Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado SEI n. 29.0001.0024167.2019-15

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Bauru (Meio Ambiente)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Bauru (Cível)

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuição. Meio Ambiente. Processo civil. Ação popular por ato lesivo ao meio ambiente. Atribuição do Promotor de Justiça Cível, e não do Promotor de Justiça do meio ambiente, cujas atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses transindividuais são tratadas de forma explícita.

1. Conflito negativo de atribuições. 4º Promotor de Justiça de Bauru– Meio Ambiente (suscitante). 2º Promotor de Justiça de Bauru – Cível (suscitado). Ação popular por ato lesivo ao meio ambiente.

2. A interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

3. As atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses transindividuais são tratadas de forma explícita. Os casos não enquadrados nas hipóteses de propositura de ações coletivas e atuação como fiscal da ordem jurídica nas ações civis públicas propostas por outros legitimados dizem respeito à atuação ministerial como órgão interveniente em outros processos, enquadrando-se nos “feitos cíveis”.

4. Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 2º Promotor de Justiça de Bauru (Cível), suscitado, para oficiar nos autos.

Vistos,

1)    Relatório

Consta do presente expediente que o 2º Promotor de Justiça de Bauru, com atribuição para atuar nos feitos cíveis judiciais do respectivo final, nos autos do Processo n. 1000621-97.2019.8.26.0071, ação popular por ato lesivo ao meio ambiente, em trâmite na 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Bauru, declinou de sua atribuição e requereu a remessa dos autos ao 4º Promotor de Justiça de Bauru, a fim de que atuasse nos autos, na defesa do interesse difuso tutelado, argumentando, em síntese, que “a ação popular é ação coletiva, tanto que se equipara a ação civil pública segundo a doutrina, pois visa a tutela de interesses difusos e coletivos”. Prosseguiu, invocando o teor de deliberações tomadas em reuniões da Promotoria Cível de Bauru, acrescentando que o posicionamento da Egrégia Procuradoria-Geral de Justiça “se baseia em critérios objetivos que nem sempre espelham as peculiaridades locais em relação à divisão de atribuições, notadamente o porte da comarca e o grau de especialização na atuação de seus membros”. Finalizou, pontuando que é aplicável ao caso o princípio da especialização, “fazendo eco à missão do Ministério Público de privilegiar a defesa dos interesses difusos em contraposição à mera intervenção processual como fiscal da ordem jurídica”.

O 4º Promotor de Justiça de Bauru, com atribuição na área de Meio Ambiente, suscitou conflito negativo de atribuições, sustentando que as suas atribuições especializadas “decorem de condições específicas do objeto da ação ou da qualidade da parte”. Desenvolveu o raciocínio, afirmando que “ontologicamente, a ação popular foi concebida como feito civil, e sem que haja expressa previsão de autuação nas ações populares pelos membros do Ministério Público que atua na defesa de interesses difusos e coletivos em determinadas áreas específicas, como é o caso da divisão de atribuições estabelecidas pela Instituição nesta Comarca, não há que se deslocar a atuação do membro do ‘Parquet’ daquele  que atua perante o Juízo ao qual o processo foi previamente distribuído para aquele membro que atua na defesa de interesses difusos e coletivos”. Concluiu que, “inexistindo, como no caso em análise, atribuição específica para funcionar nas ações populares, somente cabe ao Promotor especializado, no caso do Meio Ambiente, intervir como autor de ações coletivas, como, por exemplo: ação civil pública, ou como fiscal da lei em ações desta natureza promovida pelos seus colegitimados”. Adicionou que “a intervenção do Promotor especializado se justificaria, ainda se assim fosse, em casos onde se encontra presente relevante interesses púbico decorrente dos eventuais danos ambientais existentes”, ilustrando que, “no caso em questão, o fato ambiental decorre da supressão de uma única árvore no passeio público, cujo possível e pequeno dano ambiental não transfere para a intervenção do membro especializado do ‘Parquet’”.

É o relato do essencial.

2)    Fundamentação

Cuida-se, na origem, de ação popular por ato lesivo ao meio ambiente, em trâmite na 1ª Vara da Fazenda Pública de Bauru, em que o 2º Promotor de Justiça daquela comarca, com atribuição para atuar nos feitos cíveis judiciais do final da ação do aludido Juízo, declinou de sua atribuição e requereu a remessa dos autos ao 4º Promotor de Justiça de Bauru, com atribuição na tutela do Meio Ambiente, a fim de que atuasse nos autos, na defesa do interesse difuso tutelado.

A divisão de atribuições da Promotoria de Justiça Bauru foi fixada pelo Ato n. 112/2.015– PGJ, DE 04 DE SETEMBRO DE 2.015, determinando-se ao suscitante funcionar nos seguintes feitos:

IV. 4º PROMOTOR DE JUSTIÇA DE BAURU:

a) Feitos cíveis judiciais da 4ª Vara Cível, inclusive suas audiências;

b) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 6ª Vara Cível, inclusive suas audiências;

c) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 7ª Vara Cível, inclusive suas audiências;

d) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 1ª Vara da Família e Sucessões, inclusive suas audiências;

e) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 2ª Vara da Família e Sucessões, inclusive suas audiências;

f) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 1ª Vara da Fazenda Pública, inclusive suas audiências;

g) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 2ª Vara da Fazenda Pública, inclusive suas audiências;

h) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 1ª Vara do Juizado Especial Cível, inclusive suas audiências;

i) Feitos cíveis judiciais de finais 61 a 80 da 2ª Vara do Juizado Especial Cível, inclusive suas audiências;

j) Meio Ambiente, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

k) 1/5 dos feitos relativos aos Direitos Humanos com abrangência na Saúde Pública, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

l) Atendimento ao público.

Por sua vez, conferiu-se ao suscitado as seguintes atribuições:

II. 2º PROMOTOR DE JUSTIÇA DE BAURU:

a) Feitos cíveis judiciais da 2ª Vara Cível, inclusive suas audiências;

b) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 6ª Vara Cível, inclusive suas audiências;

c) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 7ª Vara Cível, inclusive suas audiências;

d) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 1ª Vara da Família e Sucessões, inclusive suas audiências;

e) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 2ª Vara da Família e Sucessões, inclusive suas audiências;

f) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 1ª Vara da Fazenda Pública, inclusive suas audiências;

g) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 2ª Vara da Fazenda Pública, inclusive suas audiências;

h) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 1ª Vara do Juizado Especial Cível, inclusive suas audiências;

i) Feitos cíveis judiciais de finais 21 a 40 da 2ª Vara do Juizado Especial Cível, inclusive suas audiências;

j) Direitos Humanos com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

k) 1/5 dos feitos relativos aos Direitos Humanos com abrangência na Saúde Pública, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

l) Atendimento ao público.

Conforme já manifestado em precedentes desta Procuradoria-Geral de Justiça (Protocolados n. 51.192/10, 67.621/11, 30.094/12, 15.394/13, 52.451/18, 56.012/18 e 86.696/18 e SEI n. 29.000.0012971.2019-55), a interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

É correta a observação de que pode ser conveniente a atuação como fiscal da ordem jurídica, em ação popular, do órgão de execução com atribuições especializadas para a tutela do meio ambiente. Tal ocorre na medida em que referida solução pode render ensejo tanto ao conhecimento mais abrangente dos casos relacionados ao tema na comarca, como ainda complementar as investigações que realiza e suas iniciativas processuais, além de propiciar uniformidade de atuação.

Porém, é preciso indagar se essa solução, possivelmente conveniente, encontra amparo no ato regulamentar de divisão de serviços.

Em regra, as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, dos interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos são tratadas de forma explícita.

Nesses casos, pelo que ordinariamente se observa, os atos que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça a missão de atuar em defesa de interesse especificado (meio ambiente, consumidor, patrimônio público etc.). E as regras de experiência demonstram, do mesmo modo, que essa atuação, assim fixada, diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, como também à atuação, como fiscal da ordem jurídica, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria propostas por outros legitimados.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses (quais sejam, de propositura de ações coletivas e atuação como fiscal da lei nas ações civis públicas propostas por outros legitimados), que digam respeito, portanto, à atuação ministerial como órgão interveniente em outros processos, são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente.

Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

A ação popular e a ação civil pública são remédios jurídico-processuais paralelos que se destinam, lato sensu, ao combate de atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente (arts. 5º, LXXIII e 129, III, Constituição Federal). Enquanto naquela o Ministério Público atua como custos iuris (tendo legitimidade ativa ulterior supletiva e condicionada ut art. 9º da Lei n. 4.717/65), nesta é um dos colegitimados ativos embora possa atuar como fiscal da ordem jurídica. No caso presente, não notícia da promoção de ação civil pública a despertar os fenômenos da conexão ou da continência.

Analisada a divisão de atribuições da Promotoria de Justiça de Bauru – devidamente homologada pela instância competente – verifica-se que não foi confiada ao Promotor de Justiça com atribuição especializada a intervenção em ação popular tanto no domínio do meio ambiente quanto na esfera das demais áreas de interesses difusos e coletivos (habitação e urbanismo, patrimônio público, por exemplo) que têm habilitação para tutela também pela via da ação popular.

Ao contrário, sendo a ação popular concebida ontologicamente, para fins processuais, como feito cível, a atuação do Ministério Público é ordenada pela regra que vincula a atribuição ao juízo respectivo.

Essa exegese, calcada na análise sistemática e finalista, seria suficiente para justificar a conclusão no sentido de que a fixação da atribuição do suscitante, em ato normativo, para a defesa do meio ambiente e habitação e urbanismo, não tendo mencionado expressamente a atuação como custos iuris em ações populares, não engloba tal atribuição.

Em outros termos, sem que tenha sido formulada no ato de divisão de serviços a especificação, a atuação em ações populares na condição de fiscal da ordem jurídica, a hipótese recai na regra geral, pela qual cabe ao órgão de execução vinculado à Vara Judicial manifestar-se nos “feitos cíveis” que nela tramitem.

Essa é uma manifestação, contrario sensu, da regra de hermenêutica pela qual “lex specialis derrogat generalis: se não há previsão específica, prevalece a regra geral.

Assim, se a atribuição especializada está relacionada, como ensina a experiência comum, à atuação do Promotor de Justiça como autor de ações coletivas, ou à atuação como fiscal da ordem jurídica em ações civis públicas, a inclusão de outras atribuições dependeria de previsão expressa.

Essa lógica foi admitida pela própria Lei Orgânica Estadual do Ministério Público. Note-se que de acordo com o art. 296, caput, da Lei Complementar Estadual nº 734/93, foi estabelecido que aos cargos criminais e cíveis são atribuídas todas as funções relativas à sua área de atuação, salvo as que disserem respeito a cargos especializados.

A analogia também favorece essa solução.

Na Lei Complementar n. 734/93, há previsão específica de atribuições das Promotorias de Justiça especializadas na Comarca da Capital. No art. 295, inciso VIII, está prevista a função do Promotor de Justiça de Mandados de Segurança para “mandados de segurança, ações populares, ‘habeas data’ e mandados de injunção ajuizados na primeira instância”; enquanto no art. 295, incisos VI e X está prevista a função do Promotor de Justiça do Meio Ambiente para “defesa dos interesses difusos ou coletivos relacionados com o meio ambiente e outros valores artísticos, históricos, estéticos, turísticos e paisagísticos” e do Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo para “defesa de interesses difusos ou coletivos nas relações jurídicas relativas a desmembramento, loteamento e uso do solo para fins urbanos”.

É nítido que o inciso VIII do art. 295 subtrai dos incisos VI e X a intervenção em ação popular destacando o exercício da função em razão da natureza da lide e de sua posição processual.

Por essa razão, a atribuição para oficiar no feito cabe ao suscitado.

 3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Bauru, oficiar no feito, em seus ulteriores termos, intervindo como fiscal da ordem jurídica.

Publique-se a ementa. Comuniquem-se os interessados. Registre-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição digital dos autos.

Remeta-se a cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 13 de maio de 2.019.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

psv