Conflito de Atribuições - Cível

 

Protocolado nº 33.427/09

(PJ-Guarulhos 14.0155.0000063/08.5)

Suscitante: 29º Promotor de Justiça de Guarulhos

Suscitado: Procurador da República em Guarulhos

 

 

Ementa: 1) Conflito negativo de atribuições. 29º Promotor de Justiça de Guarulhos (suscitante) e Procurador da República em Guarulhos (suscitado).

2) Inquérito civil instaurado para apurar ocupação irregular em área urbana privada, em razão de potenciais danos ao meio ambiente urbano e à ordem urbanística. Verificação posterior de ser empresa pública (BNDES) a titular do domínio do imóvel. Remessa ao Ministério Público Federal por vislumbrar-se provável ajuizamento de ação civil pública, perante a Justiça Federal ante o disposto no inc. I, do art. 109, da Constituição. Devolução ao Ministério Público Estadual, ante o entendimento de não haver interesse do BNDES e, via de conseqüência, atribuição do MPF.

3) Conhecimento do conflito. Hipótese em que, se tratando de conflito entre Ministérios Públicos, cabe ao Procurador-Geral de Justiça acolher ou não a representação para instauração do conflito, a ser apreciado pelo E. STF.

4) Precedentes do E. STJ, determinando caber à Justiça Estadual a competência para processar e julgar ação em até que o ente federal manifeste interesse no feito.

5) Peculiaridades do caso. Natureza dos bens jurídicos atingidos a indicar que a investigação deve continuar com o Ministério Público Estadual, ante a ausência de interesse da União ou do BNDES, até o momento. Competência da Justiça Estadual. Atribuição do Ministério Público Estadual.

6) Representação para instauração do conflito conhecida, porém indeferida. Determinação de remessa dos autos à Promotoria de Justiça suscitante, para prosseguimento das investigações, e, ao final, eventual propositura da ação civil perante a Justiça Estadual, ou, fundamentadamente, promoção de arquivamento.

Vistos,

1) Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 29ª Promotor de Justiça de Guarulhos, e como suscitado o DD. Procurador da República em Guarulhos.

O procedimento foi instaurado em razão de representação (fls. 2/3) encaminhada ao Ministério Público de Guarulhos, noticiando a ocupação de área pertencente à massa falida de Hatsuta Industrial S/A e o BNDES que “...ao que consta, este último assumiu a propriedade da mesma.” (fl. 2).

Instaurado o Inquérito Civil que tomou o nº 54/08, diversas diligências foram realizadas, culminando com a oitiva do síndico da massa falida de Hatsuta Industrial S/A, tendo narrado que a área foi arrematada pelo BNDES antes da quebra, motivo pelo qual não foi arrecadado. Disse ainda que foi tentada a reversão do negócio, sem sucesso.

Ante isso, os autos do inquérito civil foram encaminhados à Procuradoria da República em Guarulhos, tendo em conta que o imóvel pertence ao BNDES e eventual ação deveria ser proposta perante a Justiça Federal, por força do disposto no art. 109, inc. I da Constituição.

Por força despacho que está juntado ás fls. 293/296, foram os autos restituídos ao Ministério Público Estadual, sob o fundamento de que a matéria tratada é urbanística, competindo à Prefeitura Municipal de Guarulhos a reurbanização do local, sendo certo que eventual reintegração de posse é da alçada do BNDES, por seus advogados. Concluiu determinando a extração de cópia integral dos autos e remessa ao BNDES, para providências cabíveis, bem como a restituição do original ao Suscitante.

Em arrazoado que está juntado ás fls. 298/302, o Suscitante encaminha os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, solicitando seja suscitado o conflito negativo de atribuições junto ao Supremo Tribunal Federal. Afirma que “Dessa forma, considerando que a ação civil pública cabível na presente espécie deve ser ajuizada não só contra a Prefeitura Municipal de Guarulhos, mas também contra o proprietário da área onde se instalou a ocupação clandestina do solo; considerando que o proprietário da área é empresa pública federal, que, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, só pode ser processado perante a Justiça Federal; considerando, por fim, que a competência da Justiça Federal é especial e atrai o processamento e julgamento de outras pessoas jurídicas que não as arroladas no art. 109 da Constituição Federal em casos de litisconsórcio, não vejo como justificar a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo par a atuação no feito e afastar a atribuição da Procuradoria da República em Guarulhos.” (fl. 301).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

         Inicialmente é de se ressaltado que, como anota a doutrina, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

No caso concreto examinado, o ilustre 29º Promotor de Justiça de Guarulhos se nega a oficiar no inquérito civil, o mesmo fazendo o Procurador da República em Guarulhos. Sendo assim, ainda que sejam integrantes de Ministérios Públicos distintos, configurado está o conflito de atribuições, com a peculiaridade de que não cabe ao Procurador-Geral de Justiça resolvê-lo, mas tão somente suscitar o conflito ao Supremo Tribunal Federal.

No que diz respeito à matéria de fundo, nota-se que a controvérsia se concentra na competência da Justiça Federal, para processar e julgar eventual ação civil pública, com a conseqüente atribuição do Ministério Público Federal para o inquérito civil.

De fato, a Procuradoria-Geral de Justiça vem suscitando conflitos de atribuições perante o Supremo Tribunal Federal, nos casos em que há interesse das sociedades de economia mista e o MPF encaminha o inquérito civil para o Ministério Público do Estado, sustentando que o inciso I do artigo 109 da Constituição não prevê o foro especial, para aquelas. Obviamente que se tratando de empresa pública, por mais razão, pouca dúvida suscitaria.

É que, se tratando de empresa pública, nítida a previsão constitucional, ressaltando-se que em relação ao caso examinado, a natureza jurídica do BNDES fica aceita como citada nos autos, no que coincidente com as informações do sítio da entidade na WEB.

Todavia, o que deve ser questionado é se a ação civil pública, a ser eventualmente proposta, teria mesmo de ter o BNDES no pólo passivo? Por outra, tratando-se nitidamente de matéria relacionada à ordem urbana ou ao meio ambiente urbano, envolvendo principalmente a Municipalidade de Guarulhos, haveria obrigação jurídica de incluir o BNDES no pólo passivo da ação civil pública?

A resposta nos parece negativa e isso é determinante para o deslinde do caso examinado. Com efeito, não se discute que o melhor caminho seria o do próprio BNDES, ao que consta o proprietário da área, encarregar-se da reintegração de posse do imóvel.

Todavia, também é possível aventar a hipótese de propositura da ação em face apenas da Municipalidade, vez que sua omissão no dever de fiscalizar a observância das posturas urbanísticas municipais propiciou, em última análise, a ocupação e consolidação do aglomerado urbano. Aliás, é dos autos que a Municipalidade já atuou no caso, ajudando na consolidação da ocupação, seja através do SAAE (fl. 229) ou das suas próprias Secretarias (fls. 227 e seguintes).

Ademais, há notícia sobre negociações visando a desapropriação da área pela Municipalidade, ou acordo com o BNDES (fl. 209/219), tudo revelando que a melhor alternativa é a permanência no âmbito do Ministério Público do Estado, nada impedindo que com a propositura da ação civil pública, se for o caso de ficar mais claro o interesse do BNDES, sejam os autos remetidos à Justiça Federal, nos termos do que já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 793/SC, relatado pelo Min. ATHOS CARNEIRO, da Segunda Seção, julgado em 26 de setembro de 1990, publicado no Diário da Justiça de 22 de outubro de 1990, pág. 11.649, assim ementado:

“CONFLITO DE COMPETENCIA. EMPRESA PUBLICA FEDERAL - BNDES. ALEGAÇÃO DE LITISCONSORCIO NECESSARIO. ANTES DE CITADO O APONTADO LITISCONSORTE, E DE MANIFESTAR O MESMO INTERESSE NA DEMANDA, COMPETENTE PARA O PROCESSO E A JUSTIÇA ESTADUAL.”

No mesmo sentido o Conflito de Competência nº 792/SC, relatado pelo Min. CLÁUDIO SANTOS, da Segunda Seção, julgado em 28 de março de 1990 e publicado no Diário da Justiça de 16 de abril de 1990, pág. 2.862, cuja ementa está assim vazada:

CONFLITO DE COMPETENCIA. EMPRESA PUBLICA FEDERAL. DESINTERESSE. NÃO MANIFESTANDO INTERESSE NA CAUSA O BNDES A COMPETENCIA PARA O JULGAMENTO DO FEITO E DA JUSTIÇA ESTADUAL.

Como por ora não vislumbramos com clareza o interesse da empresa pública federal, a ponto de justificar a fixação da competência da Justiça Federal (art. 109, inc. I da Constituição) e, via de conseqüência, a atribuição do Ministério Público Federal, mostrando-se conveniente a continuação das investigações pelo Ministério Público Estadual até seus ulteriores trâmites.

Finalmente, é oportuno ressaltar que na hipótese do conflito de atribuições se apresentar, de forma potencial, entre membros de Ministérios Públicos diversos, a divergência alcança a esfera institucional. Nessa situação, a deliberação final para encaminhamento ou não dos autos ao Supremo Tribunal Federal é da alçada da Chefia da Instituição.

3) Decisão.

Diante do exposto, conheço do encaminhamento dos autos como representação, para fins de instauração de conflito negativo de atribuições entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal.

Entretanto, indefiro a representação, reconhecendo que a atribuição para investigação, bem como para eventual propositura de ação civil pública, perante a Justiça Estadual, é do Ministério Público Estadual.

Providencie-se a restituição dos autos à Promotoria de Justiça de origem, à qual caberá concluir a investigação, decidindo pela propositura da ação, ou então, fundamentadamente, pelo arquivamento.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 4 de maio de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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