Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 176.514/15

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Itatiba

Suscitados: 15º Promotor de Justiça de Campinas e Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Representação. Objeto delimitado. Danos ao patrimônio de autarquia estadual sediada em São Paulo, decorrentes de licitações e contratos administrativos, adicionados a enriquecimento ilícito de agente público estadual. Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social. Irrelevância de a execução dos contratos ocorrer em locais diversos. 1. Extravasa o âmbito da solução de conflito de atribuição o realinhamento ou retificação do objeto da investigação, providência da alçada do Promotor de Justiça competente como órgão de execução e presidente do procedimento. 2. Procedimento destinado à apuração de dano ao patrimônio público de autarquia estadual, decorrente de licitações e contratos administrativos, com consequente enriquecimento ilícito de agentes daquela, é da atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Cidade e Comarca de São Paulo, ainda que a execução contratual tenha ocorrido em locais diversos (Enunciado n. 73-PGJ).

 

 

 

                   Os ilustres 2º Promotor de Justiça de Itatiba (suscitante) e 15º Promotor de Justiça de Campinas (suscitado) controvertem sobre a atribuição para o exame de distorções na execução de contratos administrativos celebrados pelo DER – Departamento de Estadas de Rodagem do Estado de São Paulo com empreiteiras e nas licitações precedentes, conforme se infere do despacho ordenatório do desmembramento da investigação (fls. 19/20) e das manifestações declinatórias (fls. 162/163, 165/168).

                   Como a autarquia estadual tem sede na Cidade e Comarca de São Paulo foi determinada a colheita de manifestação da douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social (fls. 171/172) que, por meio de seu ilustre Promotor de Justiça Secretário-Executivo, reputa a atribuição da Promotoria de Justiça de Campinas (fls. 175/178).

                   É o relatório.

                   O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – Núcleo Campinas remeteu, em 14 de agosto de 2015, expediente contendo denúncia anônima de irregularidades na Regional do DER em Campinas à Promotoria de Justiça de Campinas para conhecimento e providências (fls. 03/15).

                   A Doutora Cristiane Corrêa de Souza Hillal, em 09 de setembro de 2015, proferiu despacho inicial, do qual destaco os seguintes trechos:

“A presente representação anônima que aportou nesta Promotoria de Justiça, em 14 de agosto de 2.015, demanda nossa atenção, mas da forma como foi aforada obstaculiza qualquer providência, merecendo, desde logo, um prévio desmembramento.

Assim, divido os fatos elencados em dois procedimentos: o primeiro, com o objetivo de analisar o quadro de pessoal do DER de Campinas, de forma a entende-lo no que se refere à política de comissionados, controle de frequência dos servidores em geral e gratificações pagas. O segundo procedimento com o objetivo de analisar os contratos do DER com empreiteiras, atualmente em vigor, de forma a analisar se existem distorções na execução destes contratos e nas licitações precedentes, que estariam beneficiando diretores do DER, sobretudo a pessoa de Cleiton Luiz de Souza. Sugiro focar nos contratos de pavimentação asfáltica, citados na representação.

Esta Promotoria, para quem a representação foi inicialmente distribuída, se encarregará da análise do primeiro subgrupo de fatos relatados, relativo ao quadro de pessoal do DER.

(...)

Sem prejuízo, extraia-se cópia da representação e desta manifestação e distribua-se livremente para apuração do segundo subgrupo de fatos referente aos contratos do DER” (fls. 19/20 – sic).

                   Distribuído o procedimento resultante do desmembramento ao 15º Promotor de Justiça de Campinas (fl. 22), este solicitou à autarquia a remessa dos contratos de pavimentação asfáltica em vigor e das respectivas licitações precedentes (fl. 22), que foram acostados aos autos (fls. 26/27, 32/161) e, em 09 de novembro de 2015, declinou sua atribuição em respeitável despacho com a seguinte fundamentação:

Verifica-se que os contratos mencionados incluem serviços de pavimentação, mas não há menção acerca da prestação desses serviços na Comarca de Campinas.

Assim, levando-se em consideração que as licitações foram processadas e realizadas pelo DER – Sede em São Paulo/SP e que os contratos que envolvem pavimentação asfáltica não se referem a obras e serviços realizados no município de Campinas, não há fatos ocorridos aqui a serem investigados.

Em razão do acima exposto, declino da atribuição e determino a remessa destes autos à Promotoria de Justiça com atribuição na área do Patrimônio Público da Comarca de Amparo, bem como a remessa de cópias destes autos às Promotorias de Justiça das Comarcas e Varas Distritais citadas nos contratos, quais sejam, Jaguariúna, Pedreira, Serra Negra, Águas de Lindoia, Bragança Paulista, Itatiba e Campo Limpo Paulista, para posteriores deliberações e averiguações” (fls. 162/163).

                   Em 30 de novembro de 2015 o 2º Promotor de Justiça de Itatiba também declinou sua atribuição acentuando que a representação objetiva a investigação da “lisura dos procedimentos licitatórios e da execução dos contratos” e que “a avença, conquanto firmada com empresa sediada na cidade de Itatiba, foi celebrada na cidade de São Paulo, foro eleito para dirimir pendências do contrato inclusive” e o “o ato danoso ataca o patrimônio do Estado”. Ao seu cabo conclui a atribuição da Promotoria de Justiça de Campinas por que:

“A simples execução do objeto contrato em área pertencente aos municípios de Itatiba e Morungaba não transfere, ao meu ver, a atribuição para investigação a esta Promotoria de Justiça. A questão de fundo é clara, tal seja, investigação acerca da prática de improbidade administrativa pelos dirigentes do DER – Campinas, que, nessas condições, estariam, dolosamente, concorrendo para inexecução dos objetos dos contratos” (fls. 165/168 – sic).

                   A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social também entende que a atribuição é da pertença da Promotoria de Justiça de Campinas. Assinalando que a representação insinua “suposto enriquecimento ilícito decorrente de relacionamento escuso” do Diretor Regional da autarquia em Campinas “com empreiteiros e proprietários de empresas prestadoras de serviço para o DER”, anota que “este deveria ser o foco da investigação: eventual desproporção entre o patrimônio pessoal e a remuneração” desse agente público. E obtempera que, mercê do foro contratual na Capital por força do art. 55, § 2º, da Lei n. 8.666/93, não se trata da incidência do Enunciado n. 73 da Procuradoria-Geral de Justiça, arrematando a aplicação do critério do local do dano nos termos do art. 2º da Lei n. 7.347/85:

“No caso, não se ignora que o(a) representante assevera que as empreiteiras realizam serviços fora dos padrões exigidos, com materiais de baixa qualidade. No entanto, o(a) missivista o faz de maneira genérica, sem indicar qual ou quais contratos não foram executados a contento.

Ainda com o máximo respeito, seria absolutamente contraproducente a análise das execuções, uma a uma, de todos os contratos do DER de pavimentação asfáltica, substituindo-se o Parquet aos órgãos de controle interno, para então se tentar descobrir se os fatos indicados genericamente na representação anônima procedem.

Mesmo que esse proceder fosse o adotado, impende destacar que o representante atrela expressamente estas inexecuções ou execuções irregulares como resultado do reprovável contato que o Diretor do DER em Campinas manteria com os representantes das empresas contratadas.

(...)

E o local do dano – em tese – é a Comarca de Campinas. Lá teriam sido praticados os atos de improbidade administrativa por parte do Diretor Regional do DER” (fls. 175/178).

                   Realmente, a representação tece ampla narrativa sobre o citado Diretor Regional da autarquia estadual em Campinas, destacando-se insinuação de enriquecimento ilícito e de execução imperfeita de obras e serviços contratados em relação de círculo vicioso. Frisa a representação que ele – a quem acusa de “ganho ilícito de dinheiro” porque “seu salário não é compatível com esse padrão de vida” - e outros servidores do DER em Campinas “recebem propina para aprovar as obras incompletas e foras do padrão, assim economizam os valores recebidos da licitação e assim as empresas distribuem os lucros contratando funcionários, presentes e pagamento de propina muitos funcionários” (fls. 14/15).

                   Todavia, extravasa o âmbito restrito da solução de conflito de atribuição entre membros do Ministério Público o realinhamento ou retificação do objeto do procedimento investigativo, pois, tal compete ao Promotor de Justiça dotado da atribuição respectiva, assim como a própria solução da averiguação.

                   Ora, ao receber a representação apócrifa o membro oficiante delimitou o objeto desta investigação no exame dos contratos do DER com empreiteiras, atualmente em vigor, “de forma a analisar se existem distorções na execução destes contratos e nas licitações precedentes, que estariam beneficiando diretores do DER, sobretudo a pessoa de Cleiton Luiz de Souza” (fl. 19), sem embargo de o 2º Promotor de Justiça de Itatiba no relatório de sua declinação sumariar que a representação aponta a ocorrência do “direcionamento de licitações, firmadas em convênios celebrados pelo órgão com Prefeituras, com destinação de valores pelas empresas contratadas aos dirigentes da entidade, o que é feito com o emprego de material de baixa qualidade para a execução das obras ou simplesmente o não cumprimento do contrato” (fl. 166).

                   Feito esse registro, a solução para o conflito de atribuição baseada no objeto da investigação, delimitado inicialmente como o exame de distorções na execução de contratos administrativos e nas respectivas licitações precedentes (fls. 19/20), não pode ser outra senão aquela que prestigie a orientação consagrada no Enunciado n. 73 da Procuradoria-Geral de Justiça:

“Conflito de atribuição. Licitação e contrato administrativo. Órgão da Administração Pública Estadual Centralizada. Atribuição da Promotoria de Justiça da sede da pessoa jurídica de direito público. É atribuição do órgão de execução da sede da pessoa jurídica de direito público eventualmente lesada a investigação e o processamento de irregularidades em licitação e contratos de órgão público estadual, nos termos do art. 2º da Lei n. 7.347/85 e do art. 55, § 2º, da Lei n. 8.666/93”.

                   Idêntica conclusão há de ser tomada em relação à autarquia estadual sediada na Cidade e Comarca de São Paulo, cujos contratos juntados aos autos foram celebrados nessa localidade e a adotam como foro contratual, não bastasse o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.666/93 estabelecer verbis:

“Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6o do art. 32 desta Lei”.

                   Essa regra harmoniza-se com a Lei n. 7.347/85 – que se aplica por não existir regra específica na Lei n. 8.429/92 – cujo art. 2º prescreve:

“As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

                   Ora, havendo resultado patrimonial negativo ao erário, ele deve ser perscrutado no sítio de sua ocorrência que é a sede da pessoa jurídica de direito público interno, de onde são distribuídos os recursos inclusive para unidades desconcentradas. Neste sentido explica a literatura que:

“Em se tratando de órgão ou entidade estadual que tem sede na capital da unidade federativa, tais como as secretarias, as universidades, as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, prevalece a competência dos magistrados que atuam em tal comarca, e não na do interior onde o fato ocorreu. Isso porque a lei considera o local do dano, e não o local do fato” (Silvio Antonio Marques. Improbidade administrativa, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208).

                   É assaz relevante reverberar o quanto exposto nessa lúcida admoestação: “a lei considera o local do dano, e não o local do fato”. Converge a tanto o sumulado por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves que apontam a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade, explicitando que:

“(...) realizada a contratação irregular de pessoal sem a observância dos ditames constitucionais ou realizada a contratação de obra pública em procedimento licitatório irregular, por exemplo, a ação, quando proposta em face do Estado federado (art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92), isto é, ajuizada pelo Parquet ou por associação, figurando o Estado como pessoa jurídica lesada, encontrará na comarca da capital o seu foro (local de sua sede – art. 2º da Lei nº 7.347/85 c.c. art. 100, IV, a, do CPC), sendo competente o respectivo Juízo de fazenda pública” (Improbidade administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, 3ª ed., p. 702).

                   Ainda que concorra a incidência conectada de enriquecimento ilícito de agente público, tal conclusão não se abala. Não se deve olvidar a própria conexão sinérgica entre o dano ao patrimônio público e a obtenção de vantagem indevida, nos termos em que expõe a representação, sem embargo de anotar-se que o agente público vincula-se hierárquica e funcionalmente à sede da pessoa jurídica de direito público que o investiu em cargo, função ou emprego público. Essa interação justifica, neste caso e nos termos em que posto o objeto da investigação, a atração por ora, ressalvada outra destinação a depender de seu prosseguimento.

                   Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar nos autos.

                   Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                   São Paulo, 13 de janeiro de 2016.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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