Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 3013/2011

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, com atribuições na área de meio ambiente. Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, com atribuições na área de habitação e urbanismo.

2) Em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção, por ser a que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial. Inteligência do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93.

3) Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado prosseguir no feito.

Vistos,

1) Relatório

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, com atribuições na área de meio ambiente, e como suscitado o 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, com atribuições na área de habitação e urbanismo.

Verifica-se dos autos que a organização não-governamental SERRA – Sociedade Pró Educação, Resgate e Recuperação Ambiental encaminhou representação à Promotoria de Justiça de Campos do Jordão para investigação do Loteamento “Alpes de Campos do Jordão”, que nunca teria sido implantado, e apresentaria infração aos ditames urbanísticos e ambientais. O loteamento foi registrado em 1977, sendo a representação encaminhada em abril de 2003.

Após ser devidamente instruído, o membro do Ministério Público de Campos do Jordão, com atribuição na área de habitação e urbanismo (1º PJ), concluiu que o loteamento é regular, pois anterior à Lei n. 6.766/79. Determinou, então, a remessa dos autos ao 2º Promotor de Justiça, com atribuições na área de meio ambiente, para manifestação sobre os possíveis danos ambientais apontados em laudo do DEPRN (fls. 914/918.

Ao receber os autos, o 2º Promotor de Justiça vislumbrou a existência de arquivamento parcial na manifestação do 1º Promotor de Justiça, determinando a remessa dos autos ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público (fls. 920).

A ilustre Procuradora de Justiça, subscritora da determinação de fls. 922/923, diante da inexistência de arquivamento e da delimitação do objeto da investigação, restituiu os autos à promotoria de origem para eventual providência (prosseguir das investigações ou suscitar conflito de interesses).

Ocorre, porém, que o Promotor de Justiça Ambiental, em nova manifestação (fls. 926/929), declinou de sua atribuição, uma vez que, segundo seu entendimento, o dano ao meio ambiente apurado nestes autos está relacionado ao parcelamento irregular do solo, afirmando tratar-se de loteamento irregular à luz do disposto no art. 1º, § 1º, do Decreto-lei 58/37m, que exige a aprovação da autoridade florestal para a implantação do loteamento. Por isso, suscitou o conflito de atribuições, remetendo os autos à Procuradoria-Geral de Justiça.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

A complexidade dos interesses transindividuais faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução:

 (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º);

(b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º);

(c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se, como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

Registre-se que não houve promoção de arquivamento dos autos em relação à eventual regularidade do empreendimento. Caso houvesse o arquivamento, seguido da homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público, estaria afastada a questão da eventual ocorrência da irregularidade do loteamento.

Todavia, não houve promoção de arquivamento e o feito foi instaurado para apurar infrações à ordem urbanística e ambiental.

Ademais, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supra-individuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências cabíveis. Sendo assim, a atribuição é do DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, com atribuições na área de habitação e urbanismo.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Publique-se a ementa. Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 10 de janeiro de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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