Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 0049.866/11

Suscitante:  Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente –GAEMA (Núcleo Pontal do Paranapanema)

Suscitado: Promotor de Justiça de Santo Anastácio

 

 

Ementa:

1. Conflito negativo de atribuições. Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA (Núcleo Pontal do Paranapanema) e Promotor de Justiça de Santo Anastácio.

2. O elemento central da investigação reside na eventual instalação de um loteamento localizado em área rural, ao lado da Rodovia Raposo Tavares, na cidade de Santo Anastácio. Apurou-se que a área tem aproximadamente 75 (setenta e cinco) hectares, dividida em pelo menos 33 (trinta e três) lotes.

3. Em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a, do Ato Normativo nº 552/2008).

4. A eleição de questões prioritárias que invoca a atuação do GAEMA envolve situações em que a questão ambiental se apresente de modo regionalizado, recomendando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarca e foros).

5. O assunto versado no presente expediente refere-se a eventuais irregularidades em loteamento localizado no Município de Santo Anastácio, sendo certo que a área não se subsume às hipóteses contempladas no Ato Normativo n. 682/2011, de 15 de fevereiro de 2011 (Protocolado n. 17.988/2011)

6. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do Promotor de Justiça de Santo Anastácio

 

Vistos.

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça que oficia junto ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema e como suscitado a DD. Promotor de Justiça de Santo Anastácio.

Ao que consta, o Ilustre Promotor de Justiça, Dr. (...), membro do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente –GAEMA (Núcleo Pontal do Paranapanema), requereu ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Urbanismo e Meio Ambiente – Área Regional de Presidente Prudente – a elaboração de parecer técnico com a finalidade de se apresentar levantamento no loteamento de proprietário desconhecido, localizado ao lado da Rodovia Raposo Tavares, no município de Santo Anastácio.

Nos termos de referido parecer, certificou-se que o empreendimento é irregular e, se implantado, poderá acarretar problemas urbanísticos e ambientais (fls. 03/14).

Ao receber o parecer encaminhado ao Dr. (...), o Promotor de Justiça Secretário-Executivo do GAEMA,
Dr. (...)
, determinou a remessa do expediente ao Promotor de Justiça de Santo Anastácio (fls. 03-A), o qual, por sua vez, assentou que o expediente originou-se por ordem do próprio GAEMA e eventual declinação de atribuição significaria violação ao princípio do Promotor de Justiça Natural (fls. 17).

Devolvidos os autos ao GAEMA, o Ilustre Promotor de Justiça Secretário suscitou o presente conflito negativo de atribuições (fls.18/21).

 É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação reside, em conformidade com as informações constantes do parecer de fls. 03/14, na eventual instalação de um loteamento localizado em área rural, ao lado da Rodovia Raposo Tavares, na cidade de Santo Anastácio. Apurou-se que a área tem aproximadamente 75 (setenta e cinco) hectares, dividida em pelo menos 33 (trinta e três) lotes.

O Ato Normativo n. 649/2010, de 17 de junho de 2010 (Protocolado n. 142.314/09), instituiu o Núcleo de Atuação regionalizada do GAEMA, tendo como base a Bacia Hidrográfica do Médio Paranapanema. Por sua vez, o Ato Normativo n. 682/2011, de 15 de fevereiro de 2011 (Protocolado n. 17.988/2011), responsável por estabelecer as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente ( GAEMA)  para o ano de 2011, especificamente no que toca ao Núcleo Pontal do Paranapanema, fixou as seguintes diretrizes:

“1. Coleta e destinação final de resíduos sólidos. 

2. Saneamento ambiental:  2.1. coleta, afastamento e tratamento de esgoto doméstico no município de Presidente Venceslau, único município na área do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema que ainda não possui o sistema instalado e operando;
2.2. adoção de medidas destinadas a regularizar a disposição dos resíduos sólidos domésticos e industriais em todos os 31 municípios componentes do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema;
3. Espaços territoriais especialmente protegidos e seus atributos naturais - APP e Reserva Legal, nas seguintes hipóteses:

3.1. APP dos imóveis rurais com área igual ou superior a 500 hectares, com a finalização daqueles que contemplam área igual ou superior a 1000 hectares;

3.2. APP dos cursos d’água compreendidos nas seguintes bacias e sub-bacias:a) Ribeirão da Confusão; b) Ribeirão Águas Claras; c) Rio Santo Anastácio (Alto Curso); d) Balneário Municipal de Rancharia; e) Balneário Laranja Doce (Martinópolis); f) Balneário da Amizade (Presidente Prudente e Álvares Machado).

3.3. Reserva Legal dos imóveis rurais com área igual ou superior a 500 hectares, com a finalização daqueles que contemplam área igual ou superior a 1000 hectares.

4. Adoção de medidas tendentes a implantar infra-estrutura no Parque Estadual do Rio Aguapeí e no Parque Estadual do Rio do Peixe.

5. Implementar medidas no sentido de recuperar áreas que possam estabelecer conectividade entre fragmentos florestais e Unidades de Conservação de Proteção Integral na região.

Não há dúvida de que, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Não há, nos dispositivos do referido ato regulamentar, disposições que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação.

Essa permeabilidade tem em vista, como destaca a motivação contida no preâmbulo do referido ato normativo, “o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada”, bem como “a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental”.

Dessa forma, essa eleição de questões prioritárias que invoca a atuação do GAEMA naturalmente envolve, ao menos de modo implícito, situações em que a questão ambiental se apresente de modo regionalizado, recomendando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarca e foros).

Essa nova modalidade de atuação ministerial, de outro lado, deve privilegiar, na fixação de atribuições, aspectos geográficos relacionados ao próprio meio ambiente a ser protegido, como ocorre, precisamente, nas questões que envolvem determinada bacia hidrográfica.

Tanto assim que o Ato Normativo 552/2008 também adota como justificativa, em seu preâmbulo, a afirmação de que “nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei 9.433, de 08/01/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, podendo ser empregada como caráter definidor das atuações regionalizadas”.

Foi a partir dessas premissas que foram estruturados os Núcleos Regionais do GAEMA a partir de grandes bacias hidrográficas, tendo em vista a necessidade de definição de política ministerial de atuação regionalizada e uniforme em matéria ambiental.

Ademais, remarque-se que, nos termos do art. 2º, inciso II, da Resolução n. 23, de 17 de setembro de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, responsável por uniformizar o procedimento do inquérito civil, o inquérito civil poderá ser instaurado “em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização”(g.n.). Logo, nada impede que o Ministério Público inicie investigação administrativa a partir da provocação de outro membro da mesma instituição. Nesses casos, não há violação ao princípio do Promotor de Justiça Natural.

Com efeito, muito embora tenha partido do Promotor de Justiça integrante do GAEMA a requisição para a realização do laudo de fls. 03/14, essa circunstância não impede que a investigação prossiga com o Promotor de Justiça suscitado, uma vez que a situação não demonstra dispersão apta a ensejar a intervenção do Grupo Especializado. Acrescente-se que o Ato Normativo n. 682/2011, de 15 de fevereiro de 2011 (Protocolado n. 17.988/2011), responsável por estabelecer as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) para o ano de 2011, especificamente no que toca ao Núcleo Pontal do Paranapanema, fixou que referido Grupo priorizará as investigações em APP dos imóveis rurais com área igual ou superior a 500 hectares, com a finalização daqueles que contemplam área igual ou superior a 1000 hectares e  APP dos cursos d’água compreendidos nas seguintes bacias e sub-bacias:a) Ribeirão da Confusão; b) Ribeirão Águas Claras; c) Rio Santo Anastácio (Alto Curso); d) Balneário Municipal de Rancharia; e) Balneário Laranja Doce (Martinópolis); f) Balneário da Amizade (Presidente Prudente e Álvares Machado).

O assunto versado no presente expediente refere-se a eventuais irregularidades urbanísticas e ambientais em loteamento localizado no Município de Santo Anastácio, sendo certo que a área não se subsume às hipóteses contempladas no Ato Normativo n. 682/2011, de 15 de fevereiro de 2011 (Protocolado n. 17.988/2011), conforme se constata da análise da propriedade em questão (fls. 09).

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, Promotor de Justiça de Santo Anastácio, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 05 de maio de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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