Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolados MP nsº 88.011/2017 e 100624/17

Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal

Suscitado: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

Ementa:                                 

1.      Conflito positivo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal; suscitado: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social.

2.      Em se tratando de utilização de estádios de futebol por torcedores, reconhece-se a existência de relação de consumo por força do Código do Consumidor. Inteligência dos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90 e arts. 3º e 40 da Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003. A lei equipara a relação existente entre o organizador da competição desportiva e o torcedor às relações de consumo, para permitir a defesa mais adequada e ampla dos interesses e direitos dos torcedores. Trata-se, portanto, de relação de consumo por imposição legal. Precedente da PGJ: Protocolado nº 132.685/2010.

3.      Dessa forma, identifica-se fundamento para a atuação do 5º Promotor de Justiça do Consumidor para presidir as investigações referidas nos protocolados ns. 88.011/2017 e 0100624/17.

4.      Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 5º Promotor de Justiça do Consumidor.

 

Vistos,

 

Trata-se de conflito positivo de atribuições provocado pelo 1º Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal, em que figura como suscitado o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

O 1º Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal suscitou conflito positivo de atribuições (fls. 03/10) sob o argumento de ser afeta à Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal, anexa ao Juizado Especial do Torcedor, investigar todas as questões referentes a violência em eventos futebolísticos, sem prejuízo da competência criminal.

Insurge-se o suscitante com o fato de que o suscitado teria expedido recomendação administrativa para que a Federação Paulista de Futebol, no prazo de 30 (trinta) dias, elaborasse projeto, e no prazo de 90 (noventa) dias, implementasse o sistema de identificação biométrica nos estádios paulistas.

Isso porque - ainda segundo o suscitante - , já existem quatro inquéritos civis em curso, nos quais foram firmados termos de ajustamento de conduta, sendo que o fato investigado não seria afeto à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

Também observa o suscitante que a atribuição não poderá ser feita pela Promotoria de Justiça do Consumdiror.

Por outra lado, registre-se a existência do Inquérito Civil n. 14.0695.0000622/2016-5, instaurado de ofício pelo 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, ora suscitado, que tem por objeto a análise de lesões corporais sofridas por pessoas envolvidas em agremiações esportivas, além de omissão por parte da Secretaria Estadual de Segurança Pública (fls. 02/05).

Aduziu o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social que “a prática do futebol é também do patrimônio público e social” (fl. 04). Acerca do presente conflito, teceu o suscitado as seguintes informações (fls. 330/337 – PT 100624):

(a)  a Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal consiste em uma unidade administrativa ainda não criada por Lei Estadual;

(b)  existe apenas a designação para membros do Ministério Público atuar perante a Vara do Juizado Especial Criminal Central da Capital, conforme Ato Normativo n. 182/07-PGJ;

(c)    anteriores celebrações de termos de ajustamento só foram feitas por conta da concordância dos promotores naturais.

Instada a se manifestar, a Promotoria de Justiça do Consumidor aduziu o seguinte:

“Considerando a existência de TACs (Termo de Ajustamento e Conduta) nesta Promotoria de Justiça, cuja designação foi específica para o titular deste cargo na época para atuação integrada juntamente a outras promotorias de justiça para assuntos do futebol (plano PAI);

Sirvo-me do presente, após realização de reunião extraordinária de Promotoria de Justiça, cuja votação foi unânime para declinarmos da atribuição relativa ao evento acima definido” (fl. 68 do Pt. 88.011/2017).

Ora, conforme já se pronunciou a Procuradoria-Geral de Justiça no conflito de atribuições cível n. 51.239/2010 (Ref. IC nº 14.279.255/09-MP) entre o 5º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital e o 6º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, em se tratando de utilização de estádios de futebol por torcedores, reconhece-se a existência de relação de consumo por força do Código do Consumidor (cf. art. 2º e 3º da Lei nº 8.078/90). Deve-se acrescentar que o Estatuto do Torcedor expressamente reconhece a existência dessa relação jurídica na matéria que regulamenta (cf. art. 3º, bem como art. 40 da Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003).

Reza o art. 3º do da Lei n. 10.671/03 que “para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo”. Como se não fosse suficiente, o art. 40 do mesmo Diploma estabelece:

“Art. 40. A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Ordinariamente, a configuração da existência ou não de relação de consumo depende da presença, em determinado caso concreto, dos elementos indicativos dessa moldura da relação jurídica de direito material, que são extraídos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor acima referidos.

Daí a afirmação de que consumidor é quem “adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º da Lei nº 8.078, de 1990); bem como que fornecedor é quem desenvolve “atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (art. 3º da Lei nº 8.078, de 1990).

A partir dessa conceituação geral é que, diante de situações concretas, se afere a existência ou não de relação de consumo.

Na hipótese em exame – biometria - a caracterização da relação de consumo se dá por imposição legal. Se, porventura, o objeto da investigação circunscrever-se à segurança da edificação, nesse caso seria possível aventar a atribuição da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo.

No caso da utilização de estádios de futebol por torcedores, é possível constatar a existência de relação de consumo por força do que determina o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003).

Em outras palavras, a lei equipara a relação existente entre o organizador da competição desportiva e o torcedor às relações de consumo, para permitir a defesa mais adequada e ampla dos interesses e direitos dos torcedores.

Trata-se, portanto, de relação de consumo por imposição legal. Também nesse sentido, há precedente da PGJ: Protocolado nº 132.685/2010 (Ref. Ação Civil Pública nº 3.029/2010).

Dessa forma, em que pese nosso respeito pelo entendimento diverso, identifica-se, portanto, fundamento para a atuação do 5º Promotor de Justiça do Consumidor para presidir as investigações referidas nos protocolados ns. 88.011/2017 e 0100624/17, uma vez que sua atuação no assunto só cessou em 22 de janeiro de 2016, com a publicação das portarias n. 263/2016 e 266/2016, o que aponta para sua prevenção entre os demais membros da referida Promotoria de Justiça.

3)  Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 5º Promotor de Justiça do Consumidor prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 10 de outubro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça