Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 62.052/09

(Representação nº 09/09)

Suscitante: Promotor de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Adamantina

Suscitada: Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão de Adamantina

 

 

Ementa:

1)Conflito negativo de atribuições. Representação. Notícia de situação de risco à Saúde Pública. Falha na fiscalização, por parte da Municipalidade, quanto ao estacionamento de caminhões para transporte de gado, na via pública. Resquícios de produtos que podem causar malefícios à saúde humana.

2)Inexistência de situação de risco ao Meio Ambiente, ou ao contexto da proteção de valores urbanísticos. Situação de risco à Saúde Pública. Atuação possivelmente preventiva, a fim de impedir situações de surgimento e proliferação de doenças infectocontagiosas.

3)Conflito conhecido e dirimido, determinando-se caber à suscitada prosseguir na investigação.

Vistos.

1)Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Adamantina, e como suscitada a DD. Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão de Adamantina.

Foi encaminhada representação à Promotoria de Justiça de Adamantina, noticiando, em síntese, que determinado cidadão, freqüentemente, estaciona em via pública daquela cidade caminhão utilizado no transporte de gado (caminhão “tipo boiadeiro”), sem as mínimas condições de higiene e limpeza. Isso estaria a provocar risco de proliferação de “mosquitos, pulgas, carrapatos e outros insetos que agridem a saúde das pessoas” (fls. 3).

Além disso, de acordo com referida representação, tais fatos foram noticiados à Municipalidade de Adamantina, que não adotou providência consistente alguma, nada obstante a vigilância sanitária tenha constatado o risco decorrente da situação noticiada, pois “além de incomodar a vizinhança, o odor das fezes atrai o mosquito transmissor da Leishmaniose” (fls. 4).

A suscitada, DD. Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão de Adamantina, declinou de oficiar nos autos, assentando, em síntese, que “no que concerne à saúde pública não há notícia de irregularidade no atendimento a pessoas eventualmente infectadas com as doenças infectocontagiosas conhecidas por ‘Dengue’ e ‘Leishmaniose’, no Município de Adamantina” (fls. 25).

O suscitante, DD. Promotor de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, ao receber os autos, destacou que o caso envolve questão de Saúde Pública, pois “o fulcro da questão não é de meio ambiente dos quintais sujos, mau cheiro, ou proliferação de insetos, mas, especialmente, de combater a Leishmaniose, que deve ter acompanhamento do Ministério Público sob vários aspectos: tratamento médico adequado dos nosocômios, prevenção com erradicação do mosquito transmissor, acabar com os focos de proliferação dos mosquitos, e acabar com os hospedeiros, que são os animais infectados, geralmente cachorros” (fls. 27, grifos no original).

É o relato do essencial.

2)Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Esta idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2ºvol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, com o devido respeito com relação ao entendimento adotado pela suscitada, DD. Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão da Comarca de Adamantina, o tema central a ser avaliado, em razão da representação endereçada ao Ministério Público, diz mesmo respeito à questão de Saúde Pública.

A leitura dos autos demonstra, sensivelmente, que o problema que emerge da hipótese em exame não é de natureza ambiental, ou mesmo de uso do solo urbano, mas sim os riscos que poderão surgir à saúde da coletividade, em razão de não ocorrência de fiscalização e inibição, pelo Poder Público, de condutas como aquelas noticiadas na representação.

Em outras palavras, ainda que não se tenha, ao menos até o presente momento, constatado a proliferação de doenças pelo fato de serem estacionados caminhões “tipo boiadeiro” na via pública, não há dúvida de que risco concreto nesse sentido existe, mormente considerado o estado de tais veículos, não higienizados antes de ingressarem no centro urbano.

Ademais, é necessário pensar, em casos assim, na possibilidade de serem realizadas gestões, junto ao Poder Público local, a fim de que sejam adotadas providências relativas ao exercício da Polícia Sanitária. Isso, com o escopo de impedir-se que situações dessa natureza se tornem recorrentes, causando risco de endemias ou epidemias de doenças como aquelas noticiadas na representação.

Em síntese, data vênia quanto ao respeitável entendimento esposado pela suscitada, tratando-se de questão relativa à atuação preventiva do Ministério Público em questão inerente à Saúde Pública, a atribuição para oficiar no feito será do órgão ministerial que exerça as funções de Promotor de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão da Comarca.

3)Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, DD. Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão de Adamantina, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 29 de maio de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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