Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 28.298/2011

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Infância e Juventude)

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Patrimônio Público)

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Patrimônio Público) e 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Infância e Juventude).

2)     Representação para apuração de irregularidades na aplicação dos recursos do FUNDEF pelo Poder Executivo Municipal durante o exercício de 2005. Relevância da matéria tanto na área de atuação da Promotoria da Infância e da Juventude, como na área de atuação da Promotoria de Justiça da Cidadania.

3)     Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

4)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do suscitado, 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Patrimônio Público), na investigação.

Vistos.

1)   Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Infância e Juventude) e como suscitado a DD. 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Patrimônio Público).

Noticia o suscitante que o procedimento foi instaurado para:

“apurar a utilização irregular de recursos do FUNDEF, no ano de 2005, concluindo-se pela suposta ocorrência de atos de improbidade administrativa, devido à utilização de recursos do Fundo sem o devido processo licitatório e da existência de superfaturamento (...)

Tais atos, em tese, configuram atos de improbidade administrativa e deveriam ser investigados pelo Promotor de Justiça com atuação na área do Patrimônio Público, independentemente de os recursos do Fundo se destinarem à manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental e à valorização do magistério”.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

Na hipótese em análise, o objeto da investigação refere-se à apuração de irregularidades na aplicação dos recursos do FUNDEF pelo Poder Executivo Municipal durante o exercício de 2005.

Não há como negar que o tema diz respeito tanto às atribuições dos Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, como ainda dos Promotores de Justiça da Cidadania.

É importante consignar que a Procuradoria-Geral de Justiça já explicitou seu entendimento, na solução de conflitos anteriores, no sentido de que não parece correto o raciocínio no sentido de que, em todo e qualquer caso, havendo possibilidade de imputação de prática de atos de improbidade administrativa, deva a investigação ser conduzida pelo membro do parquet que atua como Promotor da Defesa do Patrimônio Público, bem como que a ação pertinente, para a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8429/92, seja exclusivamente por ele proposta.

Se a única questão a ser investigada for a prática de ato de improbidade administrativa, não haverá dúvida de que caberá ao Promotor do Patrimônio Público conduzir a apuração.

Entretanto, se há outra questão envolvida nada impedirá que o órgão ministerial que atue em Promotoria especializada investigue o fato, e posteriormente proponha demanda judicial, cumulando pedidos de providências relacionadas à proteção daquele interesse coletivo específico (meio ambiente, consumidor, urbanismo, saúde, infância e juventude) com a pretensão de aplicação de sanções relacionadas aos atos de improbidade administrativa.

No presente caso, porém, suscitante e suscitado têm atribuições para funcionar no feito.

Afinal, pode-se consignar que: (a) o 2º Promotor de Justiça de Santa Isabel (suscitante) tem atribuições para o exame de situações que digam respeito direta e indiretamente à infância e juventude, o que envolve as questões afetas à aplicação dos recursos do Fundo; (b) o 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (suscitado) tem atribuições relacionadas à defesa do patrimônio público, o que envolve, certamente, a questão do eventual emprego indevido dos recursos.

Conclui-se que ambos, suscitante e suscitado, têm, concomitantemente, atribuições para o caso em exame.

Esse é o dado relevante para a solução do conflito.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de interesses afetos a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, havendo no caso concreto interesses relacionados a mais de uma área de atuação em questões supra-individuais, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com a investigação deve nela prosseguir.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 1º Promotor de Justiça de Santa Isabel (Patrimônio Público), a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 3 de março de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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