Conflito de Atribuições –
Cível
Protocolado nº 81.555/11
Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Paulínia
Suscitado: Procurador do Trabalho da 15ª Região
Ementa:
1) Conflito negativo de atribuições. 2º Promotor de Justiça de Paulínia (suscitante) e Procurador do Trabalho da 15ª Região (suscitado). Meio Ambiente do Trabalho.
2) Inteligência da Súmula 736 do
Supremo Tribunal Federal, segundo a qual compete à Justiça do Trabalho a
competência para julgar demandas relacionadas a descumprimento de normas trabalhistas
relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.
3) Precedente do STF: CC 7204,
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ
09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p.
165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v.
6, n. 75, 2006, p. 47-58. Precedentes do STJ, no sentido de que é da Justiça do
Trabalho a competência para julgamento de demanda promovida pelo Parquet, na
qual se encontre em discussão o cumprimento, pelo empregador, de normas
atinentes ao meio ambiente do trabalho (AgRg no REsp n.º 509.574/SP, DJe de
01/03/2010; REsp n.º 240.343/SP, DJe de 20/04/2009; e REsp n.º 697.132/SP, DJ
de 29/03/2006; AgRg no REsp 1116923/PR;REsp 697.132/SP).
4) Interesse do Ministério Público do Trabalho no desfecho da investigação. Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao E. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.
Vistos,
1) Relatório.
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Paulínia (suscitante) e como suscitado o Procurador do Trabalho da 15ª Região (suscitado).
O Ministério Público Federal da Região de Campinas recebeu representação na qual se postula a intervenção da Procuradoria da República na defesa da saúde dos trabalhadores no Município de Paulínia (fls. 06/09).
Ocorre, porém, que o Ministério Público Federal da Região de Campinas declinou da atribuição, por entender que a atribuição para funcionar no caso seria do Ministério Público do Trabalho (fls. 18), o qual, da mesma forma, declinou da intervenção, remetendo o expediente ao Ministério Público do Estado de São Paulo, especificamente ao Promotor de Justiça de Paulínia.
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.
Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
No caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.
O objeto da investigação, conforme bem precisou o suscitante, reside na análise de eventuais prejuízos a trabalhadores de empresas localizadas no Município de Paulínia.
Registre-se que a representação foi indeferida no “tocante às asserções de que a Prefeitura Municipal não estaria dando atenção aos trabalhadores do Município de Paulínia, por meio da Secretaria Municipal de Saúde” (fls. 23). Em relação à problemática ambiental, precisou o suscitante que a investigação acerca da contaminação de área por atuação da empresa Shell já vem sendo presidida pelo Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo com atribuição ambiental na Comarca de Paulínia (Inquérito Civil n. 001/2002).
A situação concreta do presente conflito está em se saber a quem compete investigar eventual lesão ao meio ambiente do trabalho, sobretudo quando se trata de empresas que contratam seus funcionários pelo regime da C.L.T.
E nesse ponto assiste razão ao suscitante.
Reza o art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, sendo que meio ambiente do trabalho consiste exatamente no local em que os trabalhadores exercem suas finalidades laborais.
Deve-se rememorar que a Súmula
736 do Supremo Tribunal Federal assentou competir à Justiça do Trabalho a
competência para julgar demandas relacionadas a descumprimento de normas
trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Com
efeito, no Conflito de Competência n. 7.204, a Suprema Corte entendeu:
“1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da
Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de
indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do
trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da
competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria,
porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal
competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação
originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira
interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade,
influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das
Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária
-- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda
tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em
causa, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da
Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a
competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação
alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que
pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a
Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC
45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto
àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do
Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos
praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que
distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas
recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo
Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em
prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com
a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões
de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é
preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem
mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no
julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi
cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988,
ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de
competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal
Superior do Trabalho.
(CC 7204, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
29/06/2005, DJ 09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12,
n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p.
143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58)
Não é outro o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, a saber:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. JUSTIÇA DO TRABALHO. SÚMULA N.º 736/STF.
PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Consoante entendimento sedimentado desta Corte Superior, é da Justiça do Trabalho a competência para julgamento de demanda promovida pelo Parquet, na qual se encontre em discussão o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente do trabalho (AgRg no REsp n.º 509.574/SP, DJe de 01/03/2010; REsp n.º 240.343/SP, DJe de 20/04/2009; e REsp n.º 697.132/SP, DJ de 29/03/2006).
2. Inarredável a aplicação à hipótese da inteligência do enunciado sumular n.º 736/STF, litteris: "Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores", sendo irrelevante, para tanto, decorrerem as obrigações daí resultantes de previsão expressa na legislação vigente ou resultarem concomitantemente de termo de ajustamento de conduta firmado entre o empregador e o Ministério Público Estadual.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1116923/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010)”.
(...).
“PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA OBREIRA. RECURSO NÃO CONHECIDO.
I. Compete à Justiça Obreira o julgamento de ação civil pública onde se discute o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente de trabalho. Precedente do C. STF. (RE n. 206.220/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 17.09.1999).
II. Recurso não conhecido.
(REsp 697.132/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2005, DJ 29/03/2006, p. 129)”.
Dessa forma, é possível vislumbrar, pelos motivos expostos, interesse do Ministério Público do Trabalho no desfecho da investigação.
3) Decisão.
Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 2º Promotor de Justiça de Paulínia, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 14 de julho de 2011.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
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