Conflito
de Atribuições – Cível
Protocolado nº 46698/17
Suscitante: 6º Promotora de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital
Suscitado: 1º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital
Ementa:
1.
Conflito negativo de atribuições. 6º Promotor de
Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 1º Promotor de
Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).
2.
Inquérito civil instaurado para
apurar cobrança de propina na Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo,
especificamente no setor de fiscalização de pagamentos de imposto sobre
serviços. A opção da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da
Capital pelo desmembramento já foi adotada, não sendo o caso, agora, de rever
tal posicionamento, sob pena de grave insegurança e prejuízo às investigações.
Ademais, conforme afirma o suscitante, não houve anterior desmembramento do
Inquérito Civil n. 893/2013 a respeito do agente A. F. C., fato posteriormente
conhecido. Assim, de rigor, que a investigação prossiga sob a presidência do
suscitado. Conexão afastada.
3.
Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 1º
Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado) para
continuar na apuração do inquérito civil.
Vistos,
1) Relatório.
Instaurou-se o inquérito civil n.
263/2015 para apurar cobrança de propina na Secretaria Municipal de Finanças de
São Paulo, especificamente no setor de fiscalização de pagamentos de imposto
sobre serviços. Figuram como representados SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO,
GRUPO MAC-CYRELLA E ALOÍSIO FERRAZ DE CAMARGO.
Conforme manifestação de fls. 65/72,
o 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital determinou a
remessa dos autos ao 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da
Capital a fim de que a investigação seguisse em conjunto com o inquérito civil
n. 893/2013.
Afirmou o suscitado que lhe foram
distribuídos os inquéritos civis ns. 174 e 358/2014, concernentes à apuração do
pagamento de propinas aos fiscais Luis
Alexandre Cardoso Magalhães, Eduardo Horle Barcellos, Carlos Augusto de Lallo
Leite do Amaral e Ronilson Bezerra,
referentes à construtora MAC-CYRELLA, e que posteriormente houve a
redistribuição do IC 263/2015, no qual se apurava a atuação do auditor fiscal Aloísio Ferraz de Camargo, em conluio
com os demais agentes acima nomeados, sendo aquele o intermediário do
recebimento de propina referente às obras da MAC-CYRELLA.
Nesse sentido, obtempera que o 6º
Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital tem sob sua
presidência investigações e demandas judiciais relativas às condutas de
exigência de vantagem indevida praticadas contra a empresa Mac-Cyrella nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modus operandi quanto aos agentes
investigados. Destarte, conclui que há conexão probatória indissociável pela
prevenção.
O membro do Ministério Público
suscitante arguiu, em síntese, que o caso “máfia dos fiscais” já foi apreciado
no protocolado n. 25.625/2014 e que, em nenhum momento, foi apreciada a participação
de Mac-Cyrela ou de Aloisio Ferraz de Camargo na presente
investigação; asseverou ainda que não houve anterior desmembramento do
denominado “inquérito mãe” (Inquérito Civil n. 893/2013) a respeito do agente
Aloisio Ferraz de Camargo, fato posteriormente conhecido. Finaliza por assentar
que quer o fato criminoso, quer suas repercussões civis, são diversas do objeto
tratado no IC 893/2013 (fls. 73 e seguintes).
É o relato do essencial.
2. Fundamentação.
É possível afirmar que o conflito
negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina
especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado
ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá
atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério
Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo
jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos
próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece
critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo
Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava
implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo,
funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado,
na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Pois bem.
Verifica-se que chegou à
Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital a notícia de
que determinados fiscais do Município teriam exigido vantagens ilícitas de
empresas responsáveis por empreendimentos existentes na cidade de São Paulo. A
informação sobre a prática dos atos ilícitos evidenciou, ainda, que essa
conduta, por parte dos referidos fiscais, teria sido praticada por largo espaço
de tempo, envolvendo diversas empresas e diversos empreendimentos, em centenas
de oportunidades distintas.
Foi então instaurado o Inquérito Civil nº 893/2013 no qual o
então 6º Promotor de Justiça do
Patrimônio Público e Social da Capital em exercício proferiu despacho,
determinando o desmembramento da investigação em função tanto das empresas que
teriam efetuado o pagamento da vantagem ilícita aos fiscais, como em função da
diversidade de empreendimento em que isso teria ocorrido.
Assim é que em 16 de dezembro de 2013, promoveu-se o desmembramento do IC 893/2013,
pois, no entender de seu presidente, em razão do elevado número de
empreendimentos e agentes públicos investigados, melhor seria que a
investigação fosse cindida. O Secretário-Executivo em exercício da Promotoria
de Justiça do Patrimônio Público e Social autorizou a distribuição das peças de
informação aos Promotores de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.
Enfim, foi a orientação então tomada. Não
cabe, nesse momento, questionar se deveriam ou não as investigações seguir sob
o manto de um único membro do Ministério Público.
Respeitados os argumentos
externados pelo suscitante e pelo suscitado, o quadro de fato que aqui se
delineia, embora complexo em função de inúmeros aspectos, é possível,
exclusivamente para fins da análise do conflito de atribuições, compreendê-lo
de modo objetivo.
Fato é que alguns agentes
públicos estabeleceram prévio conluio para praticar atos ilícitos por ocasião
do exercício de suas funções, com relação a diferentes empresas e diferentes
empreendimentos.
Insta considerar, inicialmente,
que a reunião de feitos em razão da prevenção decorrente da conexão ou
continência tem como razão de ser a economia processual, com o aproveitamento
da prova, a maior probabilidade de acerto na solução final, evitando-se
conflitos lógicos entre decisões.
Guardadas as devidas adaptações,
essas ideias são aplicáveis também às hipóteses de reunião de inquéritos civis
por prevenção decorrente de conexão ou continência, que tem por objetivo otimizar a investigação e, num segundo
momento, evitar soluções logicamente conflitantes nas eventuais ações civis
públicas, ou mesmo diante da circunstância de haver o membro do Ministério
Público já apreciado questão relativa ao mesmo objeto ou a ele conexo.
Pode-se mesmo afirmar, sem temor,
que a conveniência é critério
determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não ocorrer a
reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades é a
economia processual, e se no caso específico esta não terá lugar, dever-se-á
evitar a reunião.
É bem verdade que boa parte da
doutrina reconhece na regra que prevê a reunião de feitos em razão da conexão
ou continência uma imposição, e não uma faculdade (Nesse sentido, v.g., Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, vol. I, 11ª ed., Rio
de Janeiro, Forense, 2002, p.350, em comentários ao art.105 do CPC; bem como
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, 10ª ed., São Paulo, RT, 2008,
p.362, nota n.7 ao art.105 do CPC).
Mas, com o devido respeito, essa
posição não pode ser aplicada em termos absolutos. A interpretação das regras
processuais e procedimentais não pode perder de vista seus fins.
Ademais, embora destacados mais
recentemente pela doutrina, não se pode olvidar dos princípios da eficiência,
da duração razoável e efetividade que devem nortear todos os processos e
procedimentos investigatórios.
Assim, é possível afirmar, por
identidade de razões, que se a reunião de procedimentos investigatórios ou de
ações conexas levará à inviabilidade do proveito prático desejado, dever-se-á
evitar a junção de feitos. Também a interpretação analógica e extensiva levaria
à solução aqui propugnada, bastando consultar a solução contida, ao propósito,
na legislação processual penal.
Conexão e continência são
determinantes da reunião de feitos criminais, com ressalvas, contudo, que
incluem a conveniência (cf. art.80 e 82 do CPP). Tais ideias, singelamente
alinhavadas, são inteiramente aplicáveis à análise da pertinência da reunião,
ou não, de investigações civis a respeito de casos que apresentem, em maior ou
menor grau, conexão de qualquer sorte, ainda que probatória.
Em síntese: (a) a regra da
prevenção, como forma de definição de competência jurisdicional ou atribuição
de órgãos ministeriais não é absoluta; (b) sua aplicação não pode descurar de
valores mais relevantes, em especial, a preservação da garantia da
inamovibilidade, e a regra do promotor natural; (c) não se deve promover a
reunião de feitos por prevenção quando isso significar, em prognóstico
formulado com amparo em peculiaridades do caso concreto, risco de maiores
dificuldades que vantagens tanto para a investigação, como para ulterior ação
em juízo.
Ademais, conforme já salientado em situações semelhantes por
esta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA (Protocolado
nº 35.749/2014), não se verifica em cada um desses atos a mesma
situação de fato, mas sim diversas situações de fato em que os mesmos agentes
atuaram de forma ilícita utilizando o mesmo modo de proceder, interferindo,
consequentemente, na atividade de várias e diversas empresas e empreendimentos
que, ao que tudo indica também se beneficiaram dessas condutas ilícitas.
Com relação a cada um desses atos
– salvo equívoco, mais de quatrocentos casos – será necessário, efetivamente,
apurar de forma exauriente todos os contornos de cada fato ilícito. Além da
identidade dos agentes públicos envolvidos e a semelhança com relação aos
ilícitos praticados, todos os elementos dos fatos a apurar são distintos
(empresas envolvidas, dados do empreendimento, valores envolvidos, testemunhas a serem eventualmente inquiridas,
etc.).
Assim, não se pode afirmar que
haja conexão pelo objeto da investigação, na medida em que os fatos a serem
apurados individualmente são realmente distintos.
Diante da complexidade e
amplitude os fatos objeto do Inquérito Civil, das diversas pessoas naturais e
jurídicas envolvidas e das consequências jurídicas, não se pode afirmar, a
princípio, que os fatos em apuração deveriam estar inseridos no denominado
“inquérito mãe”; com efeito, reitere-se que a opção da Promotoria de Justiça do
Patrimônio Público e Social da Capital pelo desmembramento já foi adotada, não
sendo o caso, agora, de rever tal posicionamento, sob pena de grave insegurança
e prejuízo às investigações. Ademais, conforme afirma o suscitante, não houve anterior
desmembramento do Inquérito Civil n. 893/2013 a respeito do agente Aloisio
Ferraz de Camargo, fato posteriormente conhecido.
Assim, de rigor, que a investigação prossiga sob a
presidência do suscitado.
3) Decisão.
Diante do exposto, conheço do
presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 1º
Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital prosseguir na
investigação, em seus ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se.
Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de
cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São Paulo, 18 de maio de 2017.
Gianpaolo
Poggi Smanio
Procurador-Geral
de Justiça
ef