Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 61.460/2018

SIS/MP 43.0639.0000236/2018-4

Suscitante: 8ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Suscitada: 4ª Promotoria de Justiça Cível da Capital - Fundações

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante). 4ª Promotora de Justiça Cível da Capital – Fundações (suscitada)

2.      Representação que noticia supostas irregularidades praticadas por antigo corpo diretivo de entidade associativa que recebe subvenção, benefício ou incentivo de órgão público.  Notícia de eventual desvio de verbas públicas recebidas em razão de convênios e benefícios recebidos de órgãos públicos e que podem configurar ato de improbidade administrativa.

3.      Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitadnte) para presidir a investigação.

Vistos,

1)  Relatório.

Consta dos autos que a 4ª Promotora de Justiça Cível da Capital, com atribuição para a curadoria das Fundações (suscitada) encaminhou ao 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital representação que noticia supostas irregularidades ocorridas na Sociedade Benfeitora Jaguaré. Alegou que não se depreenderia qualquer das hipóteses previstas no Decreto-Lei n. 41/1996, visando a extinção da associação, pois a própria entidade é que teria oferecido a representação. Destacou, ademais, que a referida entidade mantém convênios com a Prefeitura de São Paulo, Senai, Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e com o Centro de Referência da Assistência Social, sendo certo que as irregularidades imputadas aos antigos dirigentes poderiam, em tese, subsumir-se à Lei Federal n. 8.429/92.

O 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital suscitou este conflito negativo de atribuições sob o fundamento de que, por se tratar de representação noticiando má gestão de associação sem fins lucrativos, sem constar situação no âmbito da defesa do patrimônio público, o acompanhamento das atividades destas associações seria da Promotoria de Justiça Cível, com atribuição para promover a dissolução da entidade associativa ou outras providências. Destacou, ademais, a existência de outros procedimentos investigatórios instaurados na Promotoria de Justiça Cível para apurar malversação de verbas públicas.

É o relato do essencial.

2)  Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Cuida-se, na origem, de representação oferecida pela Sociedade Benfeitora Jaguaré em face de antigos dirigentes da entidade, noticiando que a nova gestão teria realizado auditoria interna e detectado supostos desvios de valores, na ordem de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), por parte dos representados, tudo por meio de fraudes contábeis que lastreavam saques ou transferências bancárias.

Destacou o representante que o motivo da provocação do Ministério Público reside na constatação de que “existe verba pública que pode ter sido objeto de malversação por parte dos Representados” (fl. 10).

As condutas narradas na representação podem se amoldar, em tese, à Lei Federal n. 8.429/92, que assim dispõe:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

A Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo – Lei Complementar nº 734/93 –, ao dispor sobre as atribuições dos cargos especializados, prevê:

Art. 295. Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

IX – Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social: defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

(...)

§ 2º. Em face do disposto neste artigo, aos cargos de Promotor de Justiça Cível da Capital são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público na tutela de interesses de incapazes e nas situações jurídicas de natureza civil, em qualquer caso, desde que não compreendidas nas atribuições de cargos especializados ou de determinada localidade ou região, bem como na proteção das funções na comarca da Capital.

Esta é a mesma dicção do artigo 1º e seu parágrafo único, do Ato Normativo n. 717/2011, invocado pelo suscitante, o qual, de forma expressa, ressalva a atuação das Promotorias de Justiça especializadas referidas no artigo 295 da Lei Complementar Estadual n. 734/93. Assim dispõe o artigo 1º do mencionado Ato Normativo:

Art. 1°. Compete à Promotoria de Justiça Cível a proteção e fiscalização das fundações, ressalvada a atuação das Promotorias de Justiça Especializadas referidas no artigo 295 da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993.

Parágrafo único. Compete, ainda, à Promotoria de Justiça Cível a promoção de ação visando à dissolução de associações e entidades de interesse social, sem fins lucrativos, que recebam auxílio ou subvenção do Poder Público ou que se mantenham, no todo ou em parte, com contribuições periódicas de populares, nos termos do Decreto-lei nº 41, de 18 de novembro de 1966, sem prejuízo de outros pedidos conexos, observada a ressalva da parte final do caput.

Assim, ainda que os supostos atos de improbidade tenham sido praticados no seio de entidade privada, eventualmente submetida aos termos do Decreto-lei nº 41, de 18 de novembro de 1966, que trata da dissolução de sociedades civis de fins assistenciais, cabe, no atual momento, à especializada Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social apreciar a representação, até mesmo porque, em vista dos fatos apresentados, por ora, nada há nos autos a indicar a necessidade de atuação voltada à extinção da pessoa jurídica.

Daí a conclusão de que, na hipótese em exame, a atribuição para a investigação é do suscitante.

Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 23 de agosto de 2018.

 

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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