Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 60.653/10

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante). 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).

2) Representação. Notícia de eventuais irregularidades na incorporação do Shopping Boulevard Tatuapé. Arguição de que o Shopping foi construído sem observar os limites previstos na lei de licitações públicas.

3) Inexistência de discussão sobre questão urbanística. Tutela exclusiva do patrimônio público, da moralidade e da probidade administrativa.

4) Conflito conhecido e dirimido, determinando caber ao suscitado, 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, prosseguir na investigação.

 

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital e como suscitado o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

O conflito teve origem nos autos do Procedimento Preparatório de Inquérito Civil n. 697/09 (PJPPS), em face de notícia encaminhada por Marcos Gaspar Calmon (fls. 05/06), no sentido de que, quanto à construção do Shopping Tatuapé, houve concessão de uso sem licitação pública. Esse é o fato remanescente, pois, quanto à noticia de irregularidades nas obras, por falta de rebaixamento asfáltico, já houve o arquivamento.

O 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, como se vê da manifestação de fls. 04, determinou a remessa dos autos à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo “para análise das irregularidades nas incorporações de Shopping Centers”.

Recebendo os autos, o 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital suscitou o conflito, consignando (fls. 12/13) que “não há imputação de violação às normas de zoneamento, impacto urbanístico ou construção irregular. Há, sim, questão sobre eventual irregularidade na incorporação de Shopping Center, envolvendo ato de improbidade administrativa (concessão não precedida de licitação caracteriza, em tese, hipóteses do art. 10, I, II e VIII, c.c. art. 12 da Lei 8.429/92)”.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Essa idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação é apurar eventual irregularidade na incorporação de Shopping Center, decorrente de falta de licitação pública.

A Procuradoria-Geral de Justiça tem adotado o critério da prevenção para a solução de conflitos negativos de atribuição, nos casos em que se fazem presentes interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos afetos a mais de uma área de atuação.

É que nessas hipóteses, sendo idêntica a abrangência dos interesses envolvidos, deve oficiar no feito o órgão ministerial que primeiro tomar contato com o caso, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar nº 734/93).

A prevenção, porém, apenas se aplica quando no caso concreto há interesses coletivos afetos a mais de uma área de atuação das promotorias especializadas.

No caso em exame, o suscitado vinha conduzindo a investigação, sendo que, em determinado momento, resolveu encaminhar cópias à Promotoria da Habitação e Urbanismo para apuração de eventual irregularidade na incorporação de Shopping Center, decorrente de falta de licitação pública.

Assim, não resta evidenciado estar em jogo interesse de mais de uma área de atuação, não se aplicando, pois, a regra da prevenção, mesmo porque não estão em jogo interesses urbanísticos, mas exclusivamente a defesa do patrimônio público e da probidade administrativa.

Em síntese, nada obstante nosso respeito quanto aos ponderáveis argumentos trazidos pelo suscitado, conclui-se que, no caso sob análise, não há interesse urbanístico que justifique a atuação do DD. Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, de tal forma que a atribuição para prosseguir nas investigações é da 6ª Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 31 de maio de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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