Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 26.641/2011

Suscitante: 7º Promotor de Justiça de Praia Grande

Suscitado: 1º Promotora de Justiça de Praia Grande

 

 

1)     Conflito negativo de atribuições. 7º Promotor de Justiça de Praia Grande (suscitante) e 1º Promotora de Justiça de Praia Grande (suscitada).

2)     Declínio de atuação por motivo de foro íntimo (art. 135, parágrafo único, c.c. art. 138, I do CPC). Alegação, do suscitante, quanto à necessidade de aferição dos motivos da incompatibilidade da suscitada.

3)     Incompatibilidade por motivo de foro íntimo. Ausência de necessidade, conveniência ou dever de indicação nos autos dos fundamentos da recusa. Hipótese em que se põe em primeiro plano a preservação da intimidade do órgão ministerial recusante.

4)     Eventual aferição da pertinência ou não da recusa é repercussão administrativo-disciplinar da questão. Necessidade apenas de comunicação, nos termos do art. 172 da Lei Orgânica Estadual, bem como do art. 8º do Manual de Atuação Funcional (aprovado pelo Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010).

5)     Conflito conhecido e dirimido, determinando caber ao suscitante oficiar no feito.

 

Vistos.

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 7º Promotor de Justiça de Praia Grande e como suscitada a DD. 1ª Promotora de Justiça de Praia Grande.

Trata-se de inquérito civil instaurado para apurar a prática de atos de improbidade administrativa, com fundamento na Lei 8.429/92.

Assumindo a investigação que já vinha tramitando anteriormente, a suscitada, DD. 1ª Promotora de Justiça de Praia Grande, apresentou manifestação declinando de oficiar no feito por motivo de foro íntimo, determinando a remessa dos autos ao seu substituto automático, ou seja, o suscitante, DD. 7º Promotor de Justiça de Praia Grande (fls. 523).

O DD. 7º Promotor de Justiça de Praia Grande, por sua vez, restitui os autos àquela, a fim de que ela apresentasse os fundamentos pelos quais estaria em situação de incompatibilidade com a presidência do inquérito civil (fls. 528).

A DD. 1ª Promotora de Justiça de Praia Grande, por sua vez, apresentou manifestação fundamentada no sentido desnecessidade e inconveniência de declínio dos fundamentos da incompatibilidade de atuação por razão de foro íntimo, afirmando que foi encaminhada a comunicação, para tal fim, nos termos do art. 8º do Manual de Atuação Funcional, aprovado pelo Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010 (fls. 531/537).

Diante desse quadro, o DD. 7º Promotor de Justiça de Praia Grande suscitou o conflito negativo (fls. 540/541).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

A hipótese destes autos é singela.

A suscitada, DD. 1ª Promotora de Justiça de Praia Grande, declinou de oficiar no feito por motivo de foro íntimo (art. 135, parágrafo único, c.c. o art. 138, I, ambos do CPC). Determinou a remessa dos autos ao seu substituto automático, o DD. 7º Promotor de Justiça de Praia Grande, o suscitante.

O fundamento do conflito, portanto, é a alegação do suscitante de que não tem atribuições para oficiar no feito por não poder aferir se a recusa de atuação da suscitada foi legítima.

Com a devida vênia em relação ao suscitante, a conduta da suscitada foi legítima.

A recusa de atuação por incompatibilidade decorrente de motivo de foro íntimo não exige, realmente, que os seus fundamentos sejam lançados nos autos.

Curial é observar que a razão para tanto é, precisamente, a preservação de aspectos relacionados à intimidade do órgão ministerial, que não se vê em condições psicológicas e emocionais que lhe confiram a indispensável imparcialidade para atuar.

Nesse sentido era a lição de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, recordando, ao comentar o parágrafo único do art. 135 do CPC, que “motivo íntimo é qualquer motivo que o juiz não quer revelar, talvez mesmo não deva revelar. A lei abriu brecha ao dever de provar o alegado, porque se satisfez com a alegação e não exigiu a indicação do motivo. A intimidade criou a excepcionalidade da permissão: alega-se haver motivo de suspeição, sem se precisar provar” (Comentários ao CPC, t. II, 3. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 430).

Quanto à conveniência da recusa por motivo de foro íntimo, lembra Cândido Rangel Dinamarco que “a lei simplesmente aconselha o juiz a abster-se de prosseguir, ao dizer que poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo (art. 135, par.) – o que o põe à vontade para abster-se” (Instituições de Direito Processual Civil, t. II, 6. Ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 233), na medida em que o valor superior que inspira essa faculdade judicial é a preservação da sua imparcialidade para a apreciação de cada caso sob sua responsabilidade.

Essas premissas são aplicáveis aos casos de incompatibilidade do órgão do Ministério Público.

Tanto é assim que a hipótese é expressamente prevista no art. 8º do Manual de Atuação Funcional, aprovado pelo Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010, transcrito a seguir:

“(...)

Art. 8º. O membro do Ministério Público, ao declarar-se impedido ou suspeito, deverá mencionar nos autos apenas a hipótese legal ou indicar que o faz por motivo de natureza íntima, abstendo-se de outras considerações, providenciando a sua substituição automática e comunicando o fato e as razões, por ofício, ao Procurador-Geral de Justiça e ao Corregedor-Geral do Ministério Público.

Parágrafo único. As hipóteses de suspeição e impedimento aplicam-se a qualquer ato, diligência, processo ou procedimento em que intervenha o membro do Ministério Público.

(...)

Se o motivo íntimo invocado é ou não legítimo, essa é uma questão que pode se apresentar, exclusivamente, na esfera administrativo-disciplinar.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 7º Promotor de Justiça de Praia Grande, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 03 de março de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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