivaleria à compensação pelo trabalho efetuado (cf. Portarias nº 10.223/2011, 10.224/2011, 10.225/2011, 10.226/2011);

(f) como o trabalho foi, em sua maior parte, realizado pelo 2º Promotor de Justiça de Itapetininga, não se mostra adequada a remessa de feito para fins de compensação por parte do 1º Promotor de Justiça de Itapetininga;

(g) sua manifestação de suspeição se deu em fase final do processo judicial, e está recebendo, em compensação, feito em fase inicial de investigação, o que é inadequado;

(h) os processos em que declarou impossibilidade de atuação estavam relacionados a um único fato, uma única investigação, posteriormente desmembrada, que rendeu ensejo a várias denúncias criminais, não se justificando o envio, para fins de compensação, de vários Inquéritos Policiais.

Por último e não menos importante, justificou a remessa de sua manifestação desacompanhada dos autos do feito a que se refere, por haver pedido de prisão nele formulado.

Postula o reconhecimento da inexistência de direito à compensação relativamente aos feitos decorrentes da denominada “Operação Usurpação”, por ele assim indicados: 842/10, 975/10, 976/10, 990/10, 1087/10, 1210/10, 1937/10, 1938/10, 1939/10, 622/10, e Inquérito Policial nº 903/10, todos eles em trâmite pela 1ª Vara Criminal de Itapetininga.

Foi concedida oportunidade ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Itapetininga, para se manifestar a respeito do conflito (fls. 10/12), tendo este aduzido, cf. fls. 16/41, em síntese que:

(a) todos os feitos mencionados pelo suscitante resultaram da “Operação Usurpação”, desencadeada pela Polícia Federal em conjunto com o GAECO de Sorocaba;

(b) houve manifestações no sentido de impossibilidade de atuação por razões de foro íntimo, que acabaram provocando a remessa de feitos a substitutos automáticos, sendo que o suscitante também se deu por suspeito fazendo com que o suscitado ficasse encarregado de atuar em tais procedimentos e processos;

(c) no feito nº 990/10, em trâmite pela 1ª Vara Criminal de Itapetininga, que motivou a remessa, em compensação, do Inquérito Policial nº 1925/2011 - questionada no presente conflito – imputou-se aos denunciados, que são Delegados de Polícia, crime de peculato-desvio;

(d) a complexidade dos feitos é equivalente, sendo ambos da mesma natureza;

(e) por ocasião da elaboração de iniciais (denúncias criminais e iniciais de ações civis) nos feitos relacionados à “Operação Usurpação” houve cooperação entre os Promotores de Justiça envolvidos a fim de aprimorar a atividade ministerial e evitar contradições ou conflitos nas atuações, sendo que apenas por pragmatismo a redação das peças ficou a cargo de um único Promotor de Justiça, sendo que, posteriormente, prosseguiram nos feitos o 1º e o 2º Promotores de Justiça de Itapetininga, sem prejuízo das respectivas atribuições, com a cooperação dos integrantes do GAECO-Sorocaba;

(f) não corresponde à realidade a alegação de que a maior parte do trabalho foi feita pelo 2º Promotor de Justiça de Itapetininga, pois a condução do processo criminal não se limita à elaboração da denúncia;

(g) os processos nos quais se deu a substituição não estão em fase final, mas sim em fase de instrução, sendo que, em alguns casos, os Inquéritos Policiais ainda estão em tramitação;

(h) a não realização de compensação, inicialmente, em função da recusa em atuar do 7º Promotor de Justiça de Itapetininga, não serve como fundamento para a recusa, agora, da compensação. Trata-se de situação distinta, visto que houve modificação de atribuições, passando o suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Itapetininga, por força do Ato 074/2011 – PGJ, de 11 de outubro de 2011, a ter atribuição para “Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade, inclusive as ações civis públicas distribuídas e os feitos criminais respectivos”. Com sua recusa surgiu novo fundamento para a compensação, visto que o suscitado, 1º Promotor de Justiça de Itapetininga, aceitou atuar nos autos nº 990/2010, da 1ª Vara Criminal;

(i) o auxílio eventual do GAECO, que decorreu da gravidade, complexidade e repercussão dos casos relacionados à “Operação Usurpação”, não impede a compensação de feitos em razão da substituição automática;

(j) a complexidade dos feitos recebidos em substituição automática é manifesta, visto que se trata de casos de grande repercussão, inclusive tendo ocorrido, por ocasião da “Operação Usurpação”, a prisão de três Delegados de Polícia, sendo um deles, na época, Delegado Seccional de Itapetininga;

(l) quanto ao pedido de reconhecimento de inexistência do direito à compensação, já foi analisado e rejeitado no Protocolado nº 162.671/2011.

É o relato do essencial.

2)    FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Cumpre anotar, inicialmente, que não é possível atender à pretensão do suscitante no sentido de que seja reconhecida, nos termos do que foi consignado cf. fls. 7/8, a “inexistência de qualquer compensação processual decorrente do que dispõe o Ato Normativo 302/03, no que se refere a todos os feitos criminais e cíveis decorrentes da investigação denominada ‘Operação Usurpação’ (...)”.

Essa questão já foi apreciada quando da decisão de outro conflito, no Protocolado nº 162.671/2011, envolvendo o mesmo contexto fático narrado nos presentes autos.

Como se decidiu, a remessa de feitos em compensação, nos casos de substituição automática, está prevista no Ato nº 302 – PGJ/CSMP/CGMP, de 31 de janeiro de 2003 (com as alterações decorrentes do Ato nº 488 – PGJ/CSMP/CGMP, de 27 de outubro de 2006).

Por essa razão, não se pode, pura e simplesmente, impedir-se o exercício futuro da faculdade de remessa de feitos em compensação, sendo viável, exclusivamente, a aferição da discordância quanto a casos específicos, fundada na diversidade de complexidade e natureza entre o feito no qual houve a substituição automática, e o que foi remetido em compensação.

Em que pese o arrazoado apresentado pelo suscitante, com a devida vênia, razão não lhe assiste.

O art. 2º do Ato nº 302 – PGJ/CSMP/CGMP, de 31 de janeiro de 2003 dispõe conforme segue:

“(...)

Art. 2º. Somente poderão ser remetidos em compensação feitos de igual complexidade e da mesma natureza daqueles recebidos em decorrência de substituição automática, ressalvada a impossibilidade de tal remessa, cabendo, nessa hipótese, o envio de autos de procedimentos ou processos de natureza e complexidade diversas.

(...)”

Não há dúvida, no caso em exame – e essa afirmação decorre da análise detida dos argumentos apresentados tanto pelo suscitante como pelo suscitado – que o feito no qual foi instalado o presente conflito (Inquérito Policial nº 1925/2011) foi remetido pelo suscitado ao suscitante em compensação aos autos nº 990/2010, processo que tramita na 1ª Vara Criminal de Itapetininga.

O confronto entre o feito recebido em função de substituição automática e aquele remetido para fins de compensação deve ser feito, em conformidade com o ato normativo que regula essa matéria, tendo como pano de fundo os critérios da complexidade e da natureza de ambos.

Não há dúvida de que ambos são da mesma natureza, ou seja, relacionam-se às atribuições criminais do suscitante e do suscitado. Nesse sentido são as informações prestadas pelos órgãos de execução em conflito.

Quanto à complexidade, não parece haver indicação efetivamente consistente para a discordância, pois, tanto a esse aspecto não confere destaque a manifestação do suscitante, como, ademais, é inegável a grande complexidade do debate nos autos em que se deu a substituição automática (Autos nº 990/10, da 1ª Vara Criminal de Itapetininga).

Basta lembrar que este último revela caso envolvendo Delegados de Polícia da cidade e região, com repercussão na imprensa local, realização de prisões provisórias dos investigados, entre outros pontos de relevo, de acordo com as informações constantes do presente expediente.

Ademais, a maior ou menor complexidade de feitos não é critério preciso ou matemático. Só mesmo diante de diversidade manifesta é que poderia chegar-se à conclusão no sentido do abuso quanto ao direito de remessa de feitos em compensação.

Acrescente-se que o fato de ter ocorrido atuação em colaboração, por parte de órgãos ministeriais de execução que oficiaram e oficiam em inquéritos policiais ou processos criminais cujo surgimento se deu em função da aludida “Operação Usurpação”, por si só não elide o direito à compensação de feitos.

Por último e não menos importante, o próprio Ato nº 302, de 2003, reconhece a necessidade de certa flexibilidade na remessa de feitos em compensação, visto que admite, ainda que excepcionalmente, o encaminhamento, pelo substituto automático, de “autos de procedimentos ou processos de natureza e complexidade diversas” (art. 2º).

Assim, inviável o acolhimento da argumentação do suscitante.

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Itapetininga, oficiar no feito em epígrafe, ou seja, o Inquérito Policial nº 1925/2011.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 23 de janeiro de 2012.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

rbl