Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado n. 57.902/17

Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Mogi Guaçu

Suscitados: 12º Promotor de Justiça de Jundiaí

Interveniente: 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Representação. Improbidade administrativa imputada a policial militar e terceiro beneficiário decorrente de desvio de finalidade na execução de contrato administrativo. Contrato decorrente de sistema de registro de preço para futuras contratações de serviços de manutenção preventiva e corretiva de veículos oficiais das unidades da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Contratante: Estado de São Paulo por intermédio da Secretaria de Segurança Pública. enriquecimento ilícito de agente público estadual. Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social. Irrelevância de a execução dos contratos ocorrer em locais diversos. 1. Procedimento destinado à apuração de dano ao patrimônio público de pessoa jurídica de direito público, decorrente de contratos administrativo, com consequente enriquecimento ilícito de agentes daquela, é da atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, ainda que a execução contratual tenha ocorrido em locais diversos (Enunciado n. 73-PGJ).

 

 

 

 

Vistos.

1) Relatório

         Os ilustres 12º Promotor de Justiça de Mogi Guaçu (suscitante) e 5º Promotor de Justiça de Jundiaí (suscitado) controvertem sobre a atribuição para a adoção das medidas previstas na lei federal nº  8.429/92, decorrentes do desvio de finalidade ocorrido na execução de contrato administrativo celebrado pelo Estado de São Paulo com empresa sediada no Município de Jundiaí, decorrente de sistema de registro de preço para futuras contratações de serviços de manutenção preventiva e corretiva de veículos oficiais das unidades da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

         Como a investigação refere-se a contrato administrativo celebrado pelo Estado de São Paulo foi determinada a colheita de manifestação da douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social que, por meio do DD. 9º Promotor de Justiça, repudia a atribuição do órgão que integra.

         É o relatório.

2) Fundamentação

         O Comandante do 26º Batalhão da Polícia Militar do Interior encaminhou ao Ministério Público cópia da Sindicância n. 26BPMI-027/06/15 visando a responsabilização civil do 1º Tenente Donisete Tavares Paiva, que na condição jurídica de gestor do contrato administrativo celebrado entre o Estado de São Paulo e a empresa Emerson Luiz Saviolli-ME, decorrente de sistema de registro de preço para futuras contratações de serviços de manutenção preventiva e corretiva de veículos oficiais das unidades da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

         Com base nessas informações a Promotoria de Justiça de Jundiaí instaurou inquérito civil, que também foi instruído com cópia do Inquérito Policial Militar (IPM n. 26BPM 013/06/15) e do correspondente processo criminal militar.

         Os elementos de prova até então colhidos revelam que o 1º Tenente Donisete Tavares Paiva enriqueceu-se ilicitamente obtendo vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de suas funções como agente público, desviando em proveito próprio parte dos valores pagos para a empresa contratada a título de serviços e compras não realizados.

         A contratada Emerson Luiz Saviolli-ME é sediada no Município de Jundiaí, mas subcontratou empresa localizada na cidade Mogi-Guaçu, causa suficiente para justificar a rescisão unilateral do contrato administrativo nos termos dos arts. 72 e 78, VI, da lei federal nº 8.666/93.

         Em determinado momento da investigação o DD. Promotor de Justiça de Jundiaí declinou sua atribuição aleganto, em síntese, que policiais militares em conluio com um empresário estabelecido em Jundiaí,

fraudaram aquisições de produtos e serviços de manutenção das viaturas

do 26° BPM de Mogi Guaçu, em seu prejuízo. Embora um dos envolvidos possua estabelecimento nesta comarca, nenhum dano aqui foi produzido, ainda que reflexamente.

         Nesse contexto, a competência para o julgamento de ação civil pública será do juiz do local em que o dano ocorreu ou deveria ocorrer, nos termos do art. 2° da Lei n. 7.347/85 e art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor.

         O DD. Promotor de Justiça de Mogi Guaçu discordou dessa interpretação, sustentando que o dano ocorreu no Município de Jundiaí, local do dano ao erário e do enriquecimento ilícito do agente público. Quando muito, a ser entender que dano houve em ambos os município, a Promotoria de Justiça estaria preventa.

         O DD. 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social fixou o entendimento que a atribuição deve ser do órgão do Ministério Público do local do dano.

         Não foi juntado aos autos cópia do processo licitatório da licitação levada a efeitos para autorizar a contratação pelo sistema de registro de preços (consistente em um conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras), tampouco do contrato administrativo celebrado com a Emerson Luiz Saviolli-ME.

         A análise far-se-á a partir do edital do Pregão Presencial CPI-218/213/14 e da minuta do contrato constante do Anexo XIV (Apenso i, vol. 1).

         Extravasa o âmbito restrito da solução de conflito de atribuição entre membros do Ministério Público o realinhamento ou retificação do objeto do procedimento investigativo, pois, tal compete ao Promotor de Justiça dotado da atribuição respectiva, assim como a própria solução da averiguação.

         Feito esse registro, a solução para o conflito de atribuição baseada no objeto da investigação, delimitado inicialmente como o exame de distorções na execução de contratos administrativos e nas respectivas licitações precedentes, não pode ser outra senão aquela que prestigie a orientação consagrada no Enunciado n. 73 da Procuradoria-Geral de Justiça:

“Conflito de atribuição. Licitação e contrato administrativo. Órgão da Administração Pública Estadual Centralizada. Atribuição da Promotoria de Justiça da sede da pessoa jurídica de direito público. É atribuição do órgão de execução da sede da pessoa jurídica de direito público eventualmente lesada a investigação e o processamento de irregularidades em licitação e contratos de órgão público estadual, nos termos do art. 2º da Lei n. 7.347/85 e do art. 55, § 2º, da Lei n. 8.666/93”.

         Idêntica conclusão há de ser tomada em relação à autarquia estadual sediada na Cidade e Comarca de São Paulo, cujos contratos juntados aos autos foram celebrados nessa localidade e a adotam como foro contratual, não bastasse o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.666/93 estabelecer verbis:

“Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6o do art. 32 desta Lei”.

         Essa regra harmoniza-se com a Lei n. 7.347/85 – que se aplica por não existir regra específica na Lei n. 8.429/92 – cujo art. 2º prescreve:

“As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.                    

 Ora, havendo resultado patrimonial negativo ao erário, ele deve ser perscrutado no sítio de sua ocorrência que é a sede da pessoa jurídica de direito público interno, de onde são distribuídos os recursos inclusive para unidades desconcentradas. Neste sentido explica a literatura que:

“Em se tratando de órgão ou entidade estadual que tem sede na capital da unidade federativa, tais como as secretarias, as universidades, as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, prevalece a competência dos magistrados que atuam em tal comarca, e não na do interior onde o fato ocorreu. Isso porque a lei considera o local do dano, e não o local do fato” (Silvio Antonio Marques. Improbidade administrativa, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208).

         É assaz relevante reverberar o quanto exposto nessa lúcida admoestação: “a lei considera o local do dano, e não o local do fato”. Converge a tanto o sumulado por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves que apontam a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade, explicitando que:

“(...) realizada a contratação irregular de pessoal sem a observância dos ditames constitucionais ou realizada a contratação de obra pública em procedimento licitatório irregular, por exemplo, a ação, quando proposta em face do Estado federado (art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92), isto é, ajuizada pelo Parquet ou por associação, figurando o Estado como pessoa jurídica lesada, encontrará na comarca da capital o seu foro (local de sua sede – art. 2º da Lei nº 7.347/85 c.c. art. 100, IV, a, do CPC), sendo competente o respectivo Juízo de fazenda pública” (Improbidade administrativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, 3ª ed., p. 702).

         Ainda que concorra a incidência conectada de enriquecimento ilícito de agente público, tal conclusão não se abala. Não se deve olvidar a própria conexão sinérgica entre o dano ao patrimônio público e a obtenção de vantagem indevida, nos termos em que expõe a representação, sem embargo de anotar-se que o agente público vincula-se hierárquica e funcionalmente à sede da pessoa jurídica de direito público que o investiu em cargo, função ou emprego público. Essa interação justifica, neste caso e nos termos em que posto o objeto da investigação, a atração por ora, ressalvada outra destinação a depender de seu prosseguimento.

 

3. Decisão.

         Em face de tudo o quanto acima foi exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar nos autos.

         Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

 

                            São Paulo, 25 de maio de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça