Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 22.103/2010

(Protocolado nº 52/2010 – Promotoria de Justiça de Itu)

Suscitante: 6º Promotora de Justiça de Itu (Direitos Constitucionais do Cidadão)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Itu (Habitação e Urbanismo)

 

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão (suscitante) e Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo (suscitado).

2)     Representação. Pedido de providências para obras de manutenção e infra-estrutura em vias públicas de loteamento urbano (asfalto, iluminação pública, regularização de áreas institucionais indevidamente ocupadas e identificação).

3)     Aplicação da regra da prevenção aos casos em que há interesses afetos a mais de uma área de atuação (art. 114, § 3º da Lei Complementar nº 734/93).

4)     Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que o suscitado (prevento) prossiga na investigação.

Vistos.

1)Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 6ª Promotora de Justiça de Itu (Direitos Constitucionais do Cidadão), e como suscitado o DD. Promotor de Justiça de Itu (Habitação e Urbanismo).

Em representação endereçada à Promotoria de Justiça de Itu, foi noticiada a existência de pedido de providências formulado junto à Municipalidade daquela Comarca, ainda não atendido, relativamente ao loteamento urbano denominado “Chácaras do Rincão”, localizado na altura do Km 57,3, da Rodovia Valdomiro Correia de Camargo.

O pleito dos interessados gira em torno de questões a seguir delineadas: (a) melhorias das condições de arruamento do loteamento (asfaltamento, iluminação, identificação das vias); (b) regularização de áreas institucionais indevidamente ocupadas; (c) escoamento de águas pluviais (fls. 3/4, 6/7, 8, 10).

Ao receber a representação, o suscitado, DD. Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de Itu declinou de oficiar no caso, determinando sua remessa à suscitante, aduzindo que a intervenção ministerial na hipótese, se houver, não estará afeta à sua área de atuação, pois “a questão não envolve ação para regularização de loteamento, realização de obras obrigatórias, ou violação de normas urbanísticas”, tratando-se apenas de “prestação irregular de serviço público relativo à manutenção de vias públicas” (fls. 15).

A suscitante, DD. Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão de Itu anotou, ao suscitar o conflito, que: (a) embora o loteamento seja considerado urbano e esteja registrado junto à Municipalidade, “não possui asfalto, água encanada, iluminação pública e nome nas ruas, ou seja, obras de infra-estrutura não foram realizadas”; (b) acrescenta que a pretensão dos representantes não se limita à manutenção de vias públicas, envolvendo outras “irregularidades existentes no local”; (c) a abrangência dessa pretensão está demonstrada nas cópias de requerimentos endereçados à administração municipal; (d) ademais, ainda que a matéria fosse afeta a mais de uma área de atuação, seria necessário observar a regra da prevenção, assentada no art. 114, § 3º da Lei Complementar nº 734/93 (fls. 17/18).

É o relato do essencial.

2)Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, mostra-se oportuno relembrar que a representação ao Ministério Público decorreu da notícia de que, nada obstante tenha sido anteriormente provocada a Municipalidade, até então esta não adotou as providências para fins de regularização de vias públicas (escoamento de águas pluviais, iluminação pública, identificação de ruas, ou seja, obras de infra-estrutura não foram realizadas) além de outras irregularidades.

A discussão que possivelmente se travará nesse caso envolverá a análise de aspectos associados, ainda que indiretamente, à situação do loteamento em questão. Isso justificaria, com o devido respeito ao entendimento diverso, a identificação da atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, pois associada ao uso do solo para fins urbanos.

Note-se, em acréscimo, que não é despida de fundamento a observação formulada pelo ilustre suscitado no sentido de que aí também está presente a questão atinente à qualidade da prestação de serviços públicos – manutenção de vias por parte da Municipalidade – o que permitiria identificar, ao menos em tese, a atribuição da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Constitucionais do Cidadão.

Em outras palavras, por um ou outro ângulo de observação – como é comum ocorrer em sede de interesses metaindividuais – está presente, na mesma situação de fato, a projeção de pretensões que podem afetar mais de uma área de atuação ministerial. Isso decorre da própria complexidade e dinâmica dos interesses coletivos, que nem sempre se acomodam, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certos casos, a sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que estejam, ao menos em tese, presentes fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota n.6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Ademais, o critério da prevenção para a solução de conflitos entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Adite-se que esse critério vem sendo utilizado por esta Procuradoria-Geral de Justiça, na medida em que se apresenta como parâmetro objetivo para a solução das divergências quanto às atribuições, contribuindo inclusive para que haja previsibilidade, a esse propósito, por parte dos integrantes das promotorias especializadas.

3)Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Itu (Habitação e Urbanismo), prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 22 de fevereiro de 2010.

 

José Luiz Abrantes

Procurador-Geral de Justiça

- em exercício -

 

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