Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
PJPP-CAP n. 1466/2009
Suscitante:
8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social
Suscitado:
2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social
Ementa:
1. Conflito
negativo de atribuições. Suscitante: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social.
Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social.
2. Prevenção: inteligência do §
3º do art. 114 da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993
(Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo). Quando todas
as atribuições são igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que por
primeiro oficiar no processo ou procedimento, ou a seu substituto legal,
exercer todas as funções de Ministério Público.
3. Regra
da máxima eficácia na atuação ministerial. Distinção entre incompatibilidade de órgão e incompatibilidade de
membro. O reconhecimento da
prevenção ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social não
acarretará ofensa à liberdade de convicção de membro do Ministério Público, à
medida que outro Promotor de Justiça responde atualmente pelo cargo.
4. Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.
Vistos,
1)Relatório.
Trata-se de conflito
negativo de atribuições, figurando como suscitante o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, e como
suscitado o 2º Promotor de Justiça do
Patrimônio Público e Social.
Afirma o
suscitante que o suscitado está prevento para exercer a presidência do
procedimento relacionado à apuração de possível conivência ou omissão da
Administração Municipal no tocante à fiscalização de empresas que estariam
cobrando irregularmente taxa condominial dos empreendimentos Parque dos
Príncipes e Jardim das Vertentes (PJPP-CAP n. 1466/2009).
É
o relato do essencial.
2)Fundamentação.
A
doutrina anota que se configura o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado
ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que
deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério
Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196. g.n.).
Em
outros termos, conflitos de atribuições configuram-se in concreto, jamais in
abstracto, quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução
do Ministério Público “(a) dois ou mais
deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições,
em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro
negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha
recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
Embora
os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional,
o que lhes isenta de qualquer injunção de órgãos da administração superior
quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados
aos órgãos superiores. E estes, no plano estritamente administrativo, possuem,
com relação àqueles, poderes que caracterizam a administração pública: poder
hierárquico, disciplinar, regulamentar etc.
Como
anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a
autoridade administrativa superior para “distribuir
e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus
agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu
quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e
corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração
Pública” (Direito Administrativo
Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda,
a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p.
421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito
Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.
O
reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano
estritamente administrativo, é assente inclusive no direito comparado,
anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia
estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na
medida em que “questo vincolo, fondandosi
su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire
amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa
che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo
dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII,
Milano, Giuffre, 1969, p. 626).
Do
mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a
existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos,
de um “potere di risoluzione di conflitti
tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività
degli stessi” (Diritto Amministrativo,
v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).
O reconhecimento
da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita
com o princípio da independência funcional: os Promotores de Justiça são
independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações
processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de
qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa
atuação.
Em
outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público
atuar, mas pode e deve dizer se deve
ou não atuar, e qual o membro ou
órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.
No
caso em análise, impende saber se há ou não prevenção a vincular a atuação do 2º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social.
Colhe-se
dos autos que este expediente foi encaminhado à Promotoria de Justiça do
Patrimônio Público e Social por determinação do Conselho Superior do Ministério
Público. Com efeito, em reunião realizada no dia 27 de outubro de 2009, converteu-se o julgamento de arquivamento de
inquérito civil em diligências (PT n.
84.781/09 – n. de origem: 43.279.106/09), a fim de que – entre outras
deliberações – fossem remetidas cópias à Promotoria de Defesa do Patrimônio
Público da Capital, “para verificação de
conivência ou omissão da Administração Municipal (providência não realizada,
quando do anterior encaminhamento)”(fls. 1319).
Recebidos
os autos, o 9º Promotor de Justiça do
Patrimônio Público e Social da Capital, exercendo as funções de Secretário-Executivo, encaminhou o
procedimento ao 2º Promotor de Justiça
do Patrimônio Público e Social, sob a justificativa de que o expediente
guardaria semelhança com o objeto da PJPP/CAP n. 051/2009 (fls. 02).
O 2º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social, por sua vez, asseverou que o PJPP-CAP 51/2009 foi
remetido à Promotoria de Habitação e Urbanismo e, por isso, deveria retornar à
Secretaria para livre distribuição (fls. 2, v.). Autorizada a distribuição, os
autos foram encaminhados ao 8º Promotor
de Justiça do Patrimônio Público e Social (fls. 1326), que, por sua vez,
suscitou o conflito (fls.1328/1332).
Registre-se
que, de fato, há prevenção.
No
dia 30 de janeiro de 2009, o
Promotor de Justiça Secretário-Executivo da Promotoria de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital distribuiu o PJPP-CAP 51/2009 ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social (fls. 153).
A
manifestação de fls. 158/160 não tem o condão de afastar a prevenção do 2º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social. Com razão, notou o suscitante que “em termos de
atribuições da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público, nada se alterou
desde o primeiro momento em que aqui aportaram os documentos. Quando muito se
enriqueceram com o acrescentar de informações”(fls. 133).
Faz-se
oportuno registrar que o § 3º do art. 114 da Lei Complementar Estadual n. 734,
de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica
do Ministério Público do Estado de São Paulo) dispõe que “sendo todas as
atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que por primeiro oficiar no processo ou
procedimento, ou a seu substituto legal, exercer todas as funções de
Ministério Público”.
Por
sua vez, o art. 11 da Resolução n. 23, de 17 de setembro de 2007, do Conselho
Nacional do Ministério Público, responsável por disciplinar, no âmbito do
Ministério Público, a instauração e tramitação do inquérito civil, dispõe:
“Não oficiará nos autos do inquérito civil, do procedimento preparatório
ou da ação civil pública o órgão responsável pela promoção de arquivamento não
homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público ou pela Câmara de
Coordenação e Revisão”.
Muito embora não tenha havido promoção de arquivamento pelo 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, houve manifestação no sentido de que a matéria versada nestes autos seria de natureza urbanística. Poder-se-ia, em um primeiro momento, entender que a presidência das investigações deste procedimento deveria ser conduzida por outro membro do Ministério Público, pois não caberia determinar ao 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social a apuração de um fato do qual ele próprio entendeu não constituir infração a qualquer interesse que lhe incumba proteger. Assim, para preservar a máxima eficácia na atuação ministerial, deveria ser designado outro promotor de justiça para presidir o inquérito civil.
Com efeito, se o promotor já se posicionou contrariamente à atuação por parte do Ministério Público, não seria razoável que a Procuradoria-Geral de Justiça o compelisse a atuar, pois sua combatividade estaria comprometida.
Todavia,
há que distinguir-se cuidadosamente a incompatibilidade do órgão da incompatibilidade do membro.
Ao que consta, o DD. Promotor de Justiça responsável pela manifestação de fls.
158/160 não mais responde pelo cargo de 2º
Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social. Logo, reconhecer a prevenção do 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social para oficiar
nos autos não acarretará ofensa à liberdade de convicção de membro do
Ministério Público, à medida que outro Promotor de Justiça responde atualmente
pelo cargo.
Com
propriedade ponderou o suscitante:
“Para o caso concreto, a remessa inicial para a Promotoria de Habitação e Urbanismo significou dizer que o Promotor Natural não vislumbrou objeto de atribuição da Promotoria do Patrimônio Público. A partir da atuação do órgão revisor (Conselho Superior) e verificado que objeto existia que comportasse atuação desta Promotoria do Patrimônio Público (como a fl. 1318), por óbvio retornam os autos ao mesmo cargo, posto que está prevento.
“Quando muito, respeitando a convicção individual, cabe atuação do substituto automático, entretanto, o signatário de fls. 160 não mais ocupa o cargo de 2º PJ e sim de 5º PJ, estando a 2ª Promotoria de Justiça a cargo do titular signatário de fls. 02 verso”(fls. 1330/1331).
Por tudo isto se conclui que o 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social deverá prosseguir na investigação, à luz do que preceitua o § 3º do art. 114 da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo).
3)Decisão.
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 19 de janeiro de
2010.
Fernando Grella
Vieira
Procurador-Geral
de Justiça
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