Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0068941/2016

(MP nº 43.0279.0000173/2016-4)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Suscitado: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

2.      Direito social à moradia, pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Invasão em área próxima a recursos hídricos. Prováveis danos ambientais em área de proteção a mananciais. Informação da Polícia Militar do Estado de São Paulo no sentido de que na localidade existem aproximadamente quinhentos barracos de madeira, estando cerca de cento e cinquenta ocupados por famílias. Existência de moradias, com notícia de ocupação, ainda que em fase embrionária.

3.      A moradia constitui direito social previsto expressamente no art. 6º da Constituição Federal, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 90, de 2015. O direito de moradia, por conseguinte, além de ser um direito fundamental, está correlacionado com o preceito maior da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso, especialmente diante da notícia de existência de ocupação. Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado.

 

 

Vistos,

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital e, como suscitado, o DD. 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

Ao que consta, o DD. 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital promoveu o arquivamento do Inquérito Civil nº 698/15 (fls. 38/40), ao constatar que inexistia motivo para atuar, uma vez que a notícia de supressão de exemplares arbóreos e deposição de resíduos sólidos em imóvel localizado na Rua Cosme dos Santos, Jardim Helena, em São Paulo, não era procedente.

Ocorre que o Auto de Inspeção realizado pelo Departamento de Controle da Qualidade Ambiental da Prefeitura Municipal de São Paulo (fl. 29) relatou não ter havido a supressão de vegetação e nem a deposição de resíduos sólidos.

Todavia, diante da notícia da existência de invasão do imóvel localizado na esquina da Rua Macapera com a Rua Cosme dos Santos, o DD. 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital determinou, no ato de arquivamento, a extração e a remessa de cópias à Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo.

Após a realização de algumas diligências, o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital decidiu por suscitar o presente conflito de atribuições (fls. 100/106), invocando a Súmula nº 49 do E. Conselho Superior do Ministério Público, bem como o fato de inexistir loteamento ou desmembramento no local.

É o relato do essencial.

Configurado o conflito negativo de atribuições, o presente expediente deve ser conhecido.

É relevante frisar que o Auto de Inspeção realizado pelo Departamento de Controle da Qualidade Ambiental da Prefeitura Municipal de São Paulo (fl. 29) relatou não ter havido a supressão de vegetação e nem a deposição de resíduos sólidos. Relatou, todavia, a existência, no local, de construções de madeira e alvenaria.

Por isso, a investigação deverá ser presidida pelo membro do Ministério Público com atribuição na área da Habitação e Urbanismo, especialmente pelo fato da existência de construções no local e pela não observância de danos ambientais.

Assim é que a presidência da investigação caberá ao suscitante, uma vez que latente o parcelamento irregular do solo na localidade. Ademais, constatou-se a existência de moradias com ocupação.

Extrai-se, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, que a premissa para a fixação da atribuição na Promotoria de Habitação e Urbanismo é de que haja, efetivamente, parcelamento e moradias com ocupação.

Os conceitos de parcelamento e desmembramento do solo estão fixados objetivamente no art. 2º da Lei nº 6.766/79, com a seguinte redação:

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

As informações coligidas aos autos indicam haver moradias, com notícia de ocupação, ainda que em fase embrionária, nos termos do art. 2º, § 2º da Lei de Loteamentos e do art. 3º, II do Ato nº 55/95 PGJ.

Não de pode, ainda, desconsiderar a sistemática trazida pela Lei n. 11.977/2009, que dispõe, entre outros assuntos, da regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

Sabe-se que a regularização fundiária pode ser entendida como o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Di-lo o art. 46 da Lei n. 11.977/2009.

A moradia constitui direito social previsto expressamente no art. 6º da Constituição Federal, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 90, de 2015. O direito de moradia, por conseguinte, além de ser um direito fundamental, está correlacionado com o preceito maior da dignidade da pessoa humana. Aliás, nesse sentido, veja-se o quanto disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (adotada e proclamada pela Res. 217-A, de 10.12.1948):

“Artigo XXV:

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de de­semprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”

Dessa forma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso, especialmente diante da notícia de existência de ocupação.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitante, o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 10 de junho de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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