Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0039352/16

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área da Saúde Pública)

 

 

 

Ementa:

 

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área da Saúde).

2.      Representação do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de São Vicente instruída com cópias da ação de indenização por dano moral (1000324-27.2015.8.26.0590), que apura vício na qualidade do serviço prestado pelo Hospital Privado Ana Costa, por falta de ortopedista no Pronto Socorro referido.

3.       Sobreposição de atribuições de órgãos ministeriais de execução em relação às multifárias possíveis repercussões, em mais de uma área especializada de atuação, do mesmo fato. Solução do conflito com lastro prevalência dos aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Consumidor, mesmo porque não havendo elementos indicativos e concretos de eventual risco a vida e saúde dos pacientes, embora se trate de questão subjacente, paralela ou emergente.

4.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado: 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor).

 

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor)  e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de São Vicente ( com atribuições na área da Saúde), em face de Representação  do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de São Vicente instruída com cópias da ação de indenização por dano moral (1000324-27.2015.8.26.0590),  que apura vício na qualidade do serviço prestado pelo Hospital Ana Costa, por falta de ortopedista no Pronto Socorro referido.

 

Verifica-se que em autos de ação de indenização por danos morais apurou-se que o Pronto-Socorro do Hospital Ana Costa em São Vicente não conta, em seus quadros, com médico ortopedista no plantão, violando a Resolução do Conselho Federal de Medicina.

A representação, inicialmente dirigida ao 2º Promotor de Justiça de São Vicente,  o qual vislumbrou ser o caso de falha na prestação de serviço afetos à área do Consumidor, nos termos do artigo 3°, §2 °, do CDC, incidindo na hipótese do artigo 421 do Ato Normativo n. 675/2010 – PGJ/CGPM, apontando que o caso deveria ser analisado pelo Promotor de Justiça do Consumidor, competente para tanto.

Ao receber a representação que lhe foi encaminhada, o 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor)  suscitou o presente conflito negativo, sustentando que, em regra geral, a defesa de interesses metaindividuais “relacionados à saúde” insere-se dentre as atribuições da Promotoria do Consumidor, exceto quando tratar-se de investigações relacionadas a “qualidade e eficiência dos serviços privados prestados pelos hospitais...que coloquem em risco à saúde” sendo assim, caso de atribuição à Promotoria da Saúde Pública.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, verifica-se que, por tratar-se de Hospital Privado, fica evidente em primeiro plano, irregularidades afetas à seara do Consumidor.

Cogitou-se de eventual exposição de risco a vida e saúde dos pacientes em virtude da falta de profissional para atuar na área de ortopedia do Pronto-Socorro, fato que atribuiria competência a Promotoria da Área da Saúde.

Ocorre, que a questão em tela, ainda que deflagre eventuais riscos aos pacientes do local, consiste em caso evidente de desrespeito ao consumidor, já que se trata de Hospital particular que não estaria prestando serviços de acordo com as regras próprias.

Assim exposto, deve prosseguir na investigação o Suscitado: 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor), por força da especialização.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitante, Suscitada: 3º Promotor de Justiça de São Vicente (atribuições na área do Consumidor), a atribuição para apuração do fato.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 30 de maio de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça