Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado n. 179.105/15

Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes

 

 

1)      Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital (suscitante) e 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (suscitado). Procedimento instaurado para apuração de irregularidades nas ações e serviços de telefonia móvel prestados na cidade de Mogi das Cruzes pela operadora OI S/A.

2)      Danos relacionados a questões locais. Identificadas situações específicas no Município de Mogi das Cruzes. Prevalência da regra de competência do foro do local do dano (art. 2º da LACP).

3)      Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (suscitado).

 

 

                   O presente procedimento investigatório teve origem após representação ofertada pela Prefeitura de Mogi das Cruzes, em razão da qualidade dos serviços de telefonia móvel prestados pela operadora OI S/A. A representação solicitou a “adoção de providências que entender necessárias, em face da má qualidade dos serviços prestados pelas operadoras de telefonia celular (telefonia móvel) no âmbito do Munícipio de Mogi das Cruzes - SP”.

                   Após a realização de diversas diligências, o suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, determinou a remessa dos autos à Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, sob a alegação de que “a qualidade dos serviços prestados pela OI S.A., em todo os Estado de São Paulo, está abaixo dos padrões de qualidade exigidos pela ANATEL (fls. 316/321).

                   Todavia, o ilustre 3º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital suscitou conflito negativo de atribuições, argumentando que “os problemas apresentados à Promotoria de Justiça do Consumidor de Mogi das Cruzes dizem respeito àquela cidade que, no entender da ANATEL, ocorrem por ausência de cobertura e não propriamente por problemas e qualidade na rede de telecomunicações. Vale dizer: são problemas específicos daquela comarca, que não podem ser investigados e solucionados na Capital por questões de atribuição e competência” (fls. 331/339).

                   É o relatório.

                   Inicialmente, é possível afirmar que o conflito negativo de atribuições, neste caso, está configurado e deve ser conhecido.

         Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

         Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

         Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

         Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

         Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

         Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

         Na hipótese em análise, o elemento central para a decisão do conflito reside em saber qual é a provável dimensão do risco ou dano e, consequentemente, se deve ser aplicada a regra de competência prevista no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, ou então a norma prevista no art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor.

         É necessário verificar, portanto, qual é a dimensão do dano suficiente para configurar a fattispecie prevista no art. 93, II do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual a competência jurisdicional (e por analogia a atribuição ministerial) será do foro da Capital do Estado se o risco ou dano for “regional” ou “nacional”, ou do local do dano, aplicando-se, neste último caso, o disposto no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública.

         A interpretação das regras de competência, nessa matéria, não pode ser, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, meramente gramatical, mas sim teleológica.

         Os critérios utilizados pelo legislador, definindo a competência do foro do local do dano ou da Capital do Estado, conforme a situação tenha dimensão local, regional ou nacional, consideram a probabilidade de maior eficiência do processo coletivo na coleta de provas e, consequentemente, o contato direto do órgão jurisdicional com os fatos.

         No presente caso, o objeto da investigação, em face da própria representação encaminhada pela municipalidade, é a apuração de irregularidades nas ações e serviços de telefonia móvel na cidade de Mogi das Cruzes.

                   Diligências foram encetadas visando quantificar e qualificar os danos no Município envolvido, especialmente pelo fato de que foram identificados problemas locais, que afetam a qualidade dos serviços prestados no município de Mogi das Cruzes.

         Isso nos leva a propender no sentido de que, embora reconhecida a existência de qualidade de serviço abaixo do proposto e alto número de reclamações, em todas as regiões do Estado, os fatos descritos neste Inquérito Civil dizem respeito a danos identificados e passíveis de solução no âmbito local.

         Não fosse assim, chegar-se-ia a um resultado que certamente não foi o desejado pelo legislador, qual seja estabelecer como juízo competente aquele que está dissociado, até mesmo fisicamente, do contexto da situação de dano ou risco e da coleta da prova em eventual ação judicial.

         Afigura-se melhor, pois, atribuir ao suscitado a presidência da investigação, competindo ao Promotor de Justiça do Consumidor de Mogi das Cruzes prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

                   Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, a atribuição para oficiar nos autos.

                   Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

                   Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 7 de janeiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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