Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 50.481/18

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo (Pessoa com Deficiência)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo. Suscitado: 2ª Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo (Pessoa com Deficiência).

2.      Ofício encaminhado pela 8ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, para eventual providência prevista nos artigos 747 e segts. Do CPC, seguido da instauração de PANI pela 2ª Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo.

3.      Ajuizamento de ação de produção antecipada de provas, com suporte no artigo 381, III, do CPC, a fim de verificar eventuais providências a serem tomadas e se seria ou não o caso de ajuizamento de futura ação de nomeação de curador ou outra proteção pertinente.

4.      Ação autônoma de produção antecipada de provas que tem como fundamento o prévio conhecimento dos fatos para justificar ou evitar o ajuizamento de ação definitiva. Caráter instrumental da ação probatória autônoma, para nortear a atuação do Promotor de Justiça. Providência que, nada obstante a judicialização, com o intuito de colheita de provas, não equacionou a questão posta no PANI. Atribuição da 2ª Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo.

5.      Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição da suscitada.

 

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo, com atribuição para atuar nos feitos de finais 3, 4, 8 e 9 da 1ª Vara da Família e Sucessões, e como suscitado a DD. Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo, com atribuição para defesa da Pessoa com Deficiência.

Cuidou-se de procedimento administrativo de apuração a lesão ou ameaça de lesão a direito individual instaurado pela 2ª Promotoria de Justiça, em vista de ofício encaminhado pela 8ª Vara do Trabalho de São Bernardo dos Campos, para providência protetiva prevista no artigo 747 e seguintes do Código de Processo Civil.

Após a instauração do PANI, pelo que se depreende pelas cópias encaminhadas a esta Procuradoria-Geral de Justiça, a 2ª Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo ajuizou ação de produção antecipada de provas, prevista no artigo 381, III, do Código de Processo Civil:

“Art. 381.  A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:

I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;

II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;

III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.”

 

O 3º Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo, com atribuição para oficiar nos finais 3, 4, 8 e 9 da Vara da Família e Sucessões, afirmou que “as diligências efetuadas no procedimento instaurado não foram suficientes para a adoção imediata das providências pretendidas, sendo necessária a utilização da via judicial para buscar o fim almejado, não se justifica que o 2º Promotor de Justiça, que instaurou o procedimento administrativo, não acompanhe mais o caso. O ingresso na via judicial somente para se conseguir a prova não obtida na via administrativa não é motivo para transferir a atribuição para outro Promotor de Justiça (...)” (fls. 03/06).

A 2ª Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo afirmou que discorda da afirmação de que a ação proposta seria meio para segunda medida, sendo certo que o PANI instruiu a ação judicial, “esgotando sua função de preparação para o exercício das atribuições inerentes à atividade institucional civil (...) O argumento de que a providência judicial é um meio para a ação de nomeação de curador está, em verdade, assentado na arraigada prática de atuação institucional, de que o Promotor de Justiça na área cível possui apenas uma medida para desfechar o PANI envolvendo como a dos autos, panaceia de todos os casos, a declaração da incapacidade civil. (...) A ação visa a permitir os encaminhamentos de saúde mental e sociais, pretendidos pelos agentes municipais à vista da provocação ministerial. Nada mais que isso. Se em algum momento num futuro incerto, com base em novos elementos que tragam razões jurídicas para o reconhecimento da incapacidade civil, tal providência renovará provocação de atribuição. (...) A inserção de novo elemento de atuação, correlata à postura trazida pelo novo regime jurídico das incapacidades parece não compreendida.” (fls. 49/53).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

O conflito negativo de atribuições está configurado e, pois, comporta conhecimento.

Constata-se que a suscitada instaurou PANI para: I – levantar informações técnicas a respeito de existência de transtorno mental, para, II – em caso positivo, averiguar se decorrentes de causa permanente ou  transitória, que viessem a suprimir a compreensão e vontade do assistido a adesão à tratamento de saúde mental, para, por fim; III – justificar eventual cabimento de ação de nomeação de curador.

Restadas infrutíferas as tentativas de se apurar as condições psicossociais do assistido, a 2ª Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo ajuizou ação de produção antecipada de provas, prevista no artigo 381, III, do Código de Processo Civil:

“Art. 381.  A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:

I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;

II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;

III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.”

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973 a doutrina já preconizava o direito autônomo de produção de prova antecipada, sem o requisito de urgência[1], instrumento que restou previsto de forma expressa no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 381, incisos II e III.

O direito de provar estaria associado ao processo no qual se busca a declaração do direito, no contexto da ação e da exceção, não caracterizado pela autonomia do direito à prova, o qual autoriza se invocar o direito de ação para a atuação ligada à busca e à produção instrutória, sem a declaração do direito material.[2]

Reconhece-se, assim, um “direito à investigação” não limitado às autoridades estatais, ao alcance de qualquer parte interessada na obtenção de elementos que lhe confiram grau de certeza adequado quanto aos riscos na propositura de eventual demanda.[3]

Este direito de provar, de forma prévia, busca embasar eventual autocomposição, ou, ainda, permitir o adequado conhecimento dos fatos para justificar ou evitar o ajuizamento da ação.

Na hipótese ora analisada a ação de produção antecipada de provas, pautada no inciso III, do artigo 381, do CPC, tem como finalidade apenas colher elementos que auxiliem as eventuais providências a serem ou não tomadas em relação a Francisco Rubens de Oliveira, e nada mais.

Não haveria óbice a que estes elementos fossem colhidos no próprio PANI, mas se optou por utilizar, adequadamente, de valioso instrumento previsto no Código de Processo Civil.

Todavia, deve-se reconhecer, o ajuizamento desta ação não solucionou a questão posta no PANI, tanto que o apropriado seria aguardar-se o desfecho da ação probatória, para então, com base nos elementos colhidos, dar-se o encaminhamento ao procedimento.

Vale destacar que não é necessário e nem mesmo adequado que o PANI instrua a ação de produção de provas, mas sim que esta ação venha instruída com cópias deste procedimento para que, obtidas ou não as provas, o presidente da investigação possa dar o desfecho adequado, nos termos do artigo 19 do Ato Normativo 619-PGJ, CPJ e CGMP, de 02 de dezembro de 2009:

“Art. 19 – Esgotadas todas as diligências, ou não havendo necessidade de sua realização, o Promotor de Justiça, convencendo-se da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil pública ou para qualquer outra medida legal, promoverá o arquivamento dos autos do procedimento administrativo, fundamentadamente, não sendo necessário seu encaminhamento ao Conselho Superior do Ministério Público (Súmula nº 38 do CSMP).”  

Reforça esta conclusão a percepção de que, produzidas as provas, não haverá qualquer juízo de valor nesta ação, prosseguindo-se com a devolução do processo ao autor da medida, nos termos do artigo 383:

“Art. 383.  Os autos permanecerão em cartório durante 1 (um) mês para extração de cópias e certidões pelos interessados.

Parágrafo único.  Findo o prazo, os autos serão entregues ao promovente da medida.”

É acertada a ponderação da suscitada no sentido de que a declaração de incapacidade civil não pode ser a única medida a ser adotada pelos Promotores de Justiça para eventual desfecho do PANI. Porém, como demonstrado, o mero ajuizamento de ação de produção antecipada de provas não permite qualquer desfecho, clamando por adequado encaminhamento posterior.

Portanto, em vista do caráter instrumental da ação probatória autônoma prevista no artigo 381, III, do CPC, (meio de obtenção de provas para auxiliar na decisão subsequente, de ajuizamento ou não de ação, ou de outras medidas) o Promotor de Justiça que instaurou o PANI é quem detém atribuição para oficiar nesta ação até o seu deslinde, para então, em vista do que restar apurado, solucionar de forma definitiva a questão colocada no PANI que instaurou.

 

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, DD. 2ª Promotora de Justiça de São Bernardo do Campo, a atribuição para oficiar na ação nº 1013793-19.2018.8.26.0564 – da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São Bernardo do Campo.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a remessa dos autos originais à Suscitada, e de cópia de inteiro teor, inclusive da presente decisão, ao Suscitante.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 05 de julho de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

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[1] Yarshell, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito de urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. e Neves, Daniel Amorim Assumpção. Ações probatórias autônomas. São Paulo: Saraiva, 2008.

[2] Idem. p. 312-313.

[3] Idem. p. 212-217.