Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 3.032/18

(Ref. SIS MP 43.161.0000939/2017-6)

Suscitante: 1ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitada: 4ª Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital

 

 

 

Ementa:

1)    Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital; Suscitada: 4ª Promotora de Justiça do Consumidor da Capital.

2)    Notícia de lançamento e comercialização de loteamentos em 22 cidades paulistas sem a conclusão dos empreendimentos com dano patrimonial aos consumidores adquirentes, além de possível esvaziamento do patrimônio do respectivo grupo empresarial. Inexistência, até o momento, de notícia acerca de eventual lesão à ordem urbanística, limitando-se a representação a informar o não adimplemento por parte do grupo empresarial responsável pelos empreendimentos. Atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor.

3)    Conflito conhecido e dirimido, cabendo à suscitada (4º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital) prosseguir na investigação e adotar as medidas pertinentes.

1)    Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 1ª Promotora de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital e como suscitada a 4ª Promotora de Justiça do Consumidor da Capital, relativamente ao feito em epígrafe (SIS MP 43.0161.0000939/2017-6).

Cuida-se de representação oferecida por Carlos Henrique Bastos da Silva e outro, na qual noticia supostas irregularidades praticada por Urbplan Desenvolvimento Urbano S.A. (atual denominação de Scopel Desenvolvimento Urbano S.A.); The Carlyle Group L.P.; André Machado Mastrobuono; Andre Luis Reis Dima Domingos; Raphael Filizola; BRL Partners Fundo de Investimento em Direitos Crediotórios Não Padronizados; RE Brasil Empreendimentos Imobiliários e RE RGS Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Narram os representantes que a Urbplan lançou e vendeu loteamentos em 22 cidades do Estado de São Paulo e, sob o controle do Grupo Carlyle, deixou de entregar milhares de lotes, sendo certo que alguns deles deveriam ter sido concluídos em 2012. Afirmam os representantes que, não obstante o não adimplemento dos lotes aos consumidores, operou-se esvaziamento patrimonial da Urbplan, visando proteger os ativos da empresa de enorme passivo consumerista.

A Promotoria de Justiça do Consumidor remeteu os autos à Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo sob o fundamento de que “a questão principal é o prejuízo causado aos consumidores de lotes oferecidos pelos primeiros representados, fazendo valer lei de Parcelamento do solo (Lei 6.766/79), no artigo 47, cuja diretriz traz a responsabilização do loteador e o grupo econômico ou “financeiro que integrar, qualquer pessoa física ou jurídica desse grupo...” (fls. 03/05). Afirmou, ainda, aplicar-se a regra da especialização.

A Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital suscitou o presente conflito de atribuições sob o fundamento de que “não consta da representação elementos referentes à existência de loteamento irregular ou clandestino na cidade de São Paulo, mas sim referente à não entrega dos lotes vendidos a diversas famílias que adquiriram lotes em empreendimentos da Urbplan (...) Dessa forma, como acima já explanado, não consta da representação elementos referentes à existência de loteamento irregular ou clandestino na cidade de São Paulo” .

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

A definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

A atuação do Ministério Público na área da Habitação e Urbanismo, nos termos dos artigos 453 e seguintes do Manual de Atuação Funcional, tem como vetor a defesa da ordem urbanística, que nos casos de parcelamento do solo se dá mediante a verificação da aprovação do loteamento, obtenção de licenças ambientais, registro no Cartório de Imóveis, dentre outras providências.

A representação em análise noticiou supostas práticas irregulares pelo Grupo Urbplan, consistente na venda e não entrega de diversos loteamentos por todo o Estado de São Paulo, além de esvaziamento patrimonial como forma de proteção em face do passivo consumerista.

Não há, até o momento, notícia de que se trataria de loteamentos irregulares ou clandestinos, ou mesmo de possível descumprimento das demais normas afetas à ordem urbanística e desenvolvimento urbano.

A questão central cinge-se a suposto não adimplemento, em razão da não entrega de bens imóveis aos consumidores adquirentes, apto a configurar dano patrimonial difuso. O Código de Defesa do Consumidor assim dispõe:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

(...)

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços

(...)

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

(...)

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

(...)

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

        I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

        II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

        III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.”

 

Portanto, tendo em vista que a representação está jungida à suposta prática abusiva em face dos adquirentes, consistente em descumprimento contratual relativo à entrega de empreendimentos por todo o Estado de São Paulo, conclui-se que a atribuição é da Promotoria de Justiça do Consumidor.

A conclusão quanto à atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor é reforçada pela notícia de suposto esvaziamento patrimonial do Grupo Urbplan, pois tal prática abusiva, além de não vinculada à eventual dano urbanístico, potencializa a perspectiva de lesão aos consumidores adquirentes.

Registre-se, por fim, que se caso no decorrer das investigações surjam notícias ou evidências quanto a eventual dano à ordem urbanística em determinado loteamento ou empreendimento, por se tratar de questão estranha ao objeto da presente representação, deverão ser encaminhadas cópias à Promotoria de Justiça com atribuição para as providências cabíveis.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, DD. 4a Promotora de Justiça do Consumidor da Capital a atribuição para oficiar no presente feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Em vista da solicitação de medidas urgentes pelo representante (fls. 68), cumpra-se com urgência, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 29 de janeiro de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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