CONFLITO DE
ATRIBUIÇÕES – CÍVEL
Ofício n. 792/2019 – MP- PJCS – PP (SIS-MP n. 66.0426.0003719/2018-5)
Suscitante: 14º Promotor de Justiça de Santos
Suscitado: 16º Promotor de Justiça de Santos
Ementa:
1.
Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 14º Promotor de Justiça de Santos. Suscitado: 16º
Promotor de Justiça de Santos. Reintegração de posse ajuizada pela
Municipalidade em face de ocupantes da "Gleba
Saboó”, localizada no Bairro Saboó, considerada área pública localizada em Zona
de Preservação Paisagística.
2.
As ações possessórias não integram o
microssistema processual coletivo. Embora as
3.
Conflito conhecido e dirimido, com determinação
de prosseguimento da intervenção ministerial por parte do suscitado.
Vistos,
1. Relatório
Trata-se de conflito entre os ilustres 14º Promotor de Justiça de Santos
(suscitante) e o 16º Promotor de
Justiça de Santos (suscitado) a respeito da atribuição para presidir o
protocolado (peças de informação) SIS-MP n. 66.0426.0003719/2018-5.
Pelo que se observa,
a Promotoria de Justiça Comunitária de
Santos encaminhou ao 14º Promotor de
Justiça de Santos os documentos de fls. 03/14, que noticiam a propositura
da ação de reintegração de posse proposta pela Municipalidade de Santos em face
de ocupantes de área pública, bem como a problemática decorrente da desocupação
do imóvel.
O Promotor de Justiça
então oficiante (com atribuição na esfera da habitação e urbanismo) solicitou do Poder Público local informações
a respeito das providências adotadas para a “alocação dos moradores de área a
ser reintegrada” (fl. 42).
O suscitado asseverou
a fls. 48/50 que na demanda de reintegração de posse já funciona o membro do
Ministério Público com atribuição na esfera do patrimônio público e que as
questões atinentes ao meio ambiente e à ordem urbanística já estão sendo
tuteladas.
Não se conformando
com a remessa, o 14º Promotor de Justiça de Santos suscitou conflito negativo
de atribuições, arguindo, em síntese: (a) a atuação como custos legis não implica a atribuição para presidir a investigação
para atuações futuras; (b) não há notícia de improbidade administrativa a
justificar a intervenção do suscitante, mas de questão estritamente
habitacional.
É a síntese.
2. Fundamentação
É possível afirmar
que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Verifica-se que o
Município de Santos ajuizou ação de reintegração de posse cumulada com
demolitória em face de diversos ocupantes da "Gleba Saboó”, localizada no Bairro Saboó,
considerada área pública localizada em Zona de Preservação Paisagística.
O 14º Promotor de
Justiça de Santos manifestou-se nos autos (fls. 346, 375, 542, 596 e 673.
Nos termos do ATO Nº 074/2015
– PGJ, de 04 de maio de 2015, que homologou as atribuições dos cargos de
Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE SANTOS, as atribuições do
14º e do 16º Promotor de Justiça de Santos são as seguintes:
V. 14º PROMOTOR
DE JUSTIÇA DE SANTOS:
a) feitos judiciais da 8ª, 9ª e 10ª Vara
Cível, inclusive suas audiências;
b) feitos
judiciais da 2ª Vara de Fazenda Pública, inclusive suas audiências;
c) 50% dos
feitos de Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade,
inclusive as ações civis públicas distribuídas;
d) feitos
judiciais de finais pares da 3ª Vara Fazenda Pública, inclusive suas
audiências;
e) Atendimento
ao público.
(...)
VII. 16º
PROMOTOR DE JUSTIÇA DE SANTOS:
a) 50% dos
feitos de Habitação e Urbanismo,
inclusive as ações civis públicas distribuídas;
b) 50% dos
feitos do Meio Ambiente,
inclusive as ações civis públicas distribuídas;
c) feitos
judiciais da 2ª Vara Cível, inclusive suas audiências;
d) Atendimento
ao público.
Esta
Procuradoria-Geral de Justiça firmou o entendimento no sentido de que a atribuição para atuar em demandas de reintegração de
posse é do membro do Ministério Público oficiante nos feitos cíveis (Protocolado MP nº 105.447/2018; Protocolado
MP nº 0091469/18; Protocolado MP nº 0088160/18).
Registre-se que, se por um lado, a atribuição para funcionar nas
demandas de reintegração de posse é do Promotor de Justiça Cível, fácil é
ver-se, entretanto, que a atuação na
seara transindividual persiste na especializada.
Não colhe a afirmação de que as
ações de reintegração de posse seriam uma espécie de ação coletiva passiva e
por isso caberia à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo ou da
Infância e Juventude nela atuar.
A ação coletiva passiva (defendant
class action do sistema norte-americano) pode ser entendida como a demanda
promovida contra grupo, categoria ou classe de pessoas e que tem como
peculiaridade a representatividade do polo passivo.
Na Exposição de Motivos do ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS elaborada pelo
Ministério da Justiça em 2.007, incorporando sugestões da Casa Civil, da Secretaria de
Assuntos Legislativos, da PGFN e
dos Ministérios Públicos de Minas Gerais,
Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo, foi feita a seguinte explanação
sobre a ação coletiva passiva:
“O Capítulo III introduz no
ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva originária, ou seja, a ação
promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria ou classe de pessoas. A
denominação pretende distinguir essa ação coletiva passiva de outras,
derivadas, que decorrem de outros processos, como a que se configura, por
exemplo, numa ação rescisória ou nos embargos do executado na execução por
título extrajudicial. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo o cabimento
da ação coletiva passiva originária (a defendant
class action do sistema norte-americano), mas sem parâmetros que rejam sua
admissibilidade e o regime da coisa julgada. A pedra de toque para o cabimento
dessas ações é a representatividade adequada do legitimado passivo, acompanhada
pelo requisito do interesse social. A ação coletiva passiva será admitida para
a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, pois esse é o caso que
desponta na “defendant class action”, conquanto
os efeitos da sentença possam colher individualmente os membros do grupo,
categoria ou classe de pessoas. Por isso, o regime da coisa julgada é
perfeitamente simétrico ao fixado para as ações coletivas ativas”.
Pode-se vislumbrar que se trata de uma ação coletiva vista pelo ângulo
do polo passivo; o enfoque,
portanto, não residiria no autor, no legitimado ativo, mas no polo passivo.
Não se nega que o
Ao lado da coisa julgada, a legitimidade é o
Bem se percebe que o tema é instigante e controverso; a complexidade
aumenta quando se desloca a análise para o polo passivo.
Contudo, rememore-se que o litisconsórcio multitudinário ou numeroso
“não abrange categorias ou grupos inteiros de pessoas, mas somente os sujeitos
nominados que vieram ao litígio – e isso é que substancialmente deixa o
litisconsórcio numeroso no campo da tutela individual. Além disso, a técnica
processual é outra, com legitimidade também individual” (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Litisconsórcio. 3. ed. rev. atual. e ampl. Malheiros Ed., 1994. p.
349). Assim é que os sistemas processuais do mundo contemporâneo barram a
formação de litisconsórcios muito numerosos sem grande afinidade entre as
pretensões individuais. De tal modo, o sistema italiano, ao cuidar do
litisconsórcio facultativo, permite ao juiz separar as demandas “se vi e istanza di tutte le parti, ovvero
quando la continuazione della loro riunione ritarderebbe o renderebbe piú
gravoso il processo, e puó rimettere al giudice inferiore le cause di sua
competenza” (art. 103, segunda parte, do CPC itatiano). No mesmo sentido o
Código Processual do Peru, ao afirmar que “Cuando
el Juez considere que la acumulación afecte el Principio de Economía procesal,
por razón de tiempo, gasto o esfuerzo humano, puede separar los procesos, los
que deberán seguirse independientemente, ante sus Jueces originales” (art.
91 do CPC peruano).
Ademais, importante ressaltar que a ação coletiva passiva deveria ser proposta contra grupo, categoria
ou classe. No caso das possessórias, resulta claro do § 1º do art. 554 que
não se trata de ação coletiva passiva, tanto é assim que se exige que a citação
seja feita nos ocupantes que forem encontrados no local e por edital nos
demais, e não na figura de um representante adequada da categoria.
E mais: quando o Código de Processo Civil menciona “litígio coletivo”
(arts. 178 e 565), o faz no sentido de
controvérsia multitudinária, e não necessariamente de demanda coletiva, a
contar com um representante adequado, quer no polo ativo, quer no polo passivo.
A distinção não é meramente acadêmica. Reflete-se no devido processo legal. Veja-se que na
Leciona a doutrina que quanto mais extenso o rol de legitimados maior a
necessidade do requisito da representatividade adequada, e que quanto maior for
a extensão a terceiros do julgado coletivo, maior a necessidade de controle
(GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências em matéria de legitimação e coisa
julgada. In: Direito Processual Comparado, XIII
World Congress of procedural Law, Salvador-Bahia, 16-22 set. 2007. Rio de
Janeiro: Forense, 2007. p. 522).
Cabe trazer à colação dois julgados acerca da matéria; o primeiro do Superior Tribunal de Justiça e o
segundo do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, que bem analisam a questão da representatividade adequada nas
ações propostas em face de diversas pessoas:
“A discussão quanto à
admissibilidade de processos coletivos passivos, porém, é bastante nova.
Nos diversos projetos de Códigos Coletivos existentes, há divergência
quanto ao assunto. Como bem observa FREDIE DIDIER e HERMES ZANETI JR.
(Curso de Direito Processual Civil, Vol. 4, 4º edição, pág. 401), entre
os diversos projetos atualmente existentes para a elaboração de um Código
para Processos Coletivos, há a previsão irrestrita de ações coletivas
passivas no Código-Modelo para Ibero-América (arts. 32 e ss.),
pelo Código de Processo Civil Coletivo elaborado por Antônio Guidi (art.
28) e pelo Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos, apresentado no âmbito dos programas de pós-graduação da UERJ e
UNESA (arts. 42 a 44). O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos elaborado por Ada Pellegrini Grinover, por sua vez, prevê esta
modalidade de ação apenas para a tutela de direito difusos ou coletivos,
em sentido estrito, excluindo os direitos individuais homogêneos.
Trata-se, portanto, de questão que ainda suscitará muito debate, no futuro.
No estado atual da legislação
quanto a processos coletivos, porém, notadamente considerando-se a regra
quanto à coisa julgada formada nas ações em que se discutam direitos
individuais homogêneos, não é possível admitir a apresentação, pelo réu, de
pedido de declaração incidental” (REsp 1051302/DF, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 28/04/2010).
(...)
“Muito embora seja possível a
propositura de ação em face de uma coletividade, com o objetivo de proteger
interesses difusos, é certo que esta deve possuir um representante determinado
e adequado, para que se afigure uma hipótese de legitimação extraordinária, em
que o representante agirá em nome próprio na defesa de interesses de terceiros.
No caso em tela, a ação foi ajuizada em face de todos os proprietários de
imóveis desabitados e fechados, abandonados ou com acesso não permitido pelo
morador em todo o Município. Trata-se, na acertada visão da Douta Procuradoria
de Justiça de ‘... uma coletividade incerta e indeterminada, sem vínculos
fáticos e jurídicos concretos entre seus integrantes (suposta comunhão de
possuidores e proprietários de imóveis abandonados e desocupados), como neste
caso, que não possui obviamente representantes legítimos.’. Ante a falta de indicação
de um representante adequado para a coletividade colocada no polo passivo é que
se deve considerar a petição inicial inepta e a ação carente” (Relator(a):
Ponte Neto; Comarca: São José do Rio Pardo; Órgão julgador: 8ª Câmara
de Direito Público; Data do julgamento: 22/07/2015; Data de registro:
22/07/2015).
Por último – mas não menos importante -, as ações possessórias não
integram o microssistema processual coletivo. Embora as
Ademais, as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera
dos interesses difusos, dos interesses coletivos e dos interesses individuais
homogêneos são tratadas de forma explícita.
Nesses casos, pelo que ordinariamente se observa, os atos que fixam a
divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça
a missão de atuar em defesa de interesse especificado (meio ambiente,
consumidor, patrimônio público, etc.). E as regras de experiência demonstram,
do mesmo modo, que essa atuação, assim fixada, diz respeito às ações civis
públicas propostas pelo Ministério Público, como também à atuação, como fiscal
da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria propostas por
outros legitimados.
Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses, que dizem respeito,
portanto, à atuação ministerial como fiscal
da ordem jurídica em outros processos, são atribuições a respeito das quais
os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente.
Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação geral da função de
oficiar em “feitos cíveis”.
Registre-se que, se por um lado, a atribuição para funcionar nas
demandas de reintegração de posse é do Promotor de Justiça Cível, fácil é ver-se,
entretanto, que a atuação na seara
transindividual persiste na especializada, caso se mostrem necessárias outras
providências.
Logo, sem prejuízo da atuação do 14º Promotor de Justiça de Santos como custos legis no processo n.
1005890-36.2018.8.26.0562, em trâmite na 3ª Vara da Fazenda Pública do Foro de
Santos, a atribuição para verificar eventuais questões residuais, entre elas as
decorrentes de regularização fundiária, é do 16º Promotor de Justiça de Santos.
Em síntese:
1. Cabe aos Promotores de Justiça com atribuição na área cível funcionar
como “custos legis” nas ações de reintegração de posse;
2. A atribuição para atuar no
plano transindividual, na adoção de medidas jurídicas
ambientais, é da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo.
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições
e dirimo-o, declarando caber ao suscitando, 16º Promotor de Justiça de Santos, prosseguir na investigação, em
seus ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Peticione-se no feito
respectivo.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio
Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 09 de abril de 2019.
Giapaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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