Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 3.915/11

Suscitante: 1ª Promotora de Justiça de Suzano (Habitação e Urbanismo)

Suscitada: 4ª Promotora de Justiça de Suzano (Consumidor)

 

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 1ª Promotora de Justiça de Suzano (Habitação e Urbanismo - suscitante) e 4ª Promotora de Justiça de Suzano (Consumidor- suscitada).

2)     Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

3)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da 4ª Promotora de Justiça de Suzano (suscitada).

 

Vistos.

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 1ª Promotora de Justiça de Suzano (habitação e urbanismo) e como suscitada a DD. 4º Promotora de Justiça de Suzano (consumidor).

Ao que consta, a Polícia Militar do Estado de São Paulo encaminhou à Promotoria de Justiça de Suzano o Ofício n. 32 BPMM-245/130/10, noticiando a ocorrência de brigas e tumultos na casa noturna “Confraria Brasileira” (fls. 10/11). De acordo com a representação, os responsáveis pela segurança do estabelecimento costumeiramente se valem de força física para retirar do local frequentadores descontentes com o consumo inserido nas comandas fornecidas para o registro de gasto na casa noturna.

Recebido o ofício, o Promotor de Justiça Secretário determinou sua remessa à 4ª Promotora de Justiça de Suzano, com atribuição na área do consumidor, a qual, por sua vez, esclareceu que os reflexos criminais da conduta dos seguranças do estabelecimento já estão sendo apurados em esfera própria. Acrescentou, ainda, que na área de proteção a supostos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, os danos se restringiriam ao plano individual. Por entrever interesse na área da habitação e urbanismo, sobretudo no que toca ao descumprimento do Código de Posturas Municipais, a 4ª Promotora de Justiça de Justiça de Suzano determinou a remessa dos autos à 1ª Promotora de Justiça de Suzano, com atribuição na esfera da habitação e urbanismo.

Ocorre que a 1ª Promotora de Justiça de Suzano suscitou o presente conflito negativo de atribuições, ao afirmar que “o fato de se pleitear que o estabelecimento seja interditado não significa de forma imediata que a atribuição para atuar seja da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo, sendo necessário se identificar que o objeto da demanda é exatamente os excessos ilegais praticados pelos seguranças aos consumidores do local, o que nos parece reunir elementos de ordem criminal e de direitos do consumidor” (fls. 04).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

Na hipótese dos autos, afirmou-se que os reflexos criminais de supostas atitudes ilícitas dos funcionários do estabelecimento estão sendo tomadas em sede própria. No que toca aos direitos supraindividuais, assiste razão à suscitante ao afastar sua atribuição, à medida que eventual pedido de interdição do estabelecimento – se o caso – não implica, por si só, deslocamento da atribuição para a área da habitação e urbanismo. Em uma primeira abordagem, mesmo que não se mostre claro o interesse de grupo a justificar a intervenção do Ministério Público, sobreleva reconhecer que o conflito jurídico subjacente aponta com mais propriedade para a esfera do consumidor à da habitação e urbanismo.

Ademais, aliado ao interesse jurídico subjacente, acrescente-se que melhor se afigura atribuir à suscitada a atribuição para funcionar no feito por conta do critério da prevenção. Remarque-se que a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Assim, pondere-se que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

O critério da prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral, bem como à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais.

Deste modo, havendo no caso concreto – em tese - interesses relacionados a mais de uma área de atuação em questões supra-individuais que têm abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, 4º Promotora de Justiça de Suzano, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 03 de fevereiro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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