Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado nº 0064052/16

Suscitante: 13º Promotor de Justiça de Santos

Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Santos

 

 

Ementa:

1.      CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO CIVIL. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA DETERMINADA PELO CONSELHO SUPERIOR PARA REALIZAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES.

2.      A conversão do julgamento em diligência não transfere a competência da direção do inquérito civil, pois, abre a oportunidade de reapreciação da convicção do membro do MP que o preside que pode manter ou não sua posição favorável ao arquivamento.

3.      Se, fundamentadamente, mantém seu entendimento anterior, deve, a contrario sensu do quanto disposto no art. 100, in fine, do Ato Normativo n. 484/06, remeter os autos ao CSMP para complementação do julgamento.

4.      Ademais, caberá ao membro do Ministério Público que promoveu o arquivamento cumprir a diligência determinada pelo Egrégio Conselho Superior. Inteligência do inciso IV do § 1º art. 100 do Ato Normativo n. 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006 (PT. n.º 123.515/06).

5.      Conflito conhecido e dirimido, declarando-se caber ao suscitado oficiar no feito.

 

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 13º Promotor de Justiça de Santos e como suscitado o 12º Promotor de Justiça de Santos.

Segundo consta dos autos, o 14º Promotor de Justiça de Santos promoveu o arquivamento do presente inquérito civil (nº 14.0426.0002049/2014-5), que foi instaurado para apurar possível ato de improbidade administrativa, em decorrência da construção de uma praça pública em terreno de propriedade particular. A promoção de arquivamento (fls. 631/636) teve por fundamento a possível inexistência de justa causa para o ajuizamento de ação civil pública.

Ocorre que o Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, por intermédio do Voto do Ilustre Conselheiro SERGIO NEVES COELHO, converteu o julgamento em diligência, após destacar que o imóvel utilizado como praça pública é de propriedade particular, embora tenha havido gastos públicos em referida praça. A conversão do julgamento em diligência (fl. 639) se deu “para que seja averiguado se houve a formalização do ato de cessão de uso do imóvel particular para utilização pela administração pública em Santos, em favor dos munícipes usuários”.

Diante da decisão do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, determinou-se a expedição de ofício à Municipalidade (fl. 641).

Posteriormente, o DD. 14º Promotor de Justiça declarou-se suspeito (fl 649), remetendo os autos ao DD. 12º Promotor de Justiça, seu substituto automático.

Em seguida, o DD. 12º Promotor de Justiça remeteu os autos (fls. 667/670) ao DD. 13º Promotor de Justiça, que devolveu o feito ao DD. 12º Promotor de Justiça (fls. 672/674), que o remeteu ao DD. 15º Promotor de Justiça (fls. 682/683) e, de sua parte, o enviou ao DD. Promotor de Justiça Substituto.

Sobreveio, então, a manifestação de fls. 685/687, lançada pelo DD. Promotor de Justiça Substituto, no exercício das funções do Patrimônio Público e Social, remetendo os autos do inquérito civil ao Promotor de Justiça com atribuições na área da Habitação e Urbanismo, sob a alegação de não vislumbrar possível prejuízo ao erário.

Ao receber os autos, o DD. 13º Promotor de Justiça de Santos, com atribuições na área da Habitação e Urbanismo, suscitou o conflito negativo de atribuições, por entender que “cabe ao 12º Promotor de Justiça de Santos realizar as diligências determinadas pelo Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e, após, decidir sobre a manutenção da promoção de arquivamento, nesse caso remetendo os autos para análise nos termos do artigo 9º da Lei Federal 7.347/85, ou então promover a ação civil pública” (fl. 692).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do Parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

E, a situação ora sob exame indica que caberá ao suscitado a atribuição para funcionar no feito.

Com efeito, a decisão do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ao apreciar o arquivamento do procedimento investigatório, converteu o julgamento em diligência, “para que seja averiguado se houve a formalização do ato de cessão de uso do imóvel particular para utilização pela administração pública em Santos, em favor dos munícipes usuários”.

Acrescente-se que o inciso IV do § 1º art. 100 do Ato Normativo n. 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006 (PT. nº. 123.515/06), responsável por disciplinar o inquérito civil e demais investigações do Ministério Público na área dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, as audiências públicas, os compromissos de ajustamento de conduta e as recomendações, dispõe que o Conselho Superior do Ministério Público, ao analisar a promoção de arquivamento, poderá determinar a conversão do julgamento em diligência, com o prosseguimento no inquérito civil já instaurado, indicando de forma expressa as diligências necessárias.

Embora o egrégio colegiado revisor tenha convertido o julgamento da promoção de arquivamento em diligência, é oportuno observar que a referida determinação, ao especificar medidas investigatórias, não transferiu a atribuição da direção do inquérito civil.

Por isso, a conversão do julgamento em diligência abre a oportunidade de reapreciação da convicção do membro do Ministério Público que preside o inquérito civil que pode, sem receio de atentado à hierarquia, manter ou não sua posição favorável ao arquivamento.

Se, fundamentadamente, mantém seu entendimento anterior, deve, a contrario sensu do quanto disposto no mencionado art. 100, in fine, remeter os autos ao Conselho Superior para complementação do julgamento.

Nota-se, portanto, que a investigação deverá prosseguir sob a presidência do suscitado.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 12º Promotor de Justiça de Santos (substituto automático), a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 23 de maio de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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