Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
nº68.721/2008
(Inquérito Civil nº100/06 – Ubatuba)
Suscitante:
Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba
Suscitada:
Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte.
Ementa: 1)Conflito negativo de atribuições. Promotoria de
Justiça com atuação regionalizada no Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo –
Litoral Norte (suscitada), e Promotoria de Justiça do Meio Ambiente,
Habitação e Urbanismo de Ubatuba (suscitante). 2)Danos ao meio ambiente.
Parcelamento clandestino. Alcance de área de preservação permanente. Danos
locais. Ausência de repercussão regional. 3)Conflito conhecido e dirimido.
Determinação para que o Promotor da Comarca prossiga no feito, em seus
ulteriores termos. |
Vistos,
1)Relatório.
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, suscitado pelo DD. Promotor de
Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba, Dr. (...), tendo como suscitada a DD. Promotora
com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte, Dra. (...).
Foi
instaurado pela DD. Promotora de Justiça com atuação regionalizada na área do
Meio Ambiente – Litoral Norte, o inquérito civil em epígrafe, cujo objeto é a
investigação a respeito da notícia de “provável ocorrência de parcelamento
irregular do solo, em razão da constatação da supressão de vegetação de
floresta ombrófila densa no estágio médio de regeneração” (cf. portaria de
instauração, fls.3).
Observando que os danos não teriam sido
praticados em área de preservação permanente, a Promotora com atuação
regionalizada determinou a remessa dos autos à Promotoria de Justiça
Especializada da Comarca de Ubatuba (fls.88).
Após realização de diligências, o DD.
Promotor de Justiça de Ubatuba concluiu pela necessidade de buscar-se solução
não apenas para os danos ambientais verificados no caso concreto, mas de forma
generalizada. Assim, determinou a devolução dos autos à Promotora com atuação
regionalizada no Meio Ambiente (fls.134/135). Esta última, ao recebê-los,
proferiu nova deliberação no sentido de que correta seria a atuação da
Promotoria de Justiça de Ubatuba (fls.136), vindo esta última a suscitar o
conflito (fls.138/142).
Sustenta o suscitante que deverá
oficiar no caso a Promotoria com atuação Regionalizada na área do Meio Ambiente
– Litoral Norte, pois: (a) trata-se de parcelamento clandestino do solo em área
de preservação permanente; (b) há necessidade de se alcançar uma solução plena
para essa irregularidade, não restrita apenas aos danos ambientais
concretamente identificados; (c) os danos causados a áreas de preservação
permanente, sejam de pequena ou grande monta, têm repercussão regional; (d)
somados os danos de pequena monta, têm repercussão também regional.
De outro lado, afirma a suscitada que:
(a) a ocorrência de dano ambiental em área de preservação permanente não
autoriza a remessa dos autos à Promotora que atua de forma regionalizada; (b)
entendimento diverso fará com que todos os procedimentos investigatórios das
comarcas do Litoral Norte sejam deslocados para a investigação regionalizada.
Este
é o breve relato do que consta destes autos.
2)Fundamentação.
O conflito negativo de atribuições está configurado, e
deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada,
configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não
possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se
reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson
Garcia, Ministério Público, 2ªed.,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).
As
atribuições dos cargos especializados de Promotor de Justiça contam com
expressa discriminação legal.
As Promotorias de Justiça do Meio
Ambiente e de Habitação e Urbanismo, nos termos da Lei Orgânica Estadual do
Ministério Público de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº734/93, art.295 VI
e X), voltam-se à defesa dos interesses difusos ou coletivos relacionados com o
meio ambiente e outros valores artísticos, históricos, estéticos, turísticos e
paisagísticos (Meio Ambiente), bem como à defesa dos interesses difusos e
coletivos nas relações jurídicas relativas a desmembramento, loteamento e uso
do solo para fins urbanos (Habitação e Urbanismo).
De outro lado, a atuação regionalizada
no Meio Ambiente – Litoral Norte decorre de designação desta Procuradoria-Geral
de Justiça, publicada nos seguintes termos:
“nº 3036/2008 –
(...), 9ª Promotora de Justiça de Taubaté, para, com prejuízo de suas
atribuições normais, auxiliar no exercício das funções do 2º Promotor de
Justiça de Ubatuba, do 3º Promotor de Justiça de São Sebastião, do 3º Promotor
de Justiça Caraguatatuba e do Promotor de Justiça de Ilhabela, nas seguintes
matérias: espaços territoriais especialmente protegidos e seus atributos (área
de preservação permanente, reserva legal e unidades de conservação) e complexos
vegetacionais objeto de especial proteção; recursos hídricos e poluição
industrial hídrica; práticas rurais antiambientais; disposição final de esgoto doméstico,
resíduos sólidos e industriais; proteção da fauna ameaçada de extinção e danos
à fauna nativa de repercussão regional;
mineração em leitos de cursos d´água e canais em áreas inundáveis e outras
formas de mineração, desde que tenham repercussão
regional; questões relativas à função socioambiental do grande imóvel rural
e conflitos fundiários (CPC, art. 82, inc. III) ; b) habitação e urbanismo:
parcelamentos do solo clandestinos (em zona urbana e rural); parcelamentos
irregulares e ilegalmente licenciados, desde que tenham repercussão regional; regularização fundiária de assentamentos
precários e informais, de
Os
termos da designação para a atuação regionalizada são expressos, contendo
atribuições tanto para a defesa do Meio Ambiente como para oficiar na área de
Habitação de Urbanismo, desde que haja repercussão regional.
Pois
bem.
Não há dúvida, no caso em exame, que
tanto o suscitante como a suscitada possuem atribuições para oficiar
extrajudicialmente e judicialmente em defesa do Meio Ambiente e em questões
relacionadas à matéria de Habitação e Urbanismo. Há, em função disso, certa
sobreposição de atribuições entre os órgãos ministeriais em conflito, sendo
necessário buscar o fator de discriminação para a identificação do órgão que
deverá prosseguir nas apurações.
O espírito da atuação regionalizada, de
fato, é a existência de “repercussão regional” do problema relacionado ao
objeto da investigação ou de ação proposta. Tanto que, na própria dicção do ato
de designação, ao final de cada tópico ou matéria conferida à atuação da
Promotora destacada para a atuação regionalizada, há a advertência, como
cláusula de encerramento, de que sua atuação fica condicionada à existência de
“repercussão regional”.
E seria difícil imaginar solução
diversa, sob pena de esvaziar-se por completo as funções das Promotorias do
Meio Ambiente, bem como Habitação e Urbanismo, das comarcas do Litoral Norte do
Estado.
De
outro lado, a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar
Estadual nº734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os
seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante
para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo do interesse público mais abrangente (art.114 §2º); (b) tratando-se de
interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art.114
§3º); e (c) sendo todas as
atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou
procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 §3º).
Diante
dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual
deles serviria ao caso versado nestes autos.
Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli
anota que “se houver mais de uma causa
bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o
membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”,
esclarecendo que para tais fins, “considera-se
a seguinte ordem crescente de abrangência: interesses individuais, interesses
individuais homogêneos, interesses coletivos, interesses difusos e interesse
público; considera-se ainda mais abrangente o interesse indisponível em relação
ao disponível” (Regime Jurídico do
Ministério Público, 6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.421/422).
Não há dúvida que, no caso, suscitante
e suscitada possuem atribuições de abrangência equivalente: defesa do Meio
Ambiente, e matéria relacionada à Habitação e Urbanismo. Fica afastado, assim,
o primeiro critério para a solução do conflito.
De outro lado, a especialização, na
hipótese, socorre à solução do conflito, mas em raciocínio invertido: a
designação da Promotora com atuação regionalizada é expressa e condicionada à
existência de repercussão regional nos fatos apurados. Não sendo dessa dimensão
ou grandeza o objeto da investigação, cabe à Promotoria da comarca envolvida o
cumprimento das funções ministeriais relativas ao caso concreto.
Não há dúvida de que todo e qualquer
danos ambiental, em maiores ou menores proporções, afeta determinado
ecossistema, e consequentemente certa parcela do território. Mas o espírito que
tem norteado a atuação regionalizada é no sentido de reconhecê-la nos casos em
que a dimensão do dano assuma, efetivamente, proporções incomuns.
O preenchimento desse conceito
indeterminado pode ser feito utilizando, como fonte de interpretação analógica,
a regra de definição de competência, para o processo coletivo, contida no
art.93 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/90), aplicável também a
toda e qualquer demanda coletiva por força da remissão contida no art.21 da Lei
da Ação Civil Pública (Lei nº7.347/85).
Como
se sabe, nos casos de danos regionais, define-se a competência do foro da
capital do Estado ou do Distrito Federal, em detrimento do foro do local do
dano.
A
propósito do mencionado dispositivo, anota Ada Pellegrini Grinover que “o produto ou serviço pode acarretar
prejuízos de dimensões mais amplas, atingindo pessoas espalhadas por uma
inteira região ou por todo o território nacional” (Código de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto,
9ªed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2007, p.898). Esta interpretação,
segundo a mesma autora, afasta a competência da capital do Estado ou do
Distrito Federal, quando o dano envolva, por exemplo, apenas duas comarcas (op.
cit., p.898).
Tais idéias, de modo adaptado, podem
ser aplicadas analogicamente à solução de conflitos como o presente. Note-se
que: (a) não é a simples existência de dano ao meio ambiente que tipifica a
hipótese de funcionamento do órgão ministerial com atuação regionalizada; (b)
também não estará presente a atuação regionalizada se o dano vier a alcançar pequenos
espaços territoriais de duas comarcas diferentes.
Complemente-se: é necessário que a
relevância e dimensão do dano apurado no caso concreto sejam efetivamente
amplos, de sorte a produzir impacto incomum para o meio ambiente, para que se
faça presente a hipótese de atuação do Promotor designado para oficiar de modo
regionalizado.
À luz do sistema atual, e de
conformidade com os critérios utilizados para a designação, estes são os
parâmetros razoáveis de raciocínio para a solução de conflitos concretamente
verificados.
Nada impedirá, entretanto, de lege ferenda, alteração dessa divisão
de serviço. Mas, por ora, e ante os termos expressos da designação, conclui-se
que deverá oficiar nos autos o Promotor de Justiça suscitante.
3)Decisão.
Diante
do exposto, e com amparo no art.115 da Lei Complementar Estadual nº734/93,
conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, determinando
caber à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo de
Ubatuba prosseguir no feito, em seus ulteriores termos.
Publique-se a ementa. Comunique-se.
Registre-se. Restituam-se os autos.
São Paulo, 13 de junho de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça