Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº64.532/2008

(Inquérito Civil nº23/07 – GAEIS)

Suscitante: Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social

Suscitado: Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude

 

 

 

Ementa: 1)Inquérito civil. Conflito negativo de atribuições. Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social e Promotoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude. Investigação sobre o funcionamento do “Programa Escola da Família”.  2)Causa da atuação ministerial relacionada à proteção de interesses difusos e coletivos na área da Infância e da Juventude. Programa governamental que tem por escopo afastar crianças e adolescentes de situações de vulnerabilidade, e risco de deterioração na perspectiva social. 3)Parcial coincidência das atribuições dos órgãos em conflito. Órgãos ministeriais que possuem atribuições de abrangência equivalente. Critério para a solução do conflito que decorre da identificação do órgão mais especializado (art.114 § 3º da Lei Complementar Estadual nº734/93). 4)Conflito conhecido e dirimido, com determinação para que prossiga no feito a Promotoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da  Infância e da Juventude.

 

 

 

Vistos,

 

 

1)Relatório.

 

         Trata-se de conflito negativo de atribuições suscitado pelas DD. Promotoras de Justiça que oficiam no Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social (GAEIS), Dra. (...) e Dra. (...), tendo como suscitada a DD. Promotora de Justiça que atua na Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude, Dra. (...).

 

         O Inquérito Civil nº23/2007-GAEIS foi instaurado pelo Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social, cf. portaria de fls.6/8, a fim de apurar o “funcionamento do Programa Escola da Família, resultado do Projeto de Cooperação Técnica entre a Secretaria do Estado da Educação do Governo de São Paulo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – e o Ministério das relações Exteriores, representado pela Agência Brasileira de Cooperação – ABC”.

 

         Por ofício oriundo da Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude (ofício nº6.045/07-PJDCIJ), foi solicitada a remessa do inquérito civil em epígrafe àquela Promotoria Especializada, sob a afirmação de que o objeto da investigação encontrava-se inserido no âmbito das respectivas atribuições (fls.277).

 

         Determinada a remessa (fls.278), sobreveio manifestação da Dra. (...), DD. Promotora de Justiça que oficia na Promotoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude, sustentando que: (a) o inquérito civil tem objeto que não se insere em suas atribuições; (b) não se trata de matéria relacionada à oferta de ensino básico a crianças e adolescentes, tampouco de programa social destinado especificamente àqueles; trata-se de programa social destinado às famílias de crianças e adolescentes e à comunidade em geral (fls.282).

 

         Devolvidos os autos ao Grupo Especial, a Dra. (...) e a Dra. (...) suscitaram o conflito negativo, aduzindo que: (a) o Grupo Especial detém atribuições de natureza residual quanto a outras Promotorias Especializadas; (b) o objetivo do Programa Escola da Família é “desenvolver ações de natureza preventiva à vulnerabilidade juvenil, por meio da abertura, aos finais de semana, das unidades escolares estaduais”, permitindo que os jovens paulistas desenvolvam “atitudes e comportamentos compatíveis com uma trajetória saudável de vida”; (c) como tal, o objeto da investigação está inserido nas atribuições da Promotoria Especializada (fls.286/288).

 

         Este é o breve relato do que consta dos autos.

 

2)Fundamentação.

 

         O conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

 

         Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

 

         As atribuições dos cargos especializados de Promotor de Justiça contam com expressa discriminação legal. Na hipótese da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, a prescrição contida na Lei Orgânica Estadual do Ministério Público é no sentido do exercício de funções judiciais e extrajudiciais relativas à “proteção integral da criança e do adolescente, bem como as relações jurídicas decorrentes de seu regime jurídico especial, desde que de competência da Justiça da Infância e da Juventude” (art.295 IV da Lei Complementar Estadual nº734/93).

 

         Por seu turno, o Grupo de Atuação Especial de Inclusão Social (GAEIS) foi criado por força do Ato Normativo nº473-CPJ, de 27 de julho de 2006.

 

         Do referido ato normativo merecem relevo as seguintes disposições:

 

(a)o Grupo Especial foi constituído no âmbito das Promotorias Especializadas da Cidadania, Infância e Juventude, Habitação e Urbanismo, Consumidor, Mandados de Segurança, Cível e Criminal da Capital (art.1º);

 

(b)sua incumbência volta-se aos casos em que houver violação ou risco iminente a direitos fundamentais ou básicos sociais (art.2º);

 

(c)as atribuições cíveis e criminais do Grupo Especial, previstas no ato normativo, devem ser desenvolvidas sem prejuízo da eventual atuação do promotor natural, com a possibilidade de atuação conjunta (art.5º);

 

(d)o processo instaurado a partir de denúncia apresentada pelo Grupo Especial, ou mesmo a ação civil pública por este proposta, com base em procedimento investigatório próprio, serão atribuições do Grupo, sem prejuízo da atuação conjunta com o promotor natural (art.5º §2º).

 

         Pois bem.

 

         Da previsão legal atinente às atribuições das Promotorias Especializadas, em cotejo com as atribuições do Grupo de Inclusão Social, nos termos do Ato Normativo nº473-CPJ/2006, é possível extrair que tanto aquelas, como este, velam igualmente pela tutela de interesses difusos e coletivos. É possível afirmar, inclusive, que existe certa sobreposição entre as atribuições de cada órgão, do que decorre, de certo modo, o caráter residual da atuação do Grupo Especial.

 

         Na hipótese em exame, o objeto da investigação diz respeito ao funcionamento do denominado “Programa Escola da Família”, desenvolvido por força de Projeto de Cooperação Técnica entre a Secretaria de Estado da Educação, e a Organização das Nações Unidas. Tal projeto, como se infere de cópia de documentos juntados aos autos, tem como objetivo “desenvolver ações de natureza preventiva à vulnerabilidade juvenil, através da abertura, aos finais de semana, para a comunidade escolar, das escolas da rede pública do Estado de São Paulo, colaborando para o desenvolvimento, nos jovens paulistas, de atitudes e comportamentos compatíveis com uma trajetória saudável de vida, assegurados pelos princípios básicos de uma convivência harmônica e participativa (fls.36, g.n.).

 

         Partindo do objeto da investigação, é viável aduzir que eventual ação civil pública que daí resultar será voltada à imposição de melhoria nas condições de funcionamento do referido programa social. A finalidade precípua de iniciativa desta sorte será, em primeira mão, permitir a utilização de escolas da rede pública estadual em atividades que fomentem, nos jovens, o desenvolvimento da cultura da participação e do convívio social harmônico. Supondo êxito de eventual ação judicial, haverá reflexo positivo no plano das relações sociais nas quais envolvidos os jovens e familiares beneficiários do programa.

 

         Some-se a isso que a demanda seria aparelhada, ao que tudo indica, perante Vara Especializada da Infância e da Juventude, pois estaria a tratar, como visto, dos interesses difusos e coletivos afetos à criança e ao adolescente (art.148 IV, c.c. o art.208 §1º da Lei nº8.069/90).

 

         Assente, assim, que a causa de atuação ministerial decorre da defesa de interesses difusos e coletivos da infância e da juventude, e que suscitante e suscitada possuem atribuições para atuar na hipótese, resta identificar qual o critério adequado para a solução do conflito.

 

         A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo do interesse público mais abrangente (art.114 §2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art.114 §3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 §3º).

 

         Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

 

         Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, “considera-se a seguinte ordem crescente de abrangência: interesses individuais, interesses individuais homogêneos, interesses coletivos, interesses difusos e interesse público; considera-se ainda mais abrangente o interesse indisponível em relação ao disponível” (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.421/422).

 

         Na hipótese em análise, a causa da intervenção é a defesa de interesses difusos e coletivos da infância e da juventude; sendo certo que os órgãos em conflito possuem atribuições, de abrangência equivalente, para a defesa dos referidos interesses.

 

         Deste modo, a solução para o conflito reside no critério subseqüente previsto na Lei Orgânica Estadual: deve oficiar o órgão mais especializado, nos termos do art.114 §3º da Lei Complementar nº734/93.

 

3)Decisão.

 

         Diante do exposto, e com amparo no art.115 da Lei Complementar Estadual nº734/93, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, determinando caber à Promotoria de Justiça de Defesa de Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude prosseguir no feito, em seus ulteriores termos.

 

         Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

 

São Paulo, 11 de junho de 2008.

 

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça