Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
nº80.313/2008
(PJC – CAP nº275/2008)
Suscitante:
6ª Promotora de Justiça da Cidadania da Capital
Suscitada:
95ª Promotora de Justiça da Capital (Promotoria de Habitação e Urbanismo)
Ementa: 1)Conflito negativo de atribuições. Procedimento investigatório
instaurado em decorrência de representação. 2)Construção de futura estação do Metrô. Necessidade de
desapropriação de imóveis. Questionamento voltado às conseqüências
urbanísticas, sociais, e culturais, decorrentes do local escolhido pelo poder
público. Alegação de aumento nos custos da desapropriação. 3)Investigação essencialmente direcionada à questão urbanística, e
secundariamente à elucidação de eventuais excessos quanto aos custos das
desapropriações. Eventualidade da questão relativa à defesa do patrimônio
público. 4)Conflito conhecido e dirimido, com determinação de caber à Promotoria
de Habitação e Urbanismo oficiar no feito. |
Vistos,
1)Relatório.
Trata-se de conflito
negativo de atribuições, suscitado pela DD. 6ª Promotora de Justiça da
Cidadania da Capital, Dra. (...), tendo como suscitada a DD. 95ª Promotora de
Justiça da Capital, Dra. (...) em exercício na Promotoria de Justiça de
Habitação e Urbanismo.
A Associação dos Lojistas e Trabalhadores
da Av. Adolfo Pinheiro (ALTAP), elaborou representação, em face da Companhia do
Metropolitano de São Paulo (METRO), narrando que o local escolhido para a
construção da futura estação do Metrô denominada “Adolfo Pinheiro” (linha 5 –
lilás), não é adequado e trará prejuízos à população e à ordem urbanística.
Além disso, aduziu que onerará em demasia os cofres públicos, em face da
necessidade de gastos de aproximadamente R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de
reais) para a desapropriação de 147 (cento e quarenta e sete) imóveis,
envolvendo área onde se situa o comércio varejista da região, com possibilidade
de impacto social negativo.
Alegou
a Associação, ainda que no local onde será construída a referida estação
funciona um ambulatório da Santa Casa de Santo Amaro, bem como a denominada
Galeria Borba Gato, que, segundo noticiado, integra o patrimônio histórico
municipal.
Recebida a representação na Promotoria
de Justiça da Cidadania, foram remetidos pelo DD. Promotor de Justiça
Secretário, Dr. (...), à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, com a
asserção de ser desta a atribuição para o caso (fls.7).
Na Promotoria de Justiça de Habitação e
Urbanismo, os autos foram distribuídos à suscitada, Dra. (...) (fls.41/42), que determinou sua devolução
à Promotoria de Justiça da Cidadania, aduzindo que: (a) não há no caso
discussão a respeito do uso e ocupação do solo; (b) a representação tem como
objeto a gestão de recursos públicos; (c) se a estação fosse construída em
outro local, seria reduzido o montante de recursos despendidos, bem como o
custo social das desapropriações (fls.77/78).
Na Promotoria de Justiça da Cidadania,
distribuídos os autos à Dra. (...), foi suscitado o conflito negativo, com a
afirmação, em síntese, de que: (a) as atribuições da Promotoria da Justiça da
Cidadania são residuais, enquanto as atribuições da Promotoria de Justiça de
Habitação e Urbanismo são mais especializadas; (b) é necessário primeiramente
realizar avaliação quanto à adequação, do ponto de vista do impacto urbanístico
e social, quanto à escolha do local indicado nos autos para a construção da
estação de trens urbanos; (c) até mesmo a análise quanto a eventuais
irregularidades quanto ao procedimento expropriatório estão vinculadas ao
prévio exame das questões urbanísticas; (d) a atribuição da Promotoria
suscitada também se evidencia em razão da necessidade de avaliação sobre a possibilidade
de tombamento de imóvel situado na área envolvida, bem como quanto a cessões de
bens públicos a particulares (fls.126/135).
Este é o breve relato do que consta dos
autos.
2)Fundamentação.
O conflito negativo de atribuições está configurado, e
deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada,
configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não
possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se
reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson
Garcia, Ministério Público, 2ªed.,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).
Compreende-se a respeitável
argumentação tanto da suscitante quanto da suscitada, pois, como
corriqueiramente ocorre, em sede de interesses difusos, coletivos, e
individuais homogêneos, é extremamente tênue a linha que permite a identificação
da hipótese concreta de atuação de uma ou outra Promotoria especializada.
Ademais, em muitos casos mais de um
interesse jurídico se apresenta ao Ministério Público, envolvendo diferentes
áreas de tutela coletiva, o que se afigura como indicativo da complexidade e
dificuldade na solução de problemas inerentes à identificação do órgão
ministerial incumbido de atuar.
Seja como for, para a solução do
conflito é imprescindível identificar qual o objeto da representação e,
conseqüentemente, da investigação.
Da leitura da singela representação que rendeu ensejo
à instauração deste procedimento investigatório, é possível extrair, em
síntese, que: (a) os autores do pedido de providências questionaram a escolha
do local onde será construída a estação denominada “Adolfo Pinheiro” (linha 5 –
lilás), pelas conseqüências que isso trará à região (necessidade de
desapropriações, impactos no comércio e de ordem cultural); (b) acrescentam que
o local escolhido, considerada a quantidade de construções residenciais e
comerciais existentes, provocará aumento dos custos das indispensáveis
desapropriações.
Ponderados os fundamentos apresentados
pela i. suscitada, e com o devido respeito ao seu posicionamento, é possível
concluir que o principal motivo que levou os postulantes a buscarem a atuação ministerial,
na hipótese, diz respeito às diretrizes adotadas para a utilização do solo
urbano. Soma-se a isso, claramente, a preocupação com conseqüências
sociais e urbanas que advirão, necessariamente, das obras relacionadas ao
indispensável aprimoramento e expansão do sistema de transportes coletivos
urbanos.
Anote-se que o problema relativo ao
possível aumento dos custos da obra, ao que tudo indica, revela-se como
argumento secundário e eventual, embora não menos importante, mas que não
conduz, necessariamente, ao menos no momento inicial da investigação, à
conclusão de que teria ocorrido prática que configurasse eventual ato de
improbidade administrativa. Diverso seria o quadro se a investigação indicasse
desde logo, v.g., para a existência de supervalorização nas desapropriações, a
ocorrência de fraude, entre outros casos imagináveis, que ensejariam a
iniciativa da defesa do patrimônio público.
Em outros termos, tudo leva a crer que
o ponto principal da investigação, no seu limiar, é o problema de ordem
urbanística, e não a defesa do patrimônio público.
Deste modo, o fundamento que se
apresenta nestes autos, por ora, para a investigação civil, é de fato a questão
relativa aos impactos urbanísticos das obras de expansão da rede de trens
urbanos.
A Lei Orgânica Estadual do Ministério
Público (Lei Complementar Estadual nº734/93), ao tratar de conflitos de
atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver
mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do
zelo do interesse público mais
abrangente (art.114 §2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência
equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição
mais especializada (art.114 §3º); e
(c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão
que primeiro oficiar no processo ou
procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 §3º).
Diante
dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual
deles serviria ao caso versado nestes autos.
Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli
anota que “se houver mais de uma causa
bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o
membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”,
esclarecendo que para tais fins, “considera-se
a seguinte ordem crescente de abrangência: interesses individuais, interesses
individuais homogêneos, interesses coletivos, interesses difusos e interesse
público; considera-se ainda mais abrangente o interesse indisponível em relação
ao disponível” (Regime Jurídico do
Ministério Público, 6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.421/422).
Embora, como alega a suscitante, as
atribuições da Promotoria de Justiça da Cidadania sejam, de certa forma, residuais,
é forçoso reconhecer que tanto a Promotoria de Justiça da Cidadania quanto a
Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo cuidam de interesses de
abrangência equivalente, ou seja, metaindividuais.
Assim, pondere-se, como esclarecimento,
que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de
interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma
concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável
solução se apresenta com a regra da prevenção (art.114 §3º da Lei
Complementar Estadual nº734/93).
Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à
colação também a observação de que no processo coletivo a competência para o
processo e julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do
local do dano, nos termos do art.2º da Lei nº7347/85. Mas quando o dano
coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art.2º
da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a
respeito da competência: a prevenção é que definirá a correta resposta
para tais indagações.
Nesse sentido, anotam Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição
Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006,
p.483/484, nota n.6 ao art.2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder
potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é
competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do
conflito da competência pela prevenção”.
Anote-se, ademais, que o critério da prevenção,
quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com
atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor
atende ao interesse geral, à continuidade da atividade ministerial, à
eficiência, e à eficaz e pronta resposta às demandas que a sociedade direciona
ao parquet.
Entretanto, como na hipótese examinada ficou
evidenciado que o motivo essencial para a instauração do procedimento
foi a questão posta sob a perspectiva urbanística, outra solução não
resta que o reconhecimento da atribuição da suscitada para oficiar no feito,
prosseguindo em seus ulteriores termos.
3)Decisão.
Diante do exposto, e com amparo no art.115 da Lei
Complementar Estadual nº734/93, conheço do presente conflito negativo de
atribuições, e dirimo-o, determinando caber à Promotora de Justiça de Habitação
e Urbanismo oficiar no feito, em prosseguimento, em seus ulteriores termos.
Publique-se a ementa. Comunique-se.
Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 14 de julho de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça