Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 48.074/09

(Inquérito Civil n. 54/2007)

Suscitante: 6º Promotor de Justiça de Bragança Paulista

Suscitado: 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital

 

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. 6º Promotor de Justiça de Bragança Paulista (suscitante) e 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital (suscitado).

2) Inquérito civil instaurado para apurar irregularidades na utilização de recursos públicos repassados à APAC de Bragança Paulista, por força de convênio com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária. Possíveis irregularidades na origem e na destinação dos recursos públicos.

3) Eventual ação de improbidade que deve ser processada no local do dano, assim entendido o local da sede da pessoa jurídica lesada.

4) Inexistência de regra específica na Lei n. 8.429/92 que determina a aplicação do art. 2º da Lei n. 7.347/85, aplicável subsidiariamente.

5) Consideração, ainda, do fato de que é dado preponderante para a fixação da competência a existência, ou não, de obrigação de prestação de contas. Previsão da obrigação no Termo de Convênio celebrado pela ONG com a Secretaria de Administração Penitenciária.

5) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que os autos sejam encaminhados ao 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital.

 

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 6º Promotor de Justiça de Bragança Paulista, e como suscitado o 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital.

O conflito teve origem nos autos do Inquérito Civil n. 54/2007, em que figura com representante a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e como representados a Associação de Proteção e Assistência Carcerária (APAC) de Bragança Paulista e outros a apurar.

O objetivo da investigação é “valores retidos pela APAC no montante de R$ 125.253,57 – valores que são produto do trabalho dos presos, para serem utilizados em prol da população carcerária, no período de janeiro a maio de 2006 – não esclarecimento sobre a forma como o valor teria sido revertido em favor dos presos”.

A representação encaminhada pelo Dr. (...), na qualidade de Secretário da Administração Penitenciária (fls. 05/48) foi recebida pelo 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital (fl. 503/504), tendo ele declinado da atribuição com remessa à Promotoria ora suscitante.

Em síntese, a referida representação noticia o seguinte:

Esta Secretaria de Administração Penitenciário, por força do Decreto-lei n. 45.403, de 16 de novembro de 2000, foi autorizada a celebrar convênio com pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos para prestar serviços inerentes à proteção e assistência material, médica, social, religiosa, psicológica, judiciária, trabalho e educação em estabelecimentos prisionais, ficando a cargo do Estado as funções inerentes à segurança e disciplina.

Em razão disso, 30 convênios foram firmados entre a administração pública e organizações não governamentais (...)

Diversas dessas entidades, tidas como Organizações Não Governamentais, sem fins lucrativos, entretanto, foram formadas às pressas, com o fim específico de atuarem nos presídios, sem nenhuma experiência em qualquer área social, muito menos no difícil e específico sistema prisional do Estado de São Paulo.

Por má-fé de seus dirigentes, com a conveniência, para não dizer estímulo, daqueles que representavam o Estado, cometeram diversos crimes contra a administração pública, como adiante se vê, com condutas que exigem pronta persecução cível e criminal.” (fls. 8/9)

Como se disse acima, a presente investigação se refere aos convênios celebrados com a APAC de Bragança Paulista, cujas cópias estão juntadas aos autos, com desvio de recursos ante não oferecimento de alimentação aos presos beneficiados com saída temporária, mas contabilizadas como se tivessem ocorrido.

Por entender que as possíveis irregularidades aconteceram na Cidade e Comarca de Bragança Paulista, bem como as iregularidades foram praticadas exclusivamente por servidores da APAC, o 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital determinou a remessa dos autos à Promotoria de Justiça da Cidadania de Bragança Paulista (fls. 503/504).

O 6º Promotor de Justiça de Bragança Paulista, ao receber os autos, determinou a instauração de inquérito civil, por força da Portaria n. 34/2008 (fls. 02/04).

Após a realização de algumas diligências, deliberou suscitar conflito de atribuições (fls. 655/662), argumentando, em síntese, que em razão do conteúdo da resposta prestada pela APAC, a Promotoria de Justiça da Cidadania de Bragança Paulista não possui atribuição para apuração e investigação das irregularidades apontadas na representação, pois, apesar dos fatos terem ocorrido em Campinas, São Paulo e Bragança Paulista, o dano ocorreu na cidade de São Paulo, local de onde partiu a liberação da verba em questão. Além disso, o dinheiro supostamente usado irregular ou indevidamente saiu do Orçamento do Estado, através da Secretaria de Administração Penitenciária, sendo certo que o órgão público lesado é o Governo do Estado de São Paulo e o lugar onde devia haver a prestação de contas por parte da Associação conveniada/beneficiada era São Paulo, local onde ocorreu parte dos fatos, razão pela qual a Comarca de Bragança Paulista não é o lugar do dano, ao contrário da Comarca da Capital. Ressalta que os fatos ocorreram em Campinas, inclusive com repercussão na área criminal.

É o relato do essencial.

 

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Conforme Márcio Fernando Elias Rosa, “as ações de improbidade devem ser processadas no local do dano (sede da pessoa jurídica lesada). Não devem incidir regras especiais de definição do foro competente para processar a ação e aplicar as sanções cabíveis” (Direito adminsitrativo: licitação, contratos administrativos e outros temas, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 230).

No mesmo sentido Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves: “A questão da competência territorial para a ação de improbidade, à falta de regra específica na Lei n. 8.429/92 e tendo em conta o regime de mútua complementariedade entre as ações exercitáveis no âmbito da jurisdição coletiva, demanda a incidência do art. 2º da Lei n. 7.347/85, podendo considerar-se como local do dano, numa primeira aproximação interpretativa, a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade”. (Improbidade administrativa, 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 678).

Por isso, no caso presente, a atribuição é da Comarca da Capital, local da sede do Governo Estadual, isto é, da Secretaria de Administração Penitenciária, Pessoa Jurídica de Direito Público lesada pela eventual improbidade, além do que parte dos fatos ocorreram, de fato, em São Paulo.

Acrescente-se que há outro motivo a justificar que a atribuição da Comarca da Capital.

Ocorre que, em se tratando de repasse de verbas, é preponderante a questão da existência do dever de prestar contas.

A propósito, apreciando situações de Conflito de Competência entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, tanto o STJ, quanto o STF, têm proclamado que “o dado preponderante para a fixação da competência da Justiça Federal será a existência, ou não, de obrigação de prestação de contas ao órgão federal ou ao TCU”, conforme também anotam Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (op. cit., 4ª ed., p. 675).

Assim, considerando que parte dos fatos ocorreram em São Paulo e o Termo de Convênio prevê a obrigação da Secretaria de Administração Penitenciária de “analisar as prestações de contas dos recursos repassados e aprová-las, se for o caso” (item I, “c”), como se vê a fl. 623 e 635, é inegável a competência da Comarca da Capital e, consequentemente, da Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital para a condução do presente procedimento investigatório.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 9º Promotor de Justiça da Cidadania da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 5 de maio de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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