Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
nº79.352/08
Inquérito
Civil nº31/08 (Promotoria de Habitação e Urbanismo de Cotia)
Suscitante:
Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de Cotia
Suscitado:
Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de Embu
Ementa: 1)Inquérito Civil. Conflito de atribuições. Apuração
de parcelamento ilegal do solo. Venda de fração ilegal de lotes sem
procedimento de registro de loteamento, em desacordo com o sistema previsto
na Lei nº6766/79. 2)Dúvida quanto à localização do parcelamento. Informações
no sentido de que o parcelamento se situa no foro onde oficia o suscitado (Embu).
3)Eventualidade de que fração do parcelamento também se situe no foro onde
oficia o suscitante (Cotia). Critério da prevenção, por analogia daquele
previsto em lei para a solução de conflitos de competência em ações coletivas
(art.2º parágrafo único da Lei nº7347/85). Expressa previsão legal do
critério da prevenção para a solução de conflitos de atribuições entre órgãos
ministeriais (art.114 §3º da Lei Complementar Estadual nº734/93). 4)Conflito
conhecido e dirimido, com determinação de caber ao suscitado prosseguir no
feito. |
Vistos,
1)Relatório.
Tratam estes autos de conflito negativo de
atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de
Cotia, titular das atribuições da Promotoria de Habitação de Urbanismo da
Comarca, Dr. (...), tendo como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de Embu,
titular das atribuições da Promotoria de Habitação e Urbanismo da Comarca, Dr. (...).
O
procedimento investigatório foi originariamente instaurado por força de
encaminhamento de cópias do Pedido de Providências nº40/2005, pela Juíza
Corregedora Permanente do Registro de Imóveis da Comarca de Itapecerica da
Serra, Dra. (...), procedimento no qual, acolhendo-se a iniciativa da própria
serventia extrajudicial, foi determinado o bloqueio da matrícula nº43.941 do
Cartório do Registro de Imóveis de Itapecerica da Serra. A medida
administrativa foi determinada em virtude da notícia de inúmeras vendas de
frações ideais da referida gleba, com suspeita da ocorrência de parcelamento
clandestino do solo, e violação ao disposto na Lei nº6766/79 (fls.4/22).
Recebida a representação pelo DD. 3º
Promotor de Justiça de Embu, Dr. (...), foram determinadas diligências iniciais
(fls.23), sendo certo que, posteriormente, com a informação de que o
parcelamento clandestino teria ocorrido na comarca de Cotia, foi determinada a
remessa dos autos à Promotoria de Habitação e Urbanismo de Cotia (fls.51).
Em Cotia, novas diligências foram
determinadas (fls.53), sendo o procedimento convertido
Posteriormente, constatando que a maior
parte do imóvel está situada em Embu, e apenas pequena parte dele em Cotia, o
DD. 2º Promotor de Justiça de Cotia, Dr. (...), suscitou o conflito negativo de atribuições (fls.87/92).
Este é o breve relato do que consta
destes autos.
2)Fundamentação.
O conflito negativo de atribuições está configurado, e
deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada,
configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não
possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se
reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson
Garcia, Ministério Público, 2ªed.,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).
A solução do conflito depende,
essencialmente, da verificação inicial sobre a hipótese objeto de investigação.
Como visto acima, o procedimento
investigatório, posteriormente convolado
Na esfera cível, não há qualquer dúvida
de que, ocorrendo parcelamento ilegal ou irregular do solo, ter-se-á a
configuração da violação de interesses de ordem supraindividual, que renderá
ensejo, eventualmente, à propositura de ação civil pública para que os
responsáveis sejam compelidos a obrigações de fazer (v.g. regularizar o
empreendimento, adotar medidas de adequação urbanística), não fazer (v.g.
cessação da venda irregular de lotes), pecuniária (v.g. reparação do dano
urbanístico causado), entre outras.
Para tanto, fazendo uma projeção
hipotética da demanda que viria a ser proposta, chegar-se-á à conclusão de que
será aplicável à hipótese a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº7347/85), cujo
art.1º VI estipula, como um de seus objetos possíveis, a pretensão, em juízo, à
proteção da ordem urbanística.
Dentro dessa linha de raciocínio,
competente para eventual demanda será, caso venha a ser proposta, o foro do
local do dano, nos termos do art.2º da Lei nº7347/85.
Há situações, entretanto, em que o dano
coletivo se produz em mais de um foro. Para estes casos, o parágrafo único do
mencionado art.2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de
eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção é que definirá a correta
resposta para tais indagações.
Essa breve analogia com questões
relativas à competência para o processo coletivo, é importante para o
equacionamento de conflito de atribuições.
No caso em exame, o conflito surgiu
porque o suscitado vislumbrou, a partir de informação inicialmente coligida aos
autos (relatório fornecido pela Prefeitura Municipal de Embu, às fls.48/49),
que o parcelamento irregular do solo teria ocorrido na cidade de Cotia.
Contudo, o suscitante, formulando novas
perquirições para o esclarecimento da questão de fato (efetiva localização do
parcelamento irregular do solo), chegou à conclusão (com vistoria realizada por
órgãos da Prefeitura Municipal de Cotia, cf. fls.81/85), de que a maior parte
do imóvel no qual foi realizado o parcelamento clandestino do solo é situado,
em verdade, no Município de Embu.
São relevantes, e conferem
verossimilhança aos argumentos lançados pelo suscitante, os seguintes dados:
(a) a matrícula do imóvel irregularmente parcelado está cadastrada no Cartório
de Registro de Imóveis de Itapecerica da Serra (matrícula nº43.941, fls.14/18);
(b) na descrição do imóvel há expressa menção à localização do imóvel na cidade
de Embu; (c) na representação elaborada pela Serventia Extrajudicial
Imobiliária de Itapecerica da Serra ao Juízo Corregedor Permanente daquela
comarca, constou expressamente a afirmação de que o imóvel, no qual foi
realizado o parcelamento irregular do solo, localiza-se na cidade de Embu
(fls.5/13).
Estas informações são convincentes para
chegar-se à conclusão de que, de fato, o parcelamento ocorreu em Embu, e que consequentemente,
pelo critério territorial, é da Promotoria de Habitação e Urbanismo de Embu a
atribuição para oficiar no feito, prosseguindo nas investigações.
Não bastasse isso, poder-se-á apontar
ainda quanto à permanência da dúvida, considerando a virtual possibilidade de
que o imóvel seja situado, concomitantemente, nas duas comarcas envolvidas no
caso, ou seja, Embu e Cotia.
Caso essa hipótese, em coleta de novas
informações no curso das investigações, se concretize, ela não alterará o
quadro até aqui delineado. Parcelamento irregular realizado concomitantemente
em duas comarcas contíguas (loteamento que está parcialmente localizado em cada
uma delas) gera dano urbanístico a ambas. Nesse caso, ambos os juízos serão
funcionalmente competentes, nos termos do art.2º da Lei da Ação Civil Pública,
para o processo e julgamento da ação que vier a ser proposta.
Ademais,
o critério da prevenção, válido para a solução de dúvidas e conflitos em
hipóteses dessa natureza, está expressamente indicado no parágrafo único do
art.2º da Lei da Ação civil Pública.
Nesse sentido, anotam Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição
Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p.483/484,
nota n.6 ao art.2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de
mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento
da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.
Por
analogia, assim, já seria possível chegar à conclusão de que o membro do
Ministério Público com atribuições em Habitação e Urbanismo que primeiro tomou
conhecimento do caso deveria prosseguir nas investigações.
Mas, para além da analogia, há norma
expressa determinando a adoção de tal critério para a solução de conflitos de
atribuição. É o que diz o art.114 §3º da Lei Orgânica Estadual do Ministério
Público (Lei Complementar nº734/93):
“Art.114 - (...)
§3º. Tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará no feito o órgão do Ministério Público investido da atribuição mais especializada; sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que por primeiro oficiar no processo ou procedimento, ou a seu substituto legal, exercer todas as funções do Ministério Público.” (g.n.).
3)Decisão.
Diante do exposto, e com amparo no art.115 da Lei
Complementar Estadual nº734/93, conheço do presente conflito negativo de atribuições,
e dirimo-o, determinando caber ao Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo
de Embu prosseguir no feito, em seus ulteriores termos.
Publique-se a ementa. Comunique-se.
Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via
digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 03 de julho de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça