Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 65.058/2011

(Ref. SIS MP 43.0234.0000213/2011-9)

Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Habitação e Urbanismo)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Cidadania)

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 5º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Habitação e Urbanismo - suscitante) e 2º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Cidadania - suscitado).

2)     Representações a respeito do mesmo fato, uma indicando ocorrência de dano ao erário e outra apontando para risco relativamente a interesses urbanísticos. Instauração de duas investigações distintas.

3)     Possibilidade, não obrigatoriedade, de concentração das investigações em um dos Promotores com atribuições especializadas. Viabilidade do seguimento de procedimentos distintos destinados a apurar repercussões, de um lado ao erário e de outro a aspectos urbanísticos.

4)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do 2º Promotor de Justiça na investigação.

Vistos.

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a titular do cargo de 5º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Habitação e Urbanismo), e como suscitada a titular do cargo de 2º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Cidadania), relativamente ao feito em epígrafe (SIS MP 43.0234.0000213/2011-9), tendo como objeto, conforme ementa constante da autuação “apurar eventuais irregularidades na permuta de três áreas públicas municipais por uma área particular autorizada pela Lei Municipal nº 3.073 de 20/04/2011”.

Foi encaminhada representação ao Ministério Público, solicitando a instauração de inquérito civil para apuração de dano ao patrimônio público, contendo notícia de que os valores adotados para a alienação de três áreas públicas, mediante permuta com imóvel particular, eram inferiores aos valores de mercado imobiliário, com risco, portanto, de dano ao erário.

Recebido o expediente pela suscitada, DD. 2º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Cidadania), esta requisitou informações iniciais à Câmara Municipal e à Municipalidade (fls. 2, 44, 45).

Relativamente aos mesmos fatos a suscitante, DD. 5º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Habitação e Urbanismo), por ter recebido representação voltada à apuração de irregularidade na esfera urbanística, instaurou outro procedimento investigatório, encaminhando cópias à suscitada (fls. 108/158).

Dada a notícia do procedimento investigatório instaurado na Promotoria de Habitação e Urbanismo, a suscitada encaminhou à última os presentes autos, afirmando, em síntese, ter ocorrido a prevenção, e que o principal aspecto a ser investigado diz respeito à ordem urbanística (fls. 159/162).

Diante desse quadro a suscitante, 5º Promotor de Justiça de Carapicuíba (Habitação e Urbanismo), remeteu os autos à Procuradoria-Geral de Justiça para exame do conflito negativo, aduzindo, em suma, que não é imperativa a reunião das investigações, sendo possível o seguimento da investigação urbanística separadamente da apuração quanto ao dano ao erário (fls. 166/172).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em exame, foram encaminhadas representações ao Ministério Público, separadamente, tratando do mesmo fato, mas com diferentes perspectivas.

Ou seja, na representação que rendeu ensejo a este expediente foi postulada a apuração da ocorrência de dano ao patrimônio público, enquanto a outra representação, que motivou a instauração de investigação pela suscitante (cf. cópia de portaria de fls. 109/110), refere-se a possíveis irregularidades na esfera da habitação e urbanismo (desafetação de área institucional).

Esta Procuradoria-Geral de Justiça já decidiu, em algumas ocasiões, que a existência de sobreposição em um mesmo procedimento de atribuições relativas a Promotorias especializadas na área de interesses metaindividuais pode ser solucionada, em muitos casos, através do critério da prevenção.

Entretanto isso não significa que deverá sempre, a priori, ocorrer reunião de procedimentos distintos nos quais são investigadas perspectivas diferentes relativas ao mesmo fato.

Se fosse correta a conclusão de que a aferição da lesão ao erário sempre deverá ser feita em conjunto com a apuração de outro interesse supra-individual, ocorreria o esvaziamento de boa parte das atribuições da Promotoria com atribuições na área do patrimônio público.

A reunião de investigações está na esfera da possibilidade, não da obrigatoriedade, sendo sempre necessário aferir a utilidade de tal solução diante de peculiaridades de cada caso concreto considerado.

Em síntese: se há um feito instaurado, no qual há notícia de lesão a um interesse metaindividual (consumidor, meio ambiente etc.) e também lesão ao erário, nada impede que atue nessa investigação o órgão ministerial de uma das áreas envolvidas, em razão da prevenção.

Entretanto, se foram concomitantemente instauradas duas investigações distintas, uma relativa à lesão ao erário, e outra relativa à ofensa a outro interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, é plausível que cada órgão ministerial prossiga em sua atuação especializada, sendo recomendável, evidentemente, que haja troca de informações e sintonia nas respectivas apurações. Em casos específicos, e se isso se mostrar recomendável do ponto de vista da maior eficiência da investigação, poderá ocorrer reunião de feitos, o que, entretanto, não se verifica no caso em análise.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitada, titular do cargo de 2º Promotor de Justiça de Carapicuíba, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 27 de maio de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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