Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 24.149/11

Suscitante: 8ª Promotor de Justiça de Bauru (Patrimônio Público / Saúde Pública)

Suscitado: 4ª Promotora de Justiça de Bauru (Meio Ambiente)

 

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 8ª Promotor de Justiça de Bauru e 4ª Promotor de Justiça de Bauru.

2)     Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

3)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da 8ª Promotor de Justiça de Bauru (suscitante).

 

Vistos.

1)   Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça de Bauru (Patrimônio Público e Saúde Pública) e como suscitado o DD. 4º Promotor de Justiça de Bauru (Meio Ambiente).

Verifica-se dos autos que a representação inicial foi encaminhada ao DD. 8º Promotor de Justiça, noticiando a existência de terrenos baldios no município, em endereços especificados, onde está havendo a proliferação de caramujos africanos, com risco à saúde da população de uma forma geral. Noticia a representação, ainda, eventual omissão dos órgãos públicos municipais, no que se refere à fiscalização e outras providências.

Recebida a representação, o DD. 8º Promotor de Justiça concluiu tratar-se de questão afeta ao Promotor de Justiça com atribuições para a defesa do meio ambiente, encaminhando-a ao 4º Promotor de Justiça.

Analisando a representação, o 4º Promotor de Justiça discordou, sob o argumento de que a questão principal não é ambiental, mas sim relacionada à adoção de medidas por parte do Poder Público. Por isso, determinou o retorno dos autos 8º Promotor de Justiça que, então, suscitou o conflito de atribuições.

 É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Os poucos elementos de convicção até aqui carreados aos autos, bem como o contido nos arrazoados dos nobres Promotores de Justiça,  demonstram nitidamente que os fatos apurados produzem repercussões tanto relativamente ao problema de Saúde Pública, como ainda na questão ambiental, tendo em vista a notícia de possível omissão do Poder Público e o possível risco ao meio ambiente ecologicamente equilibrado decorrente da proliferação dos animais.

Esse é o dado relevante para a solução do conflito.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

Por isso, melhor se afigura atribuir ao suscitante a atribuição para funcionar no feito por conta do critério da prevenção. Remarque-se que a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Assim, pondere-se que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

O critério da prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral, bem como à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais.

Deste modo, havendo no caso concreto – em tese e pelo até aqui apurado – interesses relacionados a mais de uma área de atuação em questões supra-individuais que têm abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 8º Promotor de Justiça de Bauru, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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