Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 60779/2011

Inquérito Civil nº 43.0206.0000070/2011-3

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Barueri (Patrimônio Público)

Suscitado: Procuradoria da República em São Paulo

 

 

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 8º Promotor de Justiça de Barueri (Patrimônio Público e Social - suscitante) e o Procurador da República – 2º Ofício do Patrimônio Público e Social (suscitado).

2)     Fundação Habitacional do Exército (FHE). Entidade de natureza autárquica. Súm. 324 do STJ. Competência da Justiça Federal. Incidência da art. 109, I, da CR.

3)     Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.

 

 

Vistos,

1)Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça de Barueri (Patrimônio Público), e como suscitado o DD. Procurador da República – 2º Ofício do Patrimônio Público e Social de São Paulo.

Dão conta os autos que representação anônima foi endereçada ao Ministério Público Federal em São Paulo, narrando possibilidade de dano ao erário, ocorrida em compra e venda de imóvel situado na cidade de Barueri, envolvendo a Fundação Habitacional do Exército e a Prefeitura Municipal daquela cidade.

Ao que consta das informações iniciais, o Município de Barueri teria adquirido área da Fundação Habitacional do Exército por determinado valor, e revendido aludido terreno por valor largamente superior, havendo, portanto, alienação de bem pertencente ao Exército Brasileiro sem as formalidades legais e com possíveis danos ao erário.

Os autos foram remetidos pelo suscitado ao Ministério Público do Estado de São Paulo, por não vislumbrar risco de dano ao erário Federal (fls. 266/267).

Ao suscitar o conflito, o DD. 8º Promotor de Justiça de Barueri afirmou que: (a) antes de o imóvel mencionado pertencer à Fundação Habitacional do Exército, ele integrava o patrimônio do próprio Exército Brasileiro; (b) o bem foi alienado sem que haja notícia de autorização legal para tanto; (c) quanto à conduta do Município, de ter alienado o imóvel, foi instaurado inquérito civil na Promotoria de Barueri a fim de apurar eventual ocorrência de desvio de finalidade, bem como prejuízo ao erário por venda em valor inferior ao do mercado; (d) há indícios de dano ao patrimônio da União; (e) o fato de ser a Fundação Habitacional do Exército entidade de direito privado não afasta o interesse da União Federal no desfecho da investigação; (f) há precedente do Col. STJ (CC 36.641/MS, rel. Min. Castro Filho), bem como súmula dessa Corte Superior (súmula 324), determinando que em casos envolvendo a referida fundação a competência é da Justiça Federal.

É o relato do essencial.

2)Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.

O objeto da investigação, como se infere dos documentos constantes destes autos, está relacionado à alienação de bem imóvel que anteriormente pertencia ao Exército Brasileiro, e subsequentemente à Fundação Habitacional do Exército.

É necessário saber, entretanto, se eventual lesão, noticiada na portaria de instauração, ter-se-ia verificado em prejuízo do erário da União, para, então, uma vez identificado o patrimônio público potencialmente lesado, definir-se qual a Justiça competente (estadual ou federal), bem como qual unidade do Ministério Público (estadual ou federal) deverá atuar.

Acrescente-se que a matéria conta com definição através da Súmula 324 do Col. STJ, a seguir transcrita:

“(...)

Compete à Justiça Federal processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional do Exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo Ministério do Exército.

(...)”

Pois bem.

Vislumbra-se, nesse passo, possibilidade de lesão ao erário federal, o que justificaria, ao menos em tese, a propositura de ação civil perante a Justiça Federal, com fundamento no art. 109, I, da CR/88, e consequentemente o exercício da atribuição investigatória, bem como a propositura da demanda coletiva, pelo Ministério Público Federal.

Isso decorre do modo como foram feitas as negociações, e, especialmente, a alienação do imóvel pela Fundação Habitacional do Exército ao Município de Barueri, nos termos narrados pelo suscitante.

Cumpre recordar que a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93), prevê: (a) como função institucional do Ministério Público da União a defesa do patrimônio nacional e do patrimônio público e social (art. 5º, III, a e b); (b) confere-lhe atribuição para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social (art. 6º, VII, b); (c) incumbe-lhe propor ações cabíveis para declaração de nulidade de atos ou contratos geradores do endividamento externo da União, de suas autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal, ou com repercussão direta ou indireta em suas finanças (art. 6º, XVII, b); (d) que o Ministério Público Federal exercerá suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para, entre outras coisas, a defesa de direitos e interesses integrantes do patrimônio nacional (art. 37, II); (e) que o Ministério Público Federal exercerá a defesa dos direitos constitucionais do cidadão sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos Poderes Públicos Federais, bem como por órgãos da administração pública federal direta ou indireta (art. 39, I e II).

Dessa forma, é possível vislumbrar, pelos motivos expostos, potencial interesse da União no desfecho da investigação. Esse interesse também estará presente em eventual ação de improbidade ou de reparação de dano ao erário, se constatado o mau emprego ou desvio de recursos, o que torna inevitável a afirmação no sentido de que cabe ao Ministério Público Federal atuar no caso.

3)Decisão.

Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 8º Promotor de Justiça de Barueri, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 20 de maio de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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