Conflito de Atribuições - Cível

Protocolado n. 25.326/09

(Apelação Cível n. 857.758.5/1-00)

Suscitante: Dr. (...), Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos

Suscitado: Dra. (...), Procuradoria de Justiça Cível

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos (suscitante) e Procuradoria de Justiça Cível (suscitada).

2) Apelação Cível. Pedido declaratório de nulidade do julgamento da prestação de contas do exercício de 2000, cumulado outros pedidos, incluindo o de declaração de regularidade da prestação de contas. Ação julgada improcedente.

3) Hipótese de ação individual. Inexistência, em função do objeto, de ação coletiva.

4) Ato normativo n. 412-CPJ, de 24 de novembro de 2005, alterado pelo Ato Normativo n. 467-CPJ, de 20 de junho de 2006, que dispõe sobre a organização, funcionamento e atribuições das Procuradorias de Justiça.

5) Atribuições da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos definidas de forma taxativa, ao contrário das atribuições da Procuradoria de Justiça Cível, que possui atribuições de caráter residual.

5) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que os autos sejam distribuídos à Procuradoria de Justiça Cível.

Vistos.

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o Dr. (...), da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos, e como suscitada a Dra. (...), da Procuradoria de Justiça Cível.

O conflito teve origem nos autos da Apelação Cível n. 857.758.5/1-00, interposta em face da R. Sentença de fls. 997/999, que julgou improcedente o pedido declaratório de nulidade do julgamento da Câmara Municipal de Bauru relativamente à prestação de contas do exercício de 2000, cumulado com pedido de declaração de regularidade da prestação de contas e com outros pedidos.

Remetidos os autos, para parecer, à Procuradoria de Justiça Cível, a Dra. (...), DD. Procuradora de Justiça, a fls. 1.087/1.088, concluiu que “a atribuição para atuar no feito é da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, nos termos do Ato Normativo n. 412, de 24 de novembro de 2005”.

Todavia, invocando aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal, o Dr. (...), DD. Procurador de Justiça da Promotoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, suscitou o presente conflito negativo de atribuições, aduzindo que “o caso apresentado não é ação civil pública, ação popular e incidente ou mandado de segurança, ação cautelar ou incidente, mandado de segurança coletivo ou de injunção coletivo, e também não decorre de inquérito civil, de questões ambientais cíveis, cautelares e incidentes.

O que existe é pedido da pessoa física de (...) que entende regulares as contas prestadas, não decorrendo daí improbidade administrativa porque o julgamento do legislativo foi a respeito das contas do então prefeito e não de sua pessoa”.

 É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Essa idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do Procurador de Justiça, órgão de execução do Ministério Público na Segunda Instância a quem incumbe a atribuição para oficiar, conclusivamente, nos autos do processo judicial que lhe for distribuído e emitir manifestação (Art. 7º, I, Ato normativo n. 412/2005), deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o conflito envolve a Procuradoria de Justiça Cível e a Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, acerca da atribuição para emitir manifestação em ação individual proposta por Nilson Ferreira Costa em face da Câmara Municipal de Bauru.

Importante frisar que não se trata de ação coletiva, como ação civil pública, ação popular ou mandado de segurança coletivo. Também não se trata de processo envolvendo inquérito civil ou questões ambientais.

Como se sabe, o Ato normativo n. 412-CPJ, de 24 de novembro de 2005, dispõe sobre a organização, funcionamento e atribuições das Procuradorias de Justiça.

Por força da alteração promovida pelo Ato Normativo n. 467-CPJ, de 20 de junho de 2006, o art. 2º, incisos III e IV, define a atribuição das Procuradorias de Justiça envolvidas no presente conflito negativo:

“III - Procuradoria de Justiça Cível: 52 (cinqüenta e dois) procuradores de Justiça, com atribuições de oficiar junto às Seções de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça, ressalvadas as atribuições dos procuradores de Justiça integrantes da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos e dos que atuam perante a Câmara Especial;

IV - Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos: 24 (vinte e quatro) procuradores de Justiça, com atribuições de oficiar nas ações civis públicas e ações populares e respectivos incidentes e mandados de segurança, ações cautelares e incidentes, mandados de segurança coletivos e mandados de injunção coletivos, processos envolvendo inquérito civil e questões ambientais cíveis e ações cautelares e incidentes, em trâmite no Tribunal de Justiça”.

Pode-se concluir, então, que as atribuições da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos são definidas de forma taxativa, ao contrário das atribuições da Procuradoria de Justiça Cível.

Ocorre que a Procuradoria de Justiça Cível atua em feitos que não são criminais e que não sejam de atribuição da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, ou seja, possui atribuições de caráter residual.

Sendo assim, e considerando que a hipótese tratada nos autos da Apelação Cível n. 857.758.5/1-00 não está elencada entre as atribuições da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, o feito deve ser distribuído à Procuradoria de Justiça Cível.

3) Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, DD. Procuradoria de Justiça Cível, a atribuição para oficiar nos autos do processo judicial.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 2 de março de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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